Pergaminho dobrado em dois
A vida de um Hipocondríaco.
Acho que estou muito doente. Não quero virar todas as atenções para mim, mas necessito de dizê-lo. Ser doente tem sempre os seus benefícios como a morte ou o estar vivo.
Confesso, sou hipocondríaco. Ou seja, não há dia em que não pense que sou o indivíduo que possui todas as doenças do mundo ou que a morte está mesmo ao virar da esquina vestida de lingerie vermelha e salto alto. E de facto está sempre. A morte é uma puta.
As pessoas olham-me com a leve sensação de ser um jovem saudável. Poucas sabem quem é este menino. Ser hipocondríaco é uma experiência por demais. Olha-se para o espelho e sente-se aquela febre amarela bem de fronte logo pela manhã, só para começar bem o dia. Uns lavam a cara e sentem-se como novos, eu lavo a cara e sinto-me igual, mas sem colesterol e diabetes. De resto tenho tudo.
Sinto aqui uma dorzita que me está a ajudar a fazer esta crónica. Ainda bem que apareceu que não sabia o que dizer. É uma dor na parte direita do abdómen. Digo eu. Talvez seja apendicite aguda ou uma valente diarreia por vir. Ébola é pouco provável, mas não é impossível. No verão passado a Ébola era a minha doença de eleição. Não havia dia em que não a contraísse. Já tive tuberculose cinco vezes. Princípios de tuberculose, vá. Depois foi-se a ver e afinal era uma constipação. Mas os sintomas de tuberculose tinha-os a todos, diga-se.
Pelo que já pesquisei falta-me um sintoma para contrair a Síndrome do Ovário Poliquístico (ah, não. Isso só acontece ao público feminino) talvez sarampo, e três para contrair cárie dentária. Com sorte ainda hoje consigo adquira-las a todas. É sempre difícil e nunca sei como gerir a emoção de saber o que realmente tenho. Possivelmente, tenho tudo menos sinusite. Mas agora que estou a pensar, porque raio não consegui adquirir sinusite? Qual é problema que ela tem comigo? Daqui a ter tiroide é num fechar de olhos. Parece-me a doença da moda, completamente banalíssima. Todos têm, porque não eu. Agora que falamos nisso, devo possuir tiroidite crónica, gosto de doenças dignas, não me satisfaz uma tiroidite meio-termo.
Não devo ter nada, mas talvez até tenha alguma hipótese em obter uma imensidão de doenças visto que sou um rapaz novo. Tenho, tenho. Esta dor não é vã. Aí, que agora deu-me uma pontada valente perto da virilha. Tu queres ver que se deve ao tabagismo? Lembrei-me agora que não tenho tendências fumadoras. Excluímos essa parte. E o abuso de bebidas alcoólicas? Possivelmente até tem haver, mas eu nem bebo. Bebi uma vez, diga-se de passagem, mas senti-me tão mal que contraí aço úrico. Talvez vá mesmo ao médico. Senhor doutor, diga-me exatamente o que eu tenho. Você não tem nada, é completamente saudável. São problemas de cabeça, menino. Eu já previa o desfecho. Problema neurológico, pois claro.
No fim de tudo concluiu-se que afinal não possuía nenhuma doença. Estava completamente curado de todas as doenças que nunca existiram. É bom quando não se tem nada, mas é uma solidão imensa que se sofre com a ausência delas.
Escrevo-vos esta crónica no espaço onde trabalho. Ainda vou apanhar uma valente doença com esta brincadeira de ser explorado. Melhor, era ficar em casa deitado no sofá só a contrair diabetes.
Findo isto, vou andando, meus deleitosos leitores. Foi um prazer.
Calma! Agora que me levantei para ajudar o capitalismo a ser mais capitalista, senti uma comichãozite aguda por baixo da traqueia. Tu queres ver que acabei de contrair alzheimer? O que é que eu acabei de contrair? Estávamos a falar do quê mesmo?
Herman JC