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Íris é africana. Veio para Portugal na década de setenta do século passado. É uma sensação estranha, esta de falar do século passado, como se tivesse sido há muito, muito tempo… quando foi mesmo ao virar da esquina.
Íris, se fosse no outro tempo diria que tinha uma barraca na Feira dos Santos, agora devo dizer um stand, e no seu dizer tributado a peso de ouro.
Na noite de terça, dia de Todos-os-Santos, no declínio da feira, a Íris estava triste. O negócio não correra bem, tinha frio, que tentava afugentar com uma mantinha, como o seu sorriso melancólico, se esforçava para enxotar os pensamentos deprimentes.
Das duas vezes que a vi em Chaves a mercadejar as suas pedras semipreciosas, anéis, brincos e colares, a mesma sensação, semblante e sorte nas vendas.
Íris não tem idade e sim uns olhos negros intemporais num lago profundo. O seu rosto acusa aqui e ali uns sulcos que não se sobrepõem à sua tez morena e à placidez de um voz acolhedora que convida à fala e à visita do seu pequeno continente reduzido àquele rectângulo que constitui o seu modesto comércio.
Tendo-me visto umas velas num saco plástico para pôr nas sepulturas de familiares, não deixou de comentar:
- “ Os africanos tratam melhor os mortos do que os vivos e fazem-no por medo que lhes façam alguma coisa.”
Depois de pensar por alguns segundos, respondi-lhe, que, receio, tinha dos vivos e quanto aos mortos, desafortunadamente, havia gente que também fazia o mesmo, mas por hipocrisia e temor, por a consciência os inquietar ou aqueles lhes pedirem contas pelos maus tratos que sofreram em vida.
Ao lado, a trindade da ginjinha de Óbidos, pai, mãe e filha, passaram a feira, perscrutando os céus, principalmente as densas nuvens que pairavam como ameaça de chuva, que finalmente veio na tarde da feira de gado, mas não foi tanta que causasse muitos estragos, nem que se realizasse a chega de bois, que por sinal foi fraquinha e não satisfez de todo a “afición”, salvo algumas das pessoas que a presenciaram, gabarem a bravura do último boi, de fraca armação, que, numa inglória luta, saiu bastante maltratado e perdeu a lide.
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Quem não ficou muito satisfeito com a feira, este ano, foram os comerciantes da Rua Direita, pois esteve completamente deserta, possivelmente porque a feira da lã, normalmente no largo dos Anjos, pura e simplesmente desapareceu. Nada de estranho, pois anjos e santos por estes lados, a crer numa eventual visão institucional, tão torta como a rua, mas comprovada por factos, há muito não são vistos, apenas pecadores, que merecem a agrura do esquecimento e o inferno nocturno dos fins-de-semana.
Ah! E parques de estacionamento singulares!
Dependem da hora e do dia. Creio que nem um singelo sinal, poderia explicar tão estranho fenómeno. E porque não quero deixar de congraçar-me com presumíveis vizinhos, nem falo dos livre-trânsitos e permissões de estacionamento.
Regressando à feira, quem estava radiante, era a minha amiga de Estremoz, por assim dizer. Por isso não estranhem, que num dia destes, deparem com um homem vestido de casaco de cortiça e gravata a condizer.
Também fiquei satisfeito de rever o Padre António Fontes, jovial, apesar da doença, um Alexandre Chaves, que, já no fim da feira, a deambular por entre tendas de roupa, me disse:
-“ Eh pá! Gosto mesmo disto!”
E até me cruzei, em frente ao Sport, com a Presidente da Assembleia da República, a Doutora Assunção Esteves.
Mas, o maior prazer e que me perdoem todos os amigos e amigas com quem me cruzei nas inúmeras visitas à feira, foi o convívio com os meus confrades Lumbudus, na exposição que efectuaram no átrio do antigo Cine Teatro de Chaves, que dá para a rua de Santo António, apesar do desalento que é ver a ruína de uma das que foi das melhores salas de espectáculos de Trás-os-Montes.
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A tal dimensão é a degradação do edifício, que chegamos a ter de nos abrigarmos com guarda-chuvas comprados na ocasião - “ Cinco euros, dois guarda - chuvas! -, pois, em alguns sítios, chovia quase tanto como na rua.
Não posso esquecer o abraço emotivo que troquei com o Fjr - Barreiro, que me apresentou a sua simpática esposa, e o jantar amavelmente oferecido pelo Berto Ferreira, na agradável companhia do Dinis Ponteira e mulher, e do Lousada, assessorados no opíparo repasto pelo amigo Taró.
A feira acabou e como última imagem e sons a guardar até ao próximo ano, não é de uma rusga a cantar, acompanhados de uma gaita-de-foles, cavaquinho e acordeão … é o sopro de uma flauta andina a tocar: El Condor pasa, de Paul Simon e Art Garfunkel, que, certamente a recolheram do folclore autóctene. E um petiz peruano de três palmos e meio mal medidos, agarrado às saias da mãe e a tentar ajudá -la a recolher a mercadoria para a próxima feira.
A Feira adapta-se e nós também.
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* Duas notas de fim de texto:
- Apreciei a actuação da Orquestra Amizade.
- Faço votos para que os antigos alunos do Liceu Fernão de Magalhães, finalmente se reconciliem e se deixem de divisões por anos, espírito separatista, de grupo ou elites, e se integrem numa só associação - desde já, só conheço uma, com existência legal, que ajudei a criar, embora com o anelo e fins que acabo de mencionar – e a modifiquem naquilo que consideram errado e que também, como atrás reconheço, em grande parte deve ser alterada, com fidelidade aos princípios que me levaram a colaborar na sua constituição.