Alminhas
De vez em quando a Soledade Martinho Costa “rouba-me” umas fotografias para ilustrar os seus textos. Eu pago-lhe com a mesma moeda, e de vez em quando “roubo-lhe” os textos para ilustrar as minha fotografias. Claro que são roubos consentidos por ambos. Hoje fica mais um texto da Soledade, sobre alminhas, que tantas vezes me interrompem viagens, fazendo-me parar para as tomar em registo fotográfico. Vamos lá, então, às alminhas. O texto é da Soledade.
«ALMINHAS»
O culto religioso das «Alminhas», designação pela qual são conhecidos piedosa e popularmente estes altares ou nichos propiciatórios em favor e memória dos defuntos, apresentam-se como pequenas construções, construídas em pedra ou cimento, guarnecidas por pequenas imagens religiosas, esculpidas em pedra ou barro, ou pintadas de forma singela em azulejo, alusivas aos santos ou ao Purgatório. É frequente encontrá-las erguidas à beira das estradas, nos caminhos, nas encruzilhadas, ou mesmo no meio dos campos, quer em locais ermos ou habitados. A revelar, quase sempre, o acto de mão piedosa, dado pela deposição de algumas flores, ou pelo acender de uma vela, lamparina ou candeia de azeite, cuja chama, a alumiar a noite, nos faz lembrar os que já não se encontram entre nós.
Localidades há onde são entregues aos habitantes «correndo a roda às casa», a fim de que todos possam contribuir para a sua preservação, limpeza e alindamento. Aquele que a tiver a seu cargo deverá alumiá-la todas as noites até findar o seu mandato. Daí, o uso, mantido em certos lugares, de se realizarem «peditórios de azeite para as alminhas», ou proceder-se à entrega dele em cumprimento de promessa. É também usual efectuar-se uma novena, em que durante esses nove dias a pessoa que fez a promessa vai alumiar as «alminhas» e fazer orações.
Símbolos da religiosidade e do sentido piedoso do povo, deve-se às confrarias das almas, no século XVII, a sua contribuição para a divulgação das pinturas do Purgatório nelas representadas. No século XVIII as irmandades e confrarias das almas espalham-se de norte a sul do País.
Nas suas inscrições, pedem apenas a quem por elas passar, uma breve oração em seu favor, ou tão-só, um pensamento piedoso por sua intenção.
«Irmão, lembrai-vos das Almas que estão no Purgatório com um Pai-Nosso e uma Ave-Maria», ou «Ó vós que ides passando/Lembrai-vos das almas que estão penando», ou ainda «Ó vós que aqui vindes tão descuidados de nós/Lembrai-vos das almas/Que nós nos lembramos de vós», são alguns dos dizeres afixados nesses altares.
Em Sesimbra, por tempos idos, as «alminhas» eram lembradas naquela vila (devido às terríveis epidemias de cólera e de febre-amarela que dizimaram a população em 1856 e 1857), praticando-se o piedoso culto de se subir ao Calvário, local situado no Forte de Santa Cruz, onde as vítimas foram enterradas por não haver espaço nos cemitérios, para colocar junto à cruz ali existente lanternas com azeite para «alumiar as almas».
Soledade Martinho Costa
Do livro “Festas e Tradições Portuguesas”, Vol. VIII
Ed. Círculo de Leitores