Cartas do Zé
“Em que pensas porco? – Na bolota!”
Com este ditado popular, costumava iniciar as minhas aulas de marketing e vendas. De um modo jocoso, um pouco brejeiro e linear, procurava explicar aos formandos que o homem de marketing tem de pensar nas necessidades e desejos do consumidor, na bolota. Focado sempre na bolota. Como o porco esfomeado...
Corriam os anos 90 e acreditava, tal como hoje que faltava marketing á minha cidade. Os responsáveis por Chaves não entendem, nem procuram entender o mercado e os seus caprichos. Quero dizer, os cidadãos e os seus desejos.
Sei que foi fundamental os gastos em infra-estruturas como saneamento básico e água canalizada e que há povoados que nem isso têm. E agora? Para onde estão voltadas as atenções dos “manda-chuva”?
Vagueiam atrás de projectos de obras subsidiadas pela comunidade europeia, mas que pouco têm a ver com a realidade da nossa região. Lembro a “zona industrial”, agora aumentada, mas que não passa de um amontoado de barracões e lotes com escritos de “vende-se” ou “aluga-se”.
Que me dizem da Polis, que descaracterizou irremediavelmente o Largo das Freiras. Ou o importante complexo termal com águas únicas no mundo, mas que obedece abre e fecha as portas á temporada, como se de caça e pesca se tratasse.
Vejamos. Chaves tem monumentos para dar e vender, gastronomia rica e original, boa localização geográfica, vias de acesso, recursos naturais invejáveis e recursos humanos... invejosos.
Sim. O calcanhar de Aquiles da nossa região são os recursos humanos. Sobretudo de quem manda. Estes, não querem saber das necessidades dos cidadãos. Procuram apenas responder aos desejos dos eleitores.
Falar do potencial turístico da região já cheira mal. Temos pessoal especializado para atender o turista, auto-estradas para trazê-lo, hotéis e restaurantes para o deitar e alimentar. E que fazem os gajos do chicote?
Pelejam entre si pelo melhor certame gastronómico, pela construção do museu para homenagear o mesmíssimo pintor (Nadir Afonso) e outras que tais disputas caseiras entre municípios vizinhos.
Os projectos conjuntos de desenvolvimento regional só aparecem com fundos comunitários no horizonte. Por si só, são incapazes de se juntar para fazer anúncio na TV para os benefícios das águas termais da região, a originalidade da festa das bruxas de Montalegre, a beleza da olaria local, o circuito dos eventos gastronómicos, concursos de pesca, corridas automobilísticas, exposições de artes plásticas, certames de inventores e ... E pouco mais.
Sugiro aos senhores mandões, uma visita a Allariz. Povoado com pouco mais de três mil habitantes, cinco museus e 52 festas por ano... ou quase.
Os galegos desse povoado próximo de Orense são especialistas em inventar festejos. A mais conhecida, a Festa do Boi, acontece por estes dias, mas a festa da empada, da primavera, do cogumelo também são muito visitadas.
Escrevi certame de inventores. Sabias amigo que eu “inventei” esse evento?
Foi numa aula de marketing na escola profissional de Chaves em que tinha como convidado o Júlio das Malhadeiras, o inventor mais velho de Portugal. Informado da ideia, o director da escola condicionou a aprovação da actividade, ao financiamento extra-escolar.
Foram os empresários da região que, por amizade e respeito ao Sr. Júlio dos Santos Pereira, juntaram o dinheiro necessário para a realização da primeira Flávia Criativa.
Estive na organização de todos os eventos até ao V.
Aí, não concordei com a doação de uma serigrafia do mestre Nadir Afonso. Queria a pintura original, como sempre aconteceu com outros pintores em todas as edições anteriores. Pedi seis mil euros pelo meu trabalho de assessoria na organização que iria doar para a compra da pintura original do artista.
Também se deram ao luxo de alterar a data de realização do certame bianual. De Fevereiro, data de aniversário do velho inventor, passou para quando “for possível”.
Até hoje, nem a Escola Profissional de Chaves, ou a Câmara Municipal de Chaves me responderam ou pagaram a importância pedida.
O convite para a 6ª edição do Flávia Criativa - Salão de Inventores Júlio dos Santos Pereira nunca chegou á minha caixa de correio.
Estes são os recursos humanos da nossa cidade. Não fazem, não sabem fazer e tem raiva de quem faz algo que não dá votos.
Sem outro assunto e muito grato por me blogares estas letras, recebe aquele abraço do tamanho do oceano,
O amigo que te estima
Zé Moreira