Quem conta um ponto...
588 - Pérolas e Diamantes: Modas e pinderiquices
O respeito foi inventado para dissimular a falta de capacidade de liderança.
Ouvimos vozes. Apesar da grande prudência, na nossa sociedade passam-se mistérios de que não possuímos a chave para desvendar. Mas o sorriso subtil dos oráculos diz-nos que os amigos dos meus amigos meus amigos são. E aqui não existe vice-versa.
Quando não sabemos lá muito bem onde queremos chegar, o melhor é ficarmo-nos pelas generalidades. A verdade é que os urbanos arranjam sempre maneira de se tornarem ridículos, pensando que ridículos são os outros. Por isso é que os olhares desconfiados tendem a aumentar.
Sinto-me inquieto ao passear nas ruas, pois agora têm ar de quartos mobilados que dão diretamente para salas de estar onde se vende roupa ou sapatos. Isso provoca em mim um contentamento muito parecido com uma nevralgia.
Perante tudo isto só nos resta a indiferença. Não percebo esta loucura de construir e de pintar. Modas e pinderiquices de novo rico. Parece que querem arrancar as raízes do nosso passado. E fingem esquecer.
Tantas pessoas a passear cães. Esta sociedade até parece feliz. E alegre. A vaidade passou a ser uma satisfação. Os donos parecem submissos aos cães.
Flutuamos entre a expetativa e a consternação. Por isso é que proliferam por aí os imitadores baratos de Nadir Afonso, pensando que a arte do Mestre nasceu do acaso. Ou por acaso.
Está na moda os inocentes rirem-se alto e bom som dos homens denominados como intelectuais. Os indiferentes, por descargo de consciência, verificam a justeza dos reparos dos críticos, evocam pequenos pormenores e acabam por lembrar as badanas dos livros importantes que não se atreveram a ler. Depois é o silêncio. A desilusão. O desperdício.
Lembram os distraídos que o mais avisado é não conceder tempo à tagarelice.
Brindemos pois a toda esta gente afetuosa. Aos que partem. Aos que chegam. Aos que permanecem.
Bravo.
A isto chamo eu falar com o coração.
É bom cantarmos todos o hino em uníssono com o Cristiano Ronaldo e com a mão direita posta no lugar do coração. A mim até as lágrimas me vêm aos olhos. Heróis do mar… contra os canhões… marchar, marchar. É arrepiante.
Hurra.
As ovações e os agradecimentos repetem-se. O Cristiano é o mais Ronaldo de todos nós. Só é pena não ser do glorioso-ocioso. Depois tudo nos acontece: as influências, as libações, as opiniões e a idade madura. E lá vamos todos para a guerra do futebol, cantando e rindo, levados, levados sim…
A nossa ciência e o nosso heroísmo baseiam-se na ideologia do negociante. E eles necessitam tanto de auxílio.
Dizem que não há salvação para os incrédulos. Mas quem não tem salvação, salvado está. Pelo menos não são hipócritas, os incrédulos.
Já os otimistas não fazem trabalho de campo, basta-lhes a esperança para progredirem. Invejo-lhes a confiança. As lendas e os mitos falam através das suas bocas. Até para a improvisação é necessário muita experiência. E há também aquelas vozes autorizadas onde tudo o que sai dos seus lábios soa a verdade. Quando dizem a verdade e quando mentem.
Tenho de confessar que os meus anjos da guarda são desagradáveis. Não sobrevoam nem esvoaçam, são daqueles que se fecham em casa. São tímidos e envergonhados. Por vezes, lançam-me um olhar rápido de entendimento. Noutras ocasiões, os seus olhos revelam deceção, pena. Ou mesmo indiferença. Mas eu já estou habituado. Resignam-se. E eu também. É tudo uma questão de hábito. Tenho de reconhecer que aos seus olhos eu sou incorrigível. Mas a verdade é que nunca me encostaram à parede. Tento reagir ao que posso como a maioria das almas que se têm por puras e nobres. Por vezes é tudo muito teórico. Outras é tudo demasiado prático. Mas eu tento sempre não esquecer os princípios e as convicções. Nisso sou como os meus anjos da guarda.
Penso constantemente numa frase de Ivo Andric sobre os lobos: olhamos todos para os seus dentes e não para os olhos.
Primeiro vem o julgamento e depois o esquecimento.
Sim, também eu, quando fixo os meus anjos da guarda, reparo primeiro nas suas mãos habilidosas é só depois olho para as asas, não vá dar-se o caso de eles serem anjos vingadores em missão secreta.
João Madureira