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UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM – DIA DE INVERNO
O Sol começou agora mesmo a levantar-se. Primeiro, a bocejar por entre os lençóis de neblina com que se tapa. No Inverno, levanta-se mais tarde. Ou recusa-se, mesmo, a levantar-se. A debruçar-se, por pouco tempo que seja, lá em cima, à janela da sua casa. E a terra fica mais fria sem o calor dos seus raios. E menos alegre sem a claridade do seu esplendor. Mas o Sol, talvez para se fazer mais desejado, esconde-se atrás do reposteiro cor de cinza que veste a abóbada do céu. E não se mostra, o maroto. Não dá sinal de si. Não se vê rasto dele. Às vezes, entretém-se a pregar destas partidas dias e dias a fio. Ainda que saiba muito bem a falta que faz.
As aves queixam-se:
— Sem o Sol tiritamos de frio.
Os homens dizem:
— Quem dera que o Sol desponte.
A terra pede:
— Anda, meu amigo. Vem até mim que morro de saudades. Bem sabes que sem ti não sou ninguém…
É nesta altura que o Sol não resiste mais e aparece. Feliz por se saber amado mostra-se lá em cima. E retribui à Terra a sua prova de amor com o beijo mais dourado dos seus raios.
Já desperto, eis o Sol, nesta manhã de Inverno, curioso como só ele, a espreitar por tudo quanto é canto. Dá os bons-dias e lá começa, num afã, a tornar mais luminosos e menos frios os campos onde a geada de manso se instalou.
Entorna-se pelo povoado. Cobre os caminhos e as telhas das casas enfeitadas de musgo. Espreguiça-se nos muros onde trepam como estrelas verdes as folhas da hera. Desce ao rés do mar e cumprimenta as ondas, meninas buliçosas em correrias loucas. Sobe ao monte e deixa-se rolar por ele abaixo a brincar às escondidas pelos moitões de tojo e urze roxa, pelos tufos de rosmaninho e alecrim, pelos maciços de giesta, de cardos e silvados.
A manhã alonga agora o passo pelos campos fora. E não se detém. Na pressa de chegar ao fim do dia nem sequer repara no tapete de azedinha e de trevilho, lado a lado, como dois bons amigos que muito se prezam. Onde está um, está o outro: o trevo-dos-prados no anseio de nascer com quatro folhas, para dar sorte à mão que o descobrir. As azedas, a enfeitá-lo de amarelo, nas pétalas que fecham ao entardecer. Mas o azevinho também marca encontro nesta altura do ano. Num emaranhado de picos e segredos, contente por se saber esperado, desponta pelas toiças a mostrar as bagas vermelhas na folha envernizada.
Sem quase se fazer notada, a tarde toma agora o lugar da manhã que parte. Instala-se, sacode o algodão das nuvens e põe-se toda de um azul-celeste. Tão azul se põe, que o céu se confunde com o mar, a mostrar-se lá ao longe, aos olhos do povoado. Parecem um só de braço dado: o mar e o céu. Porém, verde e não azul, fica o mar quando está zangado e cinzento o céu, quando, sem revelar porquê, a tristeza o invade.
Aos poucos, a cor azul-celeste deu lugar ao tom azul-escuro. Sinal de que a noite vai chegar. As nuvens, vindas de um sítio que só elas sabem, correm, correm pelo céu fora como se tentassem agarrar o vento. Agarrar o vento? Oh, não! O vento é que as empurra! E elas não protestam. Obedecem. Umas atrás das outras, num galope sem freio à sua frente.
Com o vento, veio a noite, agasalhada na sua capa de breu. É nela que a noite oculta a escuridão que lança sobre a Terra para que esta adormeça. E também as sombras que num bailar constante têm por missão velar-lhe o sono, até que a Terra desperte e o dia amanheça.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Histórias que o Inverno me Contou»
Publicações Europa-América
Foto: Fernando DC Ribeiro (Barroso, Castanheira)