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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

04
Jan18

Chaves História' s - A lenda das duas chaves


Cha-historias

 

Hoje para além da História e das estórias, e para quem não conhece, deixamos aqui uma lenda. As fotos são nossas.

 

 

LENDA DAS DUAS CHAVES

 

Esta é uma das lendas da origem do nome da cidade de Chaves — uma lenda em que o amor supera todas as faltas. Passa-se na época remota do poderio romano na Península.

Quando reinava o imperador Tito Flávio Vespasiano, as legiões romanas chegaram triunfantes à Ibéria, atravessando as regiões da Galiza e de Trás-os-Montes. Porque a terra era boa, fixaram-se nesta última província, começando a construir estradas e pontes. Ora, tendo os Romanos uma autêntica devoção pela água, grande foi a sua alegria quando descobriram «águas quentes jorrando da terra». Construíram logo aquedutos e um grande tanque onde se iam banhar, conseguindo curas fantásticas por intermédio dessas águas medicinais. Tal foi a sua fama, que chamaram à cidade ali construída Aquae Flaviae. Tão progressiva se tornou, que o próprio imperador Tito Flávio Vespasiano colocou aí como procurador um seu primo, o jovem Décio Flávio, então comandante da Legião Sétima.

 

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Certo dia, o cônsul Cornélio Máximo recebeu em Roma uma mensagem do jovem Décio Flávio, e achou por bem consultar sua filha Lúcia.

Era manhã ainda e o Sol estava quente. Envolta num manto leve que lhe ocultava o rosto, Lúcia encaminhou-se rapidamente para o aposento onde o pai a esperava. Mal a viu, o cônsul foi ao seu encontro:

— Lúcia, não ignoras decerto que o primo do nosso imperador, Décio Flávio, se encontra em Aquae Flaviae, uma nova cidade de que dizem maravilhas.
Lúcia baixou a fronte, para logo a levantar num assomo de energia. Respondeu, tentando serenidade:
— Bem o sei, meu pai. A última vez que vi Décio Flávio foi nas vésperas da sua partida, no palácio imperial.
Franzia as sobrancelhas a um rápido e angustioso pensamento. Perguntou aflita:
— Aconteceu-lhe alguma coisa?
O cônsul sorriu e serenou a angústia da filha:
— Não! Décio Flávio está cada vez melhor! A sorte acampa com ele. No entanto, mostra-se preocupado.
— Porquê?
— Preocupado contigo, minha filha!
Lúcia sentiu bater mais forte o coração.
— Comigo?... É grande honra para mim...
O cônsul voltou a sorrir. Lúcia procurava que o pai não a olhasse de frente, para não ver o seu enleio. Mas já o velho Cornélio se aproximava, obrigando-a a olhá-lo face a face. Perguntou:
— Lúcia! Que se passa entre os dois?
Cada vez mais embaraçada, a jovem mentiu:
— Nada, meu pai. Décio tem uma bonita carreira à sua frente. Merece uma mulher bonita... além de rica!
— E tu... não és formosa?
A jovem mordeu os lábios. Baixou de novo o olhar para que o pai não notasse o seu grande sofrimento. Depois, respondeu numa voz emocionada:
— O pai bem sabe que fui formosa! Mas hoje... com estas feridas na cara e nas mãos...
Calou-se. As lágrimas soltaram-lhe dos olhos e exclamou, chorando:
— Oh, meu pai! Porque me atormenta? Porque me fala em Décio Flávio e me obriga a falar da minha doença?
— Porque ele enviou-nos hoje um mensageiro.
A jovem deixou de chorar.
— Um mensageiro?... Para quê? Que diz ele?
Pausadamente, o cônsul apresentou um objecto que não pusera até então em evidência, e explicou:
— Décio manda-te de presente esta caixa forrada de seda e contendo duas chaves de ouro.
A jovem mostrou-se perplexa.
— Duas chaves?... Para mim?
— Sim, minha filha. São chaves simbólicas, segundo o mensageiro explicou.
A ansiedade da jovem Lúcia ia crescendo.
— Meu pai... mas... que simbolizam essas chaves?
— Saúde... e amor!
Lúcia levou uma das mãos ao peito, como se tivesse recebido uma pancada. As lágrimas voltaram-lhe aos olhos. A sua voz soou emocionada:
— Amor!... Amor, talvez, porque o amo desde que nos encontrámos numa tarde de corridas. Mas a saúde... a saúde... quem poderá oferecer-ma?
As lágrimas corriam pelo rosto chagado de Lúcia. O cônsul exclamou, firme:
— A saúde, oferece-ta Décio Flávio!
Ela meneou a cabeça.
— Não, ele não poderá ver-me assim! E eu não consigo curar-me!
O cônsul Cornélio acariciou um dos braços de sua filha. O seu estado de amargura enternecia-o.
— Ouve, Lúcia, quero que saibas tudo. Décio, na sua mensagem, oferece-me um lugar em Aquae Fluviae, para que assim tenhas a possibilidade de tomar os banhos dessas águas extraordinárias e encontres a cura para os teus males. Oferece-te, pois, as chaves da saúde… e do amor!
Ela voltou a menear a cabeça, sempre chorando.
O cônsul continuou:
— No entanto, se não quiseres sair de Roma, só terás que devolver-lhe essas duas chaves. O seu mensageiro parte amanhã, levando ou não essa lembrança que Décio Flávio te enviou. Decide, pois!
Lúcia mordeu os lábios, sem saber que dizer. Por fim olhou o pai.
— Não sei que pensar... Tem a certeza que Décio Flávio disse tudo isso?
— Queres ouvir o próprio mensageiro? Não te serve a minha palavra?
Lúcia caiu em si.
— Perdoe-me, meu pai! Nem sei o que digo!
— Porque choras, então?
Ela sorriu por entre as lágrimas.
— Porque Décio Flávio continua a pensar em mim!
— E isso é motivo de choro?
— Também se chora de alegria. Contudo...
— Contudo, o quê?
— Flávio merece melhor sorte! Já não sou a mesma que ele conheceu e amou!
— Recusas o seu auxílio?
Ela afligiu-se.
— Oh, não!
— Que digo, nesse caso, ao mensageiro?
Lúcia ficou uns momentos pensativa. Depois, resoluta, declarou:
— Pai! Diga ao mensageiro de Décio Flávio, que partiremos o mais rapidamente possível!

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Alguns meses passaram. Obtida a necessária licença do imperador Vespasiano, Cornélio Máximo seguiu com sua filha para a então famosa Aquae Flaviae, uma das mais florescentes cidades do Império, na Península. Duas semanas depois de chegarem, Décio Flávio foi visitar os seus amigos, mas Lúcia recusou-se a aparecer. Ficando sós, Décio e o cônsul, este dirigiu-se amistosamente ao procurador.
— Muito agradeço, Décio Flávio, o teu convite e a honra da tua visita. Lúcia e eu jamais esqueceremos o teu gesto!
Décio sorriu.
— O que fiz não deve ser agradecido, pois foi no meu próprio interesse.
O cônsul olhou o seu visitante.
— Queres explicar-te melhor?
Décio respondeu num tom quase malicioso:
— Cornélio Máximo! Para um homem inteligente como tu não serão necessárias mais explicações. Bem compreendeste o que pretendi dizer.
Sorriu também o cônsul romano, e retorquiu no mesmo tom:
— E ao extraordinário Décio Flávio não será necessário dizer mais para que compreenda o meu propósito.
Décio riu com elegância e exclamou:
— Sempre o mesmo gracioso e prático cidadão!
Deu dois passos pelo aposento. Tornou-se subitamente sério e, voltando-se num movimento decidido, falou no seu ar conciso:
— Verifico que queres ouvir o que não cheguei a dizer senão na intimidade do meu pensamento: um pedido formal de casamento para tua filha Lúcia.
Cornélio concordou:
— É isso mesmo. Queria saber da tua boca se estás disposto a casar com ela agora... e livre de qualquer compromisso tomado anteriormente à sua doença.
Décio encarou o cônsul romano.
— Amo Lúcia e sempre a amarei! Ela vai curar-se, estou certo! Mas, seja qual for o resultado do tratamento, o meu pedido manter-se-á. Onde está ela?
— Recusa-se a aparecer enquanto não estiver curada.
— Pois diz-lhe que desejo falar-lhe imediatamente.
Nesse mesmo instante uma cortina do fundo abriu-se, e a jovem Lúcia entrou com o rosto velado. A sua voz era pouco firme ao dizer:
— Décio Flávio... aqui estou!
O jovem romano voltou-se. A sua surpresa era evidente:
— Lúcia! Porque trazes o rosto coberto por um véu?
— Porque ainda não estou bem.
— E porque não vieste logo?
— Porque não tencionava ver-te! Mas ouvi a tua voz… essa voz que cantava sempre dentro do meu peito as últimas promessas trocadas antes de partires... e não resisti à tentação de aparecer-te!
Ele agarrou-lhe os pulsos, pois as mãos estavam cobertas por ligaduras.

 

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— Lúcia... minha Lúcia! Quantos banhos já tomaste desde que chegaste aqui?
— Seis.
— E sentes melhoras?
— Se as não sentisse, já teria regressado a Roma. Não me perdoaria, privar-te de uma mulher bonita! Devem existir por aqui muitas beldades desejosas de merecer-te!
Ele apertou-lhe os pulsos e murmurou:
— Bem sabes que és a mulher mais bela de Roma!
Ela tentou protestar.
— Exageras...
— Lembra-te de que o próprio imperador o dizia. Tu serás minha e só minha!
Ela meneou a cabeça, com aflição.
— Não, Flávio! Só quando estiver curada!
— O que será muito em breve!
E acariciando-lhe os cabelos através do véu:
— Faremos um grande festim e daremos largas à nossa felicidade!
A poucos passos, o cônsul Cornélio Máximo lembrou a sua presença:
— Bem... Já que se esqueceram de mim, aproveito para ir dar umas ordens.
Lúcia protestou:
— Pai, fique connosco! Décio Flávio é nossa visita...
Maliciosamente, o cônsul retorquiu:
— Décio Flávio fica bem entregue. Farás com dignidade as honras da casa a tão ilustre hóspede. Eu não me demorarei.
E saiu. Ficando sós, Décio Flávio tentou ver o rosto da jovem. Ela recuou apavorada:
— Não, Décio Flávio! Não quero que em ti fique a mínima recordação desagradável a meu respeito!
— Desejava tanto ver a luz desses teus olhos tão belos, que enchiam a minha alma!
— Não! Perdoa-me, mas pouco tempo faltará! Estou quase curada e a ti o devo!
— Pois seja, meu amor! Mas, pelo menos, permite que te procure com assiduidade. Preciso de ouvir a tua voz, já que me falta a luz do teu rosto!
— Ver-te e ouvir-te é o que mais ambiciono na vida. O teu amor por mim é parte da minha cura! E, já agora, deixa que te comunique quão feliz me tornou aquela caixa tão bonita, forrada de seda e contendo duas chaves em ouro: duas chaves simbólicas que dizem bem do teu carácter e da sorte que tive em ter-te agradado!
O jovem romano acariciou mais uma vez os cabelos da sua bem-amada e pediu:
— Lúcia, guarda essas duas chaves por toda a nossa vida!
Lúcia concordou:
— Assim farei! E se possível for... que elas fiquem por toda a eternidade contando à gente vindoura o que pode um verdadeiro amor!

 

 

 

Fonte Biblio MARQUES, Gentil Lendas de Portugal Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume V, pp. 229-234

 

 

25
Ago17

Discursos sobre a cidade - Por Gil Santos


GIL

 

Introito

 

Como diz o ditado “o prometido é devido”.

 

Assim, por falta de tempo e de melhor tema, aproveita-se para este “discurso” um segundo texto da obra de Fernando António Almeida, intitulada “Estórias de Portugal” editado pela Âncora em 2001.

 

A páginas 57 e seguintes, fala-nos dos sete filhos de Maria Mantela.

 

Uma estória comovente que apesar de conhecida vale sempre a pena reler, porque respeita a estórias da nossa terra.

 

CHAVES

 

OS SETE IRMÃOS

(Maria Mantela)

 

O rosto de Maria Mantela ficou de súbito fito. Parado. Toda ela se imobilizou. Petrificada. O rosto inexpressivo. Estático. Como se já não fosse deste mundo. Olhava, é certo, ainda os sete meninos que pasmavam de vê-la. Mas ela já os não via. Olhava um ponto vazio. De resto, todos os presentes se tinham calado, os olhos abertos de espanto. Nunca ninguém vira, em nenhuma das idades do mundo, sete meninos tão iguais...

 

(Eu não sei se o leitor vai acreditar. Eu próprio não sei se prefiro acreditar que este episódio não passa duma daquelas lendas tecidas ao longo dos séculos, em que se vão acumulando pormenores, a que se vão acrescentando detalhes, de que vão surgindo variantes. Então começam, aqui e ali, a proliferar versões diferentes. Os contextos cambiam. Há personagens que se esvaem, outras que ganham corpo. A certa altura o fio comum de que saíram duas versões da mesma estória torna-se irreconhecível. Por isso me vou limitar a repetir a estória de Maria Mantela, tal como ma contou uma imaginativa jovem, viajante ocasional, a quem, contrariando o que tenho por cauto costume, acedi dar lugar no meu carro, num dia de Agosto, de sol intenso, entre Chaves e Vila Real.)

 

«Eu conheci Maria Mantela, Mari Mantela como lhe chamavam. Era uma fidalga orgulhosa que habitava um velho paço enfarruscado nas cercanias de Chaves, à beira dum lugarejo sem nome. Uma daquelas mulheres que, ciente do seu poder junto de criados e dos lavradores pobres seus vizinhos, mostrava continuadamente, na fala e no olhar, no porte e no mais comedido dos gestos, ser a senhora absoluta do minúsculo território que ela tomava por reino.

 

Uma das características de Maria Mantela (já não recordo o seu verdadeiro nome de família, um nome pesado de que ela tanto se orgulhava) era o que hoje designaríamos por puritanismo farisaico. Extremamente exigente para com aqueles que, de algum modo, dependiam dela, não perdia a ocasião de se fazer ver como pedagoga e reformadora dessa tropa de labregos manhosos e maltrapilhos, os súbditos que lhe tinham caído em sorte e que ela profundamente desprezava.

 

Presunçosa, imaginava-se possuída duma sabedoria que ultrapassava os limites das verdades correntes. Impunha conceitos. Ditava normas de conduta que, fora daquele mísero e rústico contexto, não haveriam de provocar nos destinatários mais que o riso e a chacota. Pois bem. Foi numa destas ocasiões em que sobranceria e tolice se aliaram, como em tantas outras vezes, que se iria iniciar o percurso de desgraça de Maria Mantela.

 

A estória sucedeu mais ou menos assim. Estando um dia ambos, ela e o marido, tomando o fresco no balcão de sua casa, eis se aproxima uma mulher, ainda jovem e bonita, com dois filhos ao colo, enroupados num xaile já arruçado. A olhá-la, era para ambos uma desconhecida (ainda que mais tarde a tenham tomado por uma mensageira da ira divina). Lamurienta, mecanicamente lamurienta, num discurso quase encantatório, lamenta-se a pobre viandante da desgraça com que Deus quis prová-la – e ao seu homem e à miséria de sua casa –, fazendo-lhe nascer aqueles dois filhinhos de um só parto. Comove-se, enternece-se com a vista o marido, fulgura-lhe fugidio desejo, lampeja-lhe uma fugacíssima inveja, ele que esperava em vão, havia anos, um só descendente que fosse que lhe prolongasse através das idades o modesto apelido dos Gralhos a que pertencia. A esmola dum gesto de consolo, o arremesso de uma moeda velha, foi bastante para fazer elevar a voz aguda e o corpo esguio de Maria Mantela. «Mulher que concebe duas vezes e pare só uma é porque ajuntou no seu corpo a semente de dois homens!» (Na sequência desta frase, que ela pretendeu solene e pomposa, Maria Mantela parece ter também invectivado a jovem e pobre mãe já noutro registo, utilizando uma linguagem rasteira, palavras que me dispenso de transcrever quando aqui apenas se pretende narrar, para serviço do leitor, uma estória amena, exótica e de bom exemplo.)

 

Entretanto, movendo influências, bajulando primos e parentes (diria Maria Mantela com soberba e algum desprezo por ele, que não fora os seus próximos e seu marido jamais teria alcançado aquele modesto posto de escrivão em terras da India...), peitando gente no Terreiro do Paço, lançava-se Fernão Gralho burocraticamente na aventura oriental. Era tempo. Havia que robustecer o parco património dos Gralhos. É que, pouco após o encontro havido com a jovem mãe pedinte, começaram a tornar-se evidentes os sinais de que o antigo desejo de Fernão Gralho, a sua mais profunda aspiração, iria concretizar-se. Maria Mantela prometia ser mãe.

 

Finalmente provido no cargo, regressa Fernão Gralho de Lisboa para ultimar os preparativos da grande viagem. Por cálculos que mais tarde se fizeram, devia estar o escrivão designado a fazer a travessia do rio Douro quando se deu aquele espantoso nascimento de sete crianças, saídas dum mesmo ventre, o ventre de Maria Mantela. No entanto, a notícia de tal evento só a conheceria o felicíssimo progenitor nas dramáticas circunstâncias que em seguida se relatam.

 

Depois de ter atravessado a ponte romana, resistira Gralho, por qualquer impulso ignoto, à tentação de se dar a conhecer em Chaves na sua qualidade de funcionário do império, não obstante o orgulho que sentia na sua nova condição. Prosseguiu, pois, sem se deter, pelo velho caminho que seguia ao longo do Tâmega. Já avistara as casas palhoças do lugarelho vizinho de seu paço, já entretanto se escondera a negrejada torre detrás dos altos carvalhos, quando de súbito lhe surge pela frente a velha escrava Irene.

 

Não fora o velo de tristeza que o rosto da negra Irene não conseguira ocultar e Fernão Gralho ter-se-ia limitado a receber com alegria a feliz notícia que lhe dava a escrava: Maria Mantela tinha parido uma criança macho antes que terminara de soar a meia-noite da véspera. Reparando então nas duas grandes cestas que a negra carregava, perguntou-lhe seu amo que levava nelas. Respondeu-lhe Irene que uns cachorrinhos que ia deitar a afogar ao Tâmega por mandado de sua senhora.

 

Desconfiou o amo de tal recado, que os olhos de Irene a denunciavam. Ao abrir as cestas deparou-se Fernão Gralho com seis recém-nascidos. Sucumbindo ao peso da sua falsa filosofia, Maria Mantela guardara apenas o primeiro dos meninos que vira a luz. Aos outros dera-lhes o destino dos cachorrinhos rejeitados, deitando-os a afogar. Com rogos e ameaças impôs Fernão Gralho o silêncio à escrava a quem mandou regressar à sua Casa da Torre. Buscou então o pai seis amas naqueles perdidos lugarejos já da parte da Galiza a quem, sob segredo, entregou cada um dos meninos.

 

Dispostas as coisas, tomou caminho do paço. Uma vez em casa, Fernão Gralho deu grandes mostras de alegria diante do nascimento do filho, não deixando que Maria Mantela tivesse a mínima suspeita do que entretanto acontecera. As grandes festas que durante sete dias se fizeram naquela casa serviram igualmente ao festejado pai para despedir-se de familiares, amigos e vizinhos. Era entrado Abril e avizinhava-se a hora do embarque.

 

(Do que passou Fernão Gralho na travessia do golfão, dos perigos constantes com que se cruzou, nada conto ao leitor. Tão-pouco faço fé nas heroicas tropelias cometidas pelo nosso Gralho naqueles Orientes tal que mas narrou a minha ocasional companheira de viagem. Reputo-as de invenção pura, pelo que passo adiante.)

 

Passados seis longos anos, armado com alguns meios de fortuna, regressou Fernão Gralho à terra-mãe. Dilatou-se por um tempo na corte, fazendo valer em vão uns papéis amachucados que o davam por merecedor do reconhecimento pátrio. Enfastiou-se de vénias: ia-lhe minguando o cabedal. A hora, aliás, aproximava-se. Regressou ao seu Trás-os-Montes, mas precatou-se, apesar da pretidão que se lhe havia pegado ao rosto durante a sua estada nas partes orientais. Incógnito, tomou boleto em Verín.

 

De conivência com a preta Irene, sem qualquer aviso, apresentou-se no seu paço lugarenho. Maria Mantela festejava o sétimo aniversário de seu filho Simão. A luz frouxa das candeias alumiava sombria, o negrume dessa noite de 24 de Agosto. A escrava Irene, já tinha ido acordar o menino, prepará-lo para o introduzir no salão onde se reuniam as duas escassas dezenas de convidados seleccionados entre os que mais se prezavam de fumos de fidalguia. Dava a primeira badalada da meia-noite. Um a um, solenemente, todos vestidos por igual, envergando cabaias de seda vermelhas, começaram a dar entrada no salão do paço os sete filhos de Maria Mantela e de Fernão Gralho.»

 

 

17
Mai08

Souto Velho - Chaves - Portugal


 

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Olhando bem para esta primeira foto, poder-se-á tomar como um bom exemplo das nossas aldeias e da sua evolução ao longo dos tempos, um pouco da sua história e da importância que a terra teve ao longo dela.

 

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Na realidade a terra cultivável, enquanto teve a sua importância, encostou e fixou as casas e pessoas na encosta da montanhas, deixando os melhores terrenos livres para cultivo. Com a modernidade as pessoas deixaram de se fixar à terra e de a cultivar, pelo menos tão intensamente como o faziam de há 40 ou 50 anos para trás e, o respeito quase sagrado que havia pelas boas terras de cultivo, deixou de existir, as novas casas começaram a entrar pela “terra sagrada” dentro.

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Claro que este fenómeno da modernidade repete-se em todas as aldeias mas também na cidade onde é notória a invasão do betão em terras da veiga. Claro que associado a esta modernidade, quase sempre desastrosa, estão a falta de politicas acertadas para a vida das aldeias de interior, mas mesmo pior que as políticas acertadas, foi a ausência de qualquer política que tivesse em vista a vida das aldeias do interior e a sua fixação. Com a modernidade as aldeias foram como que esquecidas, entregues a si próprias e pouco ou nada contam para o contexto geral deste Portugal cada vez mais centralista em que as terras não valem pelos seus valores próprios e únicos, mas pelo número de votos que podem render.

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Desculpas a Souto Velho (a nossa aldeia de hoje) por esta introdução generalista, mas também ela é uma das que se enquadra à perfeição em tudo que disse e,  embora seja uma aldeia com terras ricas, a um passo de Vidago e a dois de Chaves, é mais uma das que já conheceu melhores dias, e hoje está envelhecida e só não caminha a passos largos para a desertificação graças aos bons acessos, à tal proximidade de Vidago e Chaves e à riqueza das duas terras e vinho.

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Mas vamos então até Souto Velho, que pertence à freguesia de Anelhe, fica a 3 quilómetros de Vidago, junto ao Rio Tâmega (margem direita), a 18 quilómetros de Chaves e a apenas 2 quilómetros do nó da auto-estrada (Vidago).

 

Em termos de população e segundo os Censos de 2001, Souto Velho tinha 72 habitantes residentes dos quais só 5 tinham menos de 10 anos. Actualmente só 1 criança é transportada para a escola EB, 2,3 de Vidago.

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E sobre Souto Velho, já o temos dito muitas vezes, é terra de vinhos excelentes, mas graças a riqueza das suas terras e à proximidade do Tâmega é também terra fértil das mais variadas culturas e típicas da região e até uma das que não é propriamente típica por esta terras, a cortiça, graças à abundância de sobreiros que há nas redondezas da aldeia.

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Durante a Segunda Guerra Mundial a riqueza agrícola da terra foi trocada por outra riqueza, também da terra, mas de minério, pois foi relevante a actividade mineira durante o decurso da guerra, e economicamente também.

 

Conta a lenda e a tradição que o grande senhor destas terras, de uma e outra margem do rio, foi D. Fernão Gralho, o mítico marido da não menos lendária Maria Mantela. A casa que a lenda lhes atribui é um belo casarão em granito situado na entrada do núcleo antigo da aldeia, de uma arquitectura bem interessante que se destaca ao longe, na sua altaneira posição, adornada com um elegante e também altaneiro canastro (ou espigueiro se preferirem).

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A capelinha é da devoção a Santo António. Em tempos já houve festa na aldeia, agora já há uns anos, que por falta de gente para festejar, não se realiza.  

 

Para terminar e uma vez que fiz referência à lenda de Maria Mantela, não será demais deixá-la (para quem ainda não conhece) mais uma vez por aqui.

 

 

Lenda de Maria Mantela

 

Morava Maria Mantela com seu marido Fernão Gralho, numa casa da Rua da Misericórdia, nas proximidades da Igreja Matriz em Chaves. Era um casal abastado, que vivia dos rendimentos, podendo assim Fernão Gralho entregar-se à caça de quando em vez, seu prazer favorito. Um dia, achando-se Maria Mantela grávida, passeava com o marido nos arredores da vila, quando foi abordada por uma mulher pobre com dois filhos gémeos abraçados ao peito, implorando lacrimosa uma esmola para minorar a sua miséria e a das suas criancinhas. Dela se compadeceu o marido que generosamente a socorreu. A sua mulher, pelo contrário, tratou-a duramente, colocando em dúvida a sua honestidade, por não compreender que, mulher de um só homem, pudesse de uma só vez gerar mais que um filho. A mendiga, sentindo-se injuriada, respondeu-lhe fazendo votos de que Maria Mantela não fosse castigada pelo que acabava de dizer, já que também estava grávida. Esta mensagem ficou sempre no espírito de Maria Mantela e uma certa sensação de remorso angustiava-a diariamente.

 

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Quando Maria Mantela deu à luz, encontrava-se o marido ausente, numa das suas caçadas. E do parto, para surpresa dela, nasceram sete gémeos, todos gerados ao mesmo tempo, apesar de ela ser fiel ao marido. Ficou tão aflita lembrando-se do que tinha pensado e dito à mãe dos gémeos que não teve coragem de apresentar ao marido os sete filhos, pelo que ele poderia pensar dela. No seu estado de aflição e loucura, encarregou a ama da casa que lançasse ao rio Tâmega seis dos recém nascidos, deixando ficar somente o que lhe parecesse mais robusto e bem constituído. A ama saiu, ao cair da tarde, para cumprir a missão, levando num cesto coberto os seis gémeos e preparava-se, a meio das Poldras, para lançar na forte corrente do rio os pequenos inocentes, quando avistou o Fernão Gralho que a observava da margem do rio. Veio ao seu encontro e inquiriu-a sobre o que fazia com aquele cesto, naquele local. A mulher procurou uma desculpa dizendo que a cadela tivera sete cachorrinhos e que ela vinha afogar seis, ficando em casa o de melhor raça. Porém o Gralho, pediu para os ver e então deparou com os seis meninos. Fernão Gralho, como homem compassivo que era, compreendeu a loucura da esposa que estivera a ponto de cometer um crime que a acompanharia toda a vida e perdoou-a desde logo. Tomou conta do cesto e ordenou à criada que fosse para casa participar o cumprimento das ordens que a senhora lhe dera, guardando segredo sobre a entrega dos recém nascidos. E, de seguida deslocou-se a seis aldeias do concelho de Chaves a confiar a outras tantas amas a sua criação.

 

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Passaram dez anos sem que Fernão Gralho desse a entender à esposa o segredo que guardava. Para ela era uma tortura o crime que havia cometido com os seus filhos.

 

O dia de ano novo, desse ano que começava, decidiu o Gralho festejá-lo com um lauto banquete, do que informou a mulher pedindo lhe que tratasse de tudo pois tinha seis amigos como convidados. À hora da refeição, quando Maria Mantela se dirigiu à mesa do banquete ficou muda de espanto; é que sentados, não estava só o filho, estavam sete rapazinhos todos iguais em feições e vestuário, de tal forma que ela não sabia dizer qual era o que ela tinha criado. O marido então esclareceu todos os acontecimentos acalmando enfim o sofrimento daquela alma tão longamente angustiada.

 

Os sete gémeos, diz ainda a lenda. Tornaram-se sete padres, paroquiando sete igrejas que fundaram com a invocação de Santa Maria. São elas a Igreja de Santa Maria de Moreiras, Santa Leocádia, Santa Maria de Calvão, o mosteiro de Oso já desaparecido e metade da Igreja Matriz de Chaves, Santa Maria de Émeres no concelho de Valpaços e São Miguel de Vilar de Perdizes do concelho de Montalegre. Na Igreja de Santa Maria Maior de Chaves. junto ao altar mor, em tempos passados existia um epitáfio, testemunho real da fundamentação da lenda e que dizia: "Aqui jaz Maria Mantela, com seus filhos à roda dela".

03
Mai08

Arcossó - Chaves - Portugal


 

Então vamos lá até mais uma aldeia que por sinal também é freguesia – Arcossó.

 

Arcossó tem 7,5 Km2 de área, dista 3 quilómetros de Vidago e 18 de Chaves. Actualmente tem 365 habitantes (Censos 2001) e cerca de 12 crianças em idade escolar. Comparativamente com os Censos de 1981, Arcossó perdeu cerca de metade da sua população, pois nesse ano atingia os 632 habitantes.

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A freguesia faz fronteira com as freguesias de Anelhe, Vilarinho das Paranheiras, Vidago e Oura, isto no concelho de Chaves, pois faz ainda fronteira com a freguesia de Capeludos do concelho de Vila Pouca de Aguiar e com a freguesia de pinho do concelho de Boticas.

 

 

Pela perda de população, facilmente se percebe que Arcossó é uma freguesia essencialmente agrícola, sendo até bastante rica neste aspecto, principalmente no que diz respeito à excelente região vinhateira onde se insere, que se prolonga por toda a Ribeira de Oura e pelas margens do Tâmega até Vilarinho das Paranheiras e Anelhe. Além da vinha, é também rica em oliveiras e nas mais variadas árvores de fruto, além de uma pequena veiga junto à Ribeira de Oura, com as mais variadas culturas típicas das terras férteis.

 

 

Mas é na vinha e no vinho que Arcossó tem a sua maior riqueza agrícola. Vinhos bem conhecidos pelos apreciadores e que já se começam a impor como os melhores vinhos nacionais, como é o caso do vinho da Quinta de Arcossó 2005, considerado entre os melhores 240 vinhos para o ano de 2008. Claro que os vinhos de Arcossó não chegam aos patamares nacionais sozinhos. Para serem apreciados, além de serem bons vinhos e de região vinhateira também conhecida, é necessário fazer o trabalhinho de casa direitinho. Ou seja, ser apenas bom vinho não chega para entrar no competitivo mercado dos vinhos portugueses, é necessário também um pouco de tecnologia e markting que, aliados a um pouco de trabalho e juventude do proprietário, pode competir com os melhores. Estou a referir-me a Almicar Salgado, o jovem vinicultor que tão bem tem promovido o seu vinho (Quinta de Arcossó) e também a região. Como apreciador de bons vinhos, sou testemunha que o Quinta de Arcossó é dos melhores, pena que só dois ou três restaurantes da cidade o tenham na sua carta de vinhos e, mais pena tenho, que não haja outros vinicultores de arcossó e da região que sigam o exemplo de Amílcar Salgado.

 

Mas Arcossó não é só bom vinho.

 

 

Quanto à aldeia em si, tem características muito próprias e bem diferentes das restantes aldeias rurais do concelho. Nota-se ter sido uma aldeia abastada, com algumas quintas mais ou menos senhoriais e com o restante casario fora do tradicional das construções pequenas de granito e pedra solta. Nas construções nota-se uma grande intervenção com novos materiais utilizados no segundo quartel do século passado e também muitas intervenções recentes. O típico da aldeia rural do concelho, salvo em meia dúzia de excepções, não existe por Arcossó. Já noutro aspecto não é excepção, ou seja no abandono da aldeia ou dos trabalhos da aldeia pela gente mais jovem e também a degradação de algum casario, até do mais nobre e casario senhorial de algumas quintas.

 

 

É o mesmo de sempre, principalmente quando a agricultura deixou de estar nos planos da gente mais jovem e que parte à procura de uma vida melhor, ou pelo menos, digna, que hoje, só com agricultura já não é possível de se alcançar. São os reflexos das tais políticas distraídas ou até homicidas para o interior que se são praticadas por Lisboa.

 

Mas vamos a alguns pontos de interesse que Arcossó possui, como o da sua igreja Matriz construída em granito lavrado, apresenta uma torre sineira, muito interessante, separada do corpo da igreja, o que confere ao conjunto arquitectural uma estética e beleza muito próprias, complementada pelo adro e pela escadaria de acesso.  Apontam-se os Séculos 16 / 17 como provável construção da igreja; o séc. 17 para a feitura do retábulo-mor; o séc. 18, finais,para a remodelação do retábulo-mor; o séc. 19 para execução dos retábulos laterais confrontantes; 1818 - data da fachada principal assinalando reformas; 1825 - data das pinturas do tecto da nave; séc. 20 - feitura do retábulo lateral do lado do Evangelho, pintura do tecto da capela-mor; remodelação da sacristia; o cura era apresentado pelo reitor de Moreiras.

 

 

E para os interessados aqui fica em resumo os materiais aplicados na igreja e alguns pormenores: Estrutura em cantaria granítica, aparente no exterior e rebocada e pintada de branco no interior e sacristia; pavimento de madeira na nave, em lajes graníticas na capela-mor e em mosaico cerâmico na sacristia; vãos, pia baptismal, pias de água-benta, base do púlpito, lavabo e outros elementos em granito; coro-alto, guarda do púlpito e retábulos em madeira pintada e dourada; portas de madeira e janelas de vidro; cobertura interior em madeira pintada e exterior em telha; pavimento do adro em paralelepípedos graníticos; vedação do adro em ferro. Inscrição do tecto do sub-coro: "HAC EST / DOMVS DOMINI / EIR.MATER . EDEFICAT A. / BENE . BENE . EVNDATA . EST . / SVPER FIRMAM PETRAM . / ANNO 1825".

 

 

 

Retábulo dedicado ao Ecce Homo de um só eixo definido por pilastras com o fuste estriado, encimada por friso e dupla cornija, dando origem a pequenos plintos sobrepujados por urnas. Remate em espaldar central semicircular, gomeado e com a inscrição "J. N. R. J." O painel fundeiro encontra-se pintado com a representação de uma estrutura amuralhado, que realça a imagem de madeira do orago. Retábulos laterais são semelhantes, com nicho central de perfil recortado, circunscrito por colunas torsas marmoreadas, assentes sobre altos plintos decoraods com motivos fitomórficos dourados. Remate em friso e cornija, espaldar recortado e, lateralmente, duas urnas ornadas com festões. Altar em forma de urna com frontal decorado com cartela central e acantos enrolados. No espaldar surgem as iniciais identificativas do orago: no Evangelho, "JHS" e, no oposto, "AM".

 

O orago é S.Tome, mas como em muitas aldeias do concelho as festividades da aldeia são em honra de Stª Barbara, não fosse ela a padroeira das trovoadas. A festa realiza-se a 15 de Agosto.

 

 

 

Na aldeia existe ainda uma outra capela e que adopta o nome do Stº António. Nesta capela, localizada no cimo da aldeia, apenas se realiza uma missa por ano, precisamente no dia de Stº António.

 

Um outro ponto interessante da aldeia é a fonte Moura, localizada perto da Igreja. Na aldeia é também conhecida por fonte velha, talvez por agora estar fora de uso e até vedada. A esta fonte está associada uma lenda, a do Calhau da Moura.

 

“Lenda do Calhau da Moura”

 

Andava uma pastora à beira do Tâmega a guardar o seu rebanho, quando avistou sobre um penedo, na outra margem do rio, uma linda menina com vestes que brilhavam ao sol. Ficou atemorizada quando viu que essa figura atravessava o rio, sobre as águas, sem sequer molhar os sapatos, igualmente brilhantes e se dirigia na sua direcção. A jovem estendeu uma vasilha pedindo um pouco de leite das ovelhas. A pastora deu-lhe o leite e, a jovem contou que era uma moura que estava encantada e infeliz, vivendo há longos anos num palácio debaixo do rochedo, guardada por gigantes. Deu à pastora um cofre e pediu-lhe que divulgasse na aldeia a sua triste sina para que alguém fosse combater os gigantes, os vencesse e assim ficaria liberta do encanto. Quanto ao cofre recomendou-lhe que só o abrisse na aldeia e então veria a sua casa transformada num palácio. A pastora retomou o caminho de Arcossó e não resistiu à tentação, abriu o cofre. Dentro só encontrou uns negros carvões que caíram ao chão. Surgiu por encanto a bela moura, muito triste, apanhou os carvões que, quando colocados no cofre, se transformavam em luzidias moedas de ouro. Uma fortuna que a cobiça fez perder e manter o encanto da moura, que continuou a viver no seu palácio, debaixo do penedo, em Arcossó.

 

 

 

Ainda fui até ao Rio Tâmega, de um e outro lado, mas nada de me aparecer a moura encantada, nem sequer o Cristiano Ronaldo com a sua bola também encantada, mas deu pelo menos para ver o encanto das vistas desde o (já) terras do barroso do concelho vizinho de Boticas, pois é precisamente no rio que termina o concelho de Chaves e começa o de Boticas.

 

De entre a sua gente ilustre, há a destacar a do Barão de Arcossó, cuja história encontramos resumida no I volume do Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses que passo a trancrever:

 

“Arcossó é uma localidade do concelho de Chaves, perto de Vidago. Foi seu único Barão Pedro António Machado Pinto de Sousa Canavarro que nasceu em 30.12.1772 e faleceu em 13.5.1836. Foi fidalgo da Casa Real, por sucessão e 3.° Senhor do morgado de S. José de Arcossó. Assentou praça, como cadete, em 20.8.1783. Em 25.7.1833 era brigadeiro e em 7 desse mês e ano foi lhe confiado o governo das Armas do Douro. O último cargo que exerceu foi o de Presidente da Comissão criada para liquidar as dívidas aos militares e empregados civis do Exército. Casou em 23.2.1802 com Luísa Maria Slessor, primeira filha do marechal de campo escocês, comandante do Reg. de Cavalaria de Chaves. Foi agraciado com o título por D. Maria II, por Decreto de 1.10.1835. Inicialmente teve o título de Barão de Vila Pouca de Aguiar. Depois, a seu pedido, foi mudado para Barão de Arcossó.”

.

 

 

Também nesta freguesia tem raízes o notável flaviense José Timóteo Montalvão Machado".

 

Outra figura de relevo que desempenhou as funções de Arcipreste e se notabilizou pelos seus interesses culturais foi o Padre Adolfo Magalhães", aliás os seus versos adornam uma das paredes exteriores da já citada capela de Stº António, situada no denominado Largo do Santo.

 

Tal como já foi também citado, no interior das férteis quintas ainda se aistam antigos edifícios em granito e casas senhorias, alguns dos quais em franca degradação pelo abandono e desertificação destes lugares isolados. No entanto alguns deles, pela sua bela traça e enquadramento paisagístico, estão a ser recuperados para fins hoteleiros em unidades de Turismo de Habitação Rural. Disseram-me posteriormente que a Quinta do Pulo do Lobo é um desses belos exemplos de recuperação, que infelizmente na minha visita não pude apreciar, mas fica para uma próxima oportunidade.

 

 

E por Arcossó, embora já não fosse a primeira vez que este blog por lá passou, fica cumprida a minha promessa de um post alargado para todas as aldeias.

 

Amanhã cá estarei de novo com outra aldeia do nosso concelho.

 

 

15
Mar07

Chaves e a Lenda de Maria Mantela


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Sem dúvida que a história é importante para melhor sabermos quem somos, mas a nossa vida e o nosso ser também é contado em estórias e até em lendas. No dia 24 de Junho deste ano, e por estar relacionada com a data, trouxe-vos aqui a Lenda da Moura da Ponte de Chaves. Hoje e porque também está relacionada com a imagem publicada das Poldras, deixo-vos com a Lenda de Maria Mantela.

 

Lenda de Maria Mantela

 

Morava Maria Mantela com seu marido Fernão Gralho, numa casa da Rua da Misericórdia, nas proximidades da Igreja Matriz. Era um casal abastado, que vivia dos rendimentos, podendo assim Fernão Gralho entregar-se à caça de quando em vez, seu prazer favorito. Um dia, achando-se Maria Mantela grávida, passeava com o marido nos arredores da vila, quando foi abordada por uma mulher pobre com dois filhos gémeos abraçados ao peito, implorando lacrimosa uma esmola para minorar a sua miséria e a das suas criancinhas. Dela se compadeceu o marido que generosamente a socorreu. A sua mulher, pelo contrário, tratou-a duramente, colocando em dúvida a sua honestidade, por não compreender que, mulher de um só homem, pudesse de uma só vez gerar mais que um filho. A mendiga, sentindo-se injuriada, respondeu-lhe fazendo votos de que Maria Mantela não fosse castigada pelo que acabava de dizer, já que também estava grávida. Esta mensagem ficou sempre no espírito de Maria Mantela e uma certa sensação de remorso angustiava-a diariamente.

 

Quando Maria Mantela deu à luz, encontrava-se o marido ausente, numa das suas caçadas. E do parto, para surpresa dela, nasceram sete gémeos, todos gerados ao mesmo tempo, apesar de ela ser fiel ao marido. Ficou tão aflita lembrando-se do que tinha pensado e dito à mãe dos gémeos que não teve coragem de apresentar ao marido os sete filhos, pelo que ele poderia pensar dela. No seu estado de aflição e loucura, encarregou a ama da casa que lançasse ao rio Tâmega seis dos recém nascidos, deixando ficar somente o que lhe parecesse mais robusto e bem constituído. A ama saiu, ao cair da tarde, para cumprir a missão, levando num cesto coberto os seis gémeos e preparava-se, a meio das Poldras, para lançar na forte corrente do rio os pequenos inocentes, quando avistou o Fernão Gralho que a observava da margem do rio. Veio ao seu encontro e inquiriu-a sobre o que fazia com aquele cesto, naquele local. A mulher procurou uma desculpa dizendo que a cadela tivera sete cachorrinhos e que ela vinha afogar seis, ficando em casa o de melhor raça. Porém o Gralho, pediu para os ver e então deparou com os seis meninos. Fernão Gralho, como homem compassivo que era, compreendeu a loucura da esposa que estivera a ponto de cometer um crime que a acompanharia toda a vida e perdoou-a desde logo. Tomou conta do cesto e ordenou à criada que fosse para casa participar o cumprimento das ordens que a senhora lhe dera, guardando segredo sobre a entrega dos recém nascidos. E, de seguida deslocou-se a seis aldeias do concelho de Chaves a confiar a outras tantas amas a sua criação.

 

Passaram dez anos sem que Fernão Gralho desse a entender à esposa o segredo que guardava. Para ela era uma tortura o crime que havia cometido com os seus filhos.

 

O dia de ano novo, desse ano que começava, decidiu o Gralho festejá-lo com um lauto banquete, do que informou a mulher pedindo lhe que tratasse de tudo pois tinha seis amigos como convidados. À hora da refeição, quando Maria Mantela se dirigiu à mesa do banquete ficou muda de espanto; é que sentados, não estava só o filho, estavam sete rapazinhos todos iguais em feições e vestuário, de tal forma que ela não sabia dizer qual era o que ela tinha criado. O marido então esclareceu todos os acontecimentos acalmando enfim o sofrimento daquela alma tão longamente angustiada.

 

Os sete gémeos, diz ainda a lenda. Tornaram-se sete padres, paroquiando sete igrejas que fundaram com a invocação de Santa Maria. São elas a Igreja de Santa Maria de Moreiras, Santa Leocádia, Santa Maria de Calvão, o mosteiro de Oso já desaparecido e metade da Igreja Matriz de Chaves, Santa Maria de Émeres no concelho de Valpaços e São Miguel de Vilar de Perdizes do concelho de Montalegre. Na Igreja de Santa Maria Maior de Chaves. junto ao altar mor, em tempos passados existia um epitáfio, testemunho real da fundamentação da lenda e que dizia: "Aqui jaz Maria Mantela, com seus filhos à roda dela".

 

Esta lenda, teve o privilégio de ser descrita, já em 1634 por D. Rodrigo da Cunha, Arcebispo de Braga e primaz das Espanhas que depois foi nomeado Arcebispo de Lisboa.

 

E para terminar uma pequena nota: Existem algumas variações sobre a lenda da Maria Mantela (o que é natural pois é uma lenda), eu,  das que conheço, optei por esta,  por me parecer a mais completa, no entanto na sua “moral” todas andam à volta do mesmo e apenas há variações em pequenos pormenores.

 

Só a título de curiosidade:  no Jardim do Bacalhau existe uma estátua de uma mulher com um filho ao colo,  de autoria do Mestre Teixeira Lopes, que pretendia ser uma homenagem às “Mães” em geral. Mas desde o inicio que a voz do povo diz ser a estátua de Maria Mantela. Então e para manter a tradição do jardim que tem o nome que não tem,  porque não a estátua ficar com o nome de quem não é!? O povo é que sabe!

 

 

Lendas e maravilhas de Chaves, entre as quais também estão as poldras. E as suas maravilhas de Chaves quais são? Se ainda não as escolheu, aproveite e faça-o agora aqui .

 

Quanto às Urgências do Hospital mantém-se o incomodativo silêncio. A vela continua acesa.

 

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