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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

31
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


Ainda antes de terminar o ano quero aqui deixar publicados os últimos três textos e respetivas fotografias do livro "Chaves - Olhares Sobre a Cidade", publicação comemorativa dos dois milhões de visitas ao blog Chaves.

 

Se o tempo e as circunstâncias nos o permitirem, será uma iniciativa a repetir, talvez com uma edição comemorativa dos três milhões de visitas (se lá chegarmos), ou outras edições, das muitas que já são possíveis reunir no conteúdo do blog Chaves. Prometido fica que vamos continuar.

 

Bom 2014!

 

 

Senhoras da aldeia

 

Grito mudo…

Dizer o quê?

cansados,

Sachar cada ano a amargura,

envelhecer  no lenço e avental preto

homens sem alternativa na taberna embriagados…

valham-nos vizinhos na amizade quando perdura

aprender que entre homem e mulher jamais me meto…

 

Grito mudo

Dizer o quê?

Ignorados

Evocar Deus no minuto de medo,

Ajoelhar às aparições dos senhores

Sonhos perdidos na infância nos bosques e prados

Contar o dinheiro a modos de manter o sossego

Ir morrendo na ténue ilusão de dias melhores

 

Grito mudo…

Dizer o quê?

cansados ,ignorados

e a nossa senhora nunca mais apareceu,

no seu manto vermelho de veludo,

não sabemos porquê, será que só ganham o céu

os pobres abandonados?...

 

Isabel Seixas

 

 

Paisagem, património, liberdade!

 

As políticas neo-liberais são adoptadas de forma crescente por muitos governos. Estas correntes, muito orientadas para a livre exploração comercial de todas as “coisas” que sejam passíveis de gerar lucros, estão na base de importantes alterações da realidade contemporânea.

 

A avaliação das paisagens e subsequente ordenamento (pelo valor comparativo ou outro), ou apenas a respectiva inventariação, podem aproveitar para transformar as paisagens, de bem público, colectivo, em bem privado, comercializável.

 

Que direito assiste a alguns na apropriação privada de bens que sempre foram “comunais”?

 

Pretendemos consciencializar para a necessidade de a paisagem (de maior valor) continuar a ser um bem público, livre de concessões e sobre o qual nenhum privado pode colocar um obstáculo ao seu usufruto sensorial por parte de todos. Tal implica que as paisagens urbanas devam ser objecto da atenção de organismos públicos (desde a avaliação, aos planos de protecção ou valorização, gestão e usufruto), ainda que a sua manutenção seja efectuada a expensas dos contribuintes. Esta visão fere as concepções neo-liberais que são neste momento dominantes, mas pensamos que já surgem, também neste momento, visíveis reacções a este modelo totalizante e, tal como em relação a outros modelos político-económicos, a história demonstra-nos que, “a imposição de um único ponto de vista nunca é justificada.”

 

A expressão da resistência à opressão comercial que invade as nossas vidas encontra-se vincadamente expressa por Naomi quando afirma que aquilo que lhe traz amargura “não é exactamente a ausência de espaço real, mas uma profunda ânsia por espaço metafórico: libertação, fuga, algum tipo de liberdade sem condições”, o que é no nosso tempo muito difícil de encontrar. A sensação claustrofóbica provocada pela invasão comercial de todos os espaços (recorde-se a venda de postais e recordações, junto a locais pitorescos), está enunciada na afirmação de que a “maioria de nós aproveita os espaços abertos onde consegue encontrá-los, às escondidas como se fossem cigarros, fora das clausuras”.

 

Como terá sido afortunado Dom Afonso, por provavelmente ter visto as “termas romanas” de Chaves ao ar livre e sem pagar entrada!

 

Francisco Chaves de Melo

 

 

 

 

Aos que ficam

 

Tenham dó! Tenham Misericórdia dos que ficam! Não os zombais, não os julgais! Um dia também chegará a vossa hora de quietude. Quem os viu e quem os vê, diz o povo. Pois assim está bem, pois mal de quem os não vê nem nunca viu!

 

De camisa sempre lavada, cabeça tapada e olhar "fino", são visões de um mundo que foi e já não volta.Tenham dó! Tenham Misericórdia dos que ficam! Um dia também chegará a vossa hora de esquecimento.

 

É de noite, é de noite, diz o povo. Mas enquanto houver esperança, haverá sorrisos. E enquanto houver sorrisos, haverá vida. Tenham dó! Tenham Misericórdia dos que ficam!

 

Sandra Pereira

 

 

30
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

 

A PONTE ROMANA E O ARRABALDE

 

A velha Ponte Romana edificada há séculos pelos romanos, apesar de algumas alterações, é, indiscutivelmente, o grande monumento da cidade.

 

Para muitos é, por consequência, o ex-libris do burgo.

 

Foram necessárias muitas décadas para a dolorosa construção, pedra a pedra, da ponte, indispensável para a premência de unir as margens do belo Tâmega.

 

Por ela passaram, quiçá, legiões romanas, por elas chegaram homens e mulheres que da veiga e da montanha transportaram viveres, produtos agrícolas para a população da cidade, que fixou naturalmente o epicentro na antiquíssima praça ou largo ainda hoje conhecido por Arrabalde.

 

Aliás, até princípios do século passado, o mercado ou a praça, como então se dizia, localizava-se em pleno Arrabalde, na zona onde hoje se situa o Palácio da Justiça e o espaço defronte.

 

Altaneira, com os dois pilares onde está escrita história, a ponte desemboca no centro onde se instalaram boa parte dos serviços e do comércio.

 

Daqui também se soltam, entre outras, as artérias que nos levam às Caldas de mais virtude, ao Largo do Anjo, às Freiras (que já foram um belo jardim) e ao Jardim do Bacalhau onde falta a pérgola que deixou saudade, pela sua beleza e pela sombra fresca que proporcionava em tardes estivais.

 

Os edifícios que ainda hoje circundeiam o Arrabalde merecem a atenção que os turistas não prescindem de perpetuar em fotos.

 

A arquitetura dos prédios com as suas belas frontarias e inspiradas varandas obrigam a momentos de deleite a quem nos visita.

 

Aguarda-se o balneário romano, achado arqueológico encontrado diante do Tribunal.

 

Bom seria que o museu de que se fala viesse engrandecer o património da cidade e embelezar o Largo.

 

A Ponte Romana e o Arrabalde são nacos de história que dignificam e alindam a nossa nobre cidade, terra de encanto.

 

António Roque

 

 

A geometria da destruição

 

Permanece vazia a casa abandonada. De uma janela avista-se o rio. Cá dentro existe um cheiro intenso a humidade e a afastamento. Lá fora flutuam aromas intensos, cores fortes e olhares desamparados. A aldeia vive agora subjugada na sua geometria de destruição. As sombras e as silvas tomaram conta das paredes. Os insectos rumorejam misteriosos delírios. Toda a ilusão cai esfarelando-se no chão esburacado da sala. O medo é agora insinuante. Nem a imagem dos mortos se fixa nas fotografias amarelecidas. Aquela era a minha porta da infância. Hoje é um abismo de desilusão. Os ângulos da casa reflectem a meticulosa memória das cinzas. A casa atravessa agora o corpo esfíngico dos espectros. A saída secreta é actualmente um espelho de trevas. O silêncio espreita por cima do meu ombro a solidão da folha em branco. Não há escrita. Escrever dentro deste mausoléu é uma impossibilidade manifesta. O avô desfez-se numa alegoria. A avó é uma espiral dorida. O pai é uma tristeza branca. A mãe um reparo inclinado. As arestas das paredes progridem para dentro das palavras. A desolação perfura as memórias que se afundam no tempo do esquecimento. Tento acender o lume, mas os dedos encolhem-se como hélices. A solidão é tão grande que mete medo. A solidão das escadas, a solidão das portas fechadas, a solidão dos caminhos, a solidão da adolescência, a solidão das fechaduras inúteis, a solidão dos besouros abandonados, a solidão dos bancos, a solidão da herança e das árvores e dos sentidos, a solidão das fotografias e dos textos felizes, a solidão dos corpos e dos queixumes nocturnos. A casa abandonada permanece vazia. Mingou muito. A candeia está no mesmo sítio mas apenas serve para as aranhas comporem as suas teias. A varanda estilhaçou-se em mil resíduos de evocações. E o poço inverteu-se. A minha mente procura um rosto. Mas já não tenho certeza de quem. Foram-se as imagens e apenas ficaram os nomes definhados. Recrio a memória catastrófica da morte. Pouco mais há a dizer. A aldeia é uma perturbação da paisagem. A casa cada vez mais se inclina para o abandono. As horas deste lugar são um nada absoluto. Amanhece? Anoitece? Tanto faz.

João Madureira

 

 

27
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

Os Resistentes

“Os meus heróis não são heróis à força, são seres modestos, pessoas realmente humildes, com tanta humildade que alcançam a heroicidade e universalidade. (…). O meu herói é um homem vulgar, que dá tudo o que tem dentro de si”

 

Miguel Torga, In entrevista ao JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, de 26.Jan.1988

 

O meu herói também cabe dentro do herói de Torga, mas hoje, em vez de herói, mesmo sem perder um pingo da sua heroicidade, quero chamar-lhe antes - resistente. O meu herói é um resistente. Vive no campo, na aldeia, é rural. É um resistente da montanha, vive com um pequeno punhado de outros resistentes iguais a si. Resiste às portas fechadas das casas abandonadas, resiste ao silêncio das ruas sem crianças. O meu herói é aquele que, por entre o seu mar de montanhas, resiste às noites frias de inverno, resiste ao inferno do verão e sempre resistiu ao convite da partida enquanto se despedia dos filhos que sabia não regressarem mais. O meu herói resiste à solidão, resiste ao desprezo dos senhores das cidades, resiste à dor e à doença e,  enquanto tiver forças,  resiste ao chamamento da terra. Prefere servir-se dela para lhe receber as sementes que mais tarde irão fazer o pão com que resiste à fome e no fundo, bem lá no fundo, o meu herói resistente apenas vive a vida que lhe deram para viver, a única que sabe viver,  e vive feliz, com ela, e com um pouco de nada.

Fernando DC Ribeiro

 

 

Um país que acaba…

 

Aqui… ruas estreitas e vazias, pedras gastas pelos passos dos Homens

Algures… avenidas largas, luzes e gentes sempre apressadas

 

Aqui… casas fechadas de gentes que sonharam outras vidas

Algures… prédios sem história cheios de gente anónima

 

Aqui… o silêncio, o cantar do galo, o toque do sino da igreja

Algures… o bulício, o barulho, o trânsito

 

Aqui… terras abandonadas que outrora deram pão e vinho

Algures… terras arrasadas para novas ruas e avenidas

 

Aqui… um café, idosos em silêncio, um jogo de sueca

Algures… uma esplanada, mesas e toldos coloridos, conversas animadas

 

Aqui… um fontanário a lembrar vivências de outros tempos

Algures… um jardim sufocado entre arranha-céus

 

Aqui… cantos e recantos por onde crianças felizes correram e brincaram

Algures… crianças que crescem entre quatro paredes

 

Aqui… histórias de famílias e tradições centenárias que se perdem

Algures… vidas simples, vazias, rotineiras

 

Aqui… um país que acaba

Algures… um outro país que começa?

 

Luís dos Anjos

 

26
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

A desertificação do interior é uma coisa que põe certas pessoas malucas, doentes. Mas podemos olhar para este problema de outra maneira. Para isso, basta lembrar a lei das sesmarias. Essa lei, de 1375, foi feita para impedir que o pessoal bazasse do interior para as cidades, onde iam trabalhar como artesãos. Imagino que aquela frase que estou farto de ouvir, a agricultura já não dá nada, venha desse tempo. Já no ano de 1500 a população portuguesa era de 1,5 milhões. Como a actual população em Trás-os-Montes é de 350.000, em 1500 seria uns 60.000. A população aumentou durante muito tempo e actualmente é maior do que há 100 anos. Por isso, que se foda, temos tanta gente como tínhamos em mil novecentos e qualquer coisa, temos mais do que noutros tempos. Há aldeias que estão a ser abandonadas, que não têm mais do que 100 anos.

 

Já agora, que é que estes pacóvios estão a fazer atrás-do-torgo? Estão a apanhar altas secas em aldeias e aldeolas onde não se vê ninguém, em que o pessoal só tem 3 ou 4 vizinhas para quem olhar, onde não há um bar para beber um copo, etc. Seria fácil distribuir estes tristes por Lisboa e Porto. Não têm que sofrer pelas burrices dos antepassados. Que culpa temos nós que uns malucos, há 10.000 anos, se tenham lembrado de ir montar as tendas para os Cornos das Alturas, a 1200 m de altura? Não estariam bêbados? Vão montar uma aldeia num sítio onde não há nada, longe de tudo, obrigados a pastar uns porcos e umas cabras no meio de neve? Podiam ter escolhido o Algarve ou qualquer sítio entre Porto e Viana, onde há espaço suficiente para os 100 malucos que vivem nas Alturas. Temos nós que continuar a aturar esta merda? Que se foda, que se foda a etnografia! Vamos mas é bazar daqui, vamos desertificar esta merda. Eu só preciso de levar o banco de matar o porco e a caldeira para as chouriças. O concelho de Boticas só tem 4000 habitantes, por isso basta fazer um condomínio fechado com umas 4 torres, metemos umas cortes para os porcos e já está! E até poupávamos dinheiro ao país. Porque tem que vir pessoal fazer centenas de quilómetros para trazer duas cartas, montar quilómetros de fios eléctricos para aldeias de 20 pessoas, etc. Devia haver subsídios para o apoio à desertificação do interior, o país só ganhava com isso.

 

Vamos lá bazar daqui para fora, vamos deixar de ser burros, vamos para a praia, para o quente, e como há-de assim, as batatas já vêm de Espanha e já, que se foda. Viva a desertificação do interior! Desertificar, já!

 

António Chaves

 

 

TÃO PERTO E, CONTUDO, TÃO LONGE…

 

A vida é toda ela cheia de surpresas. E, não raras vezes, prega-nos muitas partidas. Adolescente deixámos a Fraga do Marão. Aquela serra, tão eloquentemente cantada por Teixeira de Pascoaes, e que tanto nos protege como nos oprime. Quando jovens, nossa maior tendência é o sentido da liberdade. Tal como proclama José Régio, no seu célebre poema, «amamos o Longe e a Miragem» …

 

Chaves, e a sua veiga, era o nosso «vem por aqui»! Campo aberto, farto. E o convívio com aqueles que, no antanho, constituíam a nossa mesma realidade, a mesma cultura, num território com que todos nos identificávamos e que, sem dúvida, muito antes dos romanos, que lhe chamaram Gallaecia, integrava já uma outra cultura, bem mais ancestral, toda nossa – a castreja. E a cultura celta com quem, ainda hoje, muitos de nós, mais nos identificamos.

 

Mas, volvidos tantos séculos, e após várias e profundas peripécias, embora herdeiros do cadinho de uma cultura comum, seremos os mesmos? Fazemos parte, é certo, da mesma Ibéria de que tanto fala Torga. Mas a diáspora e a epopeia dos Descobrimentos modificou-nos. Profundamente!

 

Hoje estamos mais de acordo com José Mattoso e Suzanne Daveau – não foram as pessoas, a cultura e a geografia que nos uniu. Somos, positivamente, uma manta de retalhos de tudo isso. O que nos uniu como povo foi o poder (político) que não a mesma realidade, vivida e partilhada.

 

Perdidos numa Europa sem pátrias, onde reina a ditadura dos monopólios e o poderio das multinacionais, após a epopeia das Descobertas, e habituados ao parasitismo daquilo que apenas se encontra sem esforço e trabalho, ainda não conseguimos encontrar um desígnio que a todos nos mobilize para a construção de uma nova gesta, que nos orgulhe, uma vez mais, de ser português. Reforçando ou criando hoje, a um outro nível, a nossa verdadeira identidade.

 

O Reino Maravilhoso, de que tanto Torga nos fala, é muito sui generis. Muito diverso. Da fronteira do então reino da Galiza até ao sul do Douro, todos nos apelidamos de transmontanos. Mas somos, de norte a sul, muito diferentes. Apenas nos identifica o amor profundo ao nosso berço. E a ele, invariavelmente, muitos de nós, exauridos pela labuta diária na diáspora que nos levou a criar riqueza noutros povos, e num rito de homenagem aos nossos antepassados, à boa maneira celta, regressamos na hora próxima do passamento.

 

Olhamos para o povo, que aqui vemos a nossos pés, integrando uma das aldeias da freguesia que nos acolheu, e à qual nos habituámos a estimar. E um sentimento profundo de nostalgia nos assalta. Porque, em frente, estão as serras que nos separam do berço onde nascemos!

 

Aprendemos a amar esta terra flaviense! Mas o coração e a alma estão para além daquelas serras envoltas em bruma de nuvens… Afinal de contas, apesar de tão perto, contudo, estamos tão longe!..

 

António de Sousa e Silva

 

 

24
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

Estas mulheres

Estas mulheres não aquecem os púcaros, as vasilhas de ferro. Aquecem o que metem nos púcaros, nas vasilhas negras. Não procuram para si. Amam em ver os filhos a correr, a crescer, a erguer os braços onde mais se esconde a flor da hera da tristeza, a colher na sombra, a meio da noite, essa pequena luz que amanhece nos pátios, nos largos desertos, nos tanques de água. São mulheres transmontanas. Obcecadas pelo sentimento da dádiva, pela harmonia do mundo a que não pertencem. Carregam pesos, aquecem a sopa para os seus homens, vigiam a urze e o tojo, guardam a fazenda. Nunca dormem se alguém acorda. Correm primeiro. Conhecem segredos de prender os fios às árvores, de colher as sete pétalas do linho nos campos alagados, de fazer os panos e os ramos da quaresma. Vestem-se de preto. Adormecem uma única vez e só então descobres que arrefece a pedra da lareira. E o musgo cresce na escaleira.

José Carlos Barros

 

 

O guarda da rua

 

Na minha rua mora um homem. Fez de um banco casa e mora ali.

 

Veste de sujo, usa cabelo gasto. Cobre-o com o que um dia foi chapéu. Tem pele e ossos. Ouvi que não passa fome. Não sei. Encontro-lhe muitas fraldas de fora.

 

Na minha rua mora um homem sem bengala. Ocupa a mão com sacos, encosta-se às paredes.

 

Tem mãos de quem diz adeus ao tempo. E olhos tristes de quem olha sem ver, pelo que já viu.

 

Na minha rua mora um homem que não pede. Aceita. (Com voz que nunca ouvi.)

 

Agradece com palavras sem cor e pegadas de vida. A pele conta-lhe segredos mudos de um resignado que já se indignou.

 

Na minha rua mora um homem. (Sozinho.)

 

Entro em casa. Deixo-o na rua. Desculpo-me. A rua é mais sua do que minha. Mora nela e dela vive. Sem renascer.

 

Na minha rua mora um homem. Vivem muitos. Mora um.

 

Curva-se pela memória. Pesa.

 

Na minha rua mora um homem.  Dia e noite.

 

Silêncio. Os animais saem de cena. (Vão para casa.) O homem do banco que guarda a rua, que mora nela, que vive dela, vai. Embora. Fico a vê-lo. Dormir.

 

Rita

 

 

23
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

SI LAS PIEDRAS HABLASEN

 

Sube lentamente la cuesta, que conoce bien, aunque cada día se vuelve algo más empinada… los años, ensimismada en sus pensamientos, no sabe que las piedras, son sus amigas, la conocen, guardan muy dentro los juegos de niña, las corridas con sus piernas ágiles, que hoy se volvieron lentas, los escasos pasos a la escuela, los muchos, al  arduo trabajo del campo, las primeras miradas cómplices, con aquel mozuelo, que pasado el tiempo emigraría, dejándola con sus sueños rotos, cuando regresó con su mujer, vistosa, bien vestida, aun se sintió más humillada, parecía encogerse, pero el tiempo no se para por los sentimientos, así que a al fuerza, siguió subiendo y bajando, trabajando duramente; el vecino se fijó en ella y “le habló”. Con el corazón encogido y alguna mariposa en el estómago, corrió a casa, para consultarlo con su abuela, - Abuela, el Manel, me habló, qué hago?, la viejecita, la miró con ternura y pasándole la mano por la cabeza, le respondió, - acepta mi niña, acepta, después con la convivencia vendrá el cariño, es buen chico y trabajador, tiene sus tierras y con las tuyas, tendréis que trabajar mucho, pero ya estás acostumbrada. Que Dios os bendiga. Aquella noche no pudo dormir, lloró, aunque no era de lloros, ella decía que era dura como las piedras, pero el paso que iría dar sería un cambio para el resto de su vida, amaneció un día lluvioso y triste, el alma se le encogió como un pajarillo, Trabajó duramente hasta el mediodía, sin darse cuenta exteriorizaba su zozobra, que las piedras recogían. Por fin se decidió y fue a dar la respuesta, naturalmente se hizo la encontradiza, no sería digno ir directamente a su encuentro, no era por no tener padres, que perdiera las buenas costumbres, pues allí estaba la abuela, como ejemplo y con sus buenos consejos. La boda fue normal, tuvieron vestido y traje nuevos, todo un lujo! pasaron por este empedrado lugar, cada uno con sus sueños y sus miedos. El tiempo diría, predominarían los sueños? O serían los miedos, los que ganasen la partida? Ella sigue subiendo y las piedras acompañan su camino.

Fe Alvarez

 

 

Mimos e Pantomimeiros

 

“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”

Chales Chaplin

 

Na sua forma mais antiga o teatro nascia na Grécia para homenagear o Deus do Vinho - Dionísio. A festa, o vinho e o prazer representavam-se numa só palavra, em forma de teatro. E se o vinho até pode simplificar o que é complicado, quando se representa uma vida o simplificado complica-se, e lá se vai a festa e o prazer do vinho… e por muito que muito vinho descomplique, no dia seguinte a ressaca complica tudo, mas a representação diária tem de continuar - é a vida!

 

" O teatro pode ser uma arma de libertação. Para isso é necessário criar as formas teatrais correspondentes, é necessário transformar. Todos podem e devem fazer teatro até os atores".

Augusto Boal

 

Todos podem e devem fazer teatro, até os atores! Era a fórmula que Boal tinha para ir de encontro aos trabalhadores Sem Terra no Brasil. Nascia assim o teatro do oprimido que todos podem e devem fazer até… só falta saber se os opressores,  com ou sem disfarces de pantomineiros, também fazem teatro!

 

Representemos então, façamos todos teatro, vivamos intensamente cantando, dançando, rindo, mas com vinho se puder ser, mesmo sem Dionísio ou Baco e os seus excessos, embriaguemo-nos, que a ressaca da opressão amanhã estará garantida, sempre garantida,  mesmo sem vinho.

 

Bebamos então uns copos bem bebidos até ficarmos com um brilhozinho nos olhos, bebamos enquanto a ressaca não traz de regresso a tristeza ao olhar, que nem o melhor mimo consegue disfarçar.

 

Assim, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos  -  ó mimo, vai um copo?

 

Fernando DC Ribeiro

 

22
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

As mentiras da verdade

 

A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo” – Dizia Napoleão Bonaparte, pelo menos foi esse o acordo a que a história chegou para dizerem que eram palavras de Napoleão, o que não duvido, mas independentemente de serem ou não dele, estou inteiramente de acordo com elas. A cidade de Chaves é um bom exemplo disso, para além de ocultar muitas verdades com outras tantas verdades, e prova disso é o nosso centro histórico medieval ou de origem medieval, o que é verdade, mas que esconde e oculta toda uma cidade romana sobre a qual se ergueu.

 

Se abordarmos a toponímia de Chaves, então aí são às dúzias as mentiras escritas, passadas a letra de imprensa nas placas das respetivas ruas. Por exemplo na placa onde se escreve Rua General Sousa Machado, toda a gente sabe que é a Rua do Correio Velho; na que diz Rua Bispo Idácio, todos sabemos que é a Rua da Cadeia; onde se escreve  Terreiro de Cavalaria deveria estar escrito Jardim do Bacalhau, mas sem o respetivo; na Betesga do Olho oculta-se de que olho se trata, e não era o de Camões, o mesmo que dá nome a uma praça que sempre foi do Duque de Bragança, mas que vivia em Chaves, onde morreu e foi sepultado mas não tem sepultura nem restos mortais, esses, estão em Vila Viçosa; por sua vez o Largo do Arrabalde que deveria estar nos arrabaldes da cidade,  fica bem no centro da cidade; e por último, o Jardim das Freiras, que é a maior mentira toponímica de todas, por nunca ter sido jardim de freiras, mas sobretudo porque na placa está escrito o nome de um general dos lados da Régua e que a história nos quer impingir como um herói por nos ter defendido dos franceses nas segundas invasões, quando na verdade o verdadeiro herói das invasões foi outro militar, flaviense por sinal e com outro nome, que acabou por ser Governador do Maranhão sem nunca o ter governado.

 

Vamos agora à Praça da República que também é conhecida por Praça do Pelourinho e que já teve topónimos monárquicos, para além de esconder um passado romano que ali existiu - e se calha ainda existe soterrado-, que foi cemitério medieval, foi praça de mercado, teve nela edifício com a Câmara Municipal e até pelourinho, o mesmo de hoje mas noutro local, que depois abandonou para ir em passeio até à Praça do Duque de Bragança, para mais tarde regressar ao lugar atual. Há ainda também quem se lembre, e sem ser preciso esforçar muita a memória, de um jardim que enquadrava o pelourinho. Como se isto fosse pouco, mesmo ao lado há uma palmeira que não dá cocos e bem perto uma tília que já foi um negrilho.  Como se ainda não bastasse, a praça é atravessada por uma rua com o topónimo de Rua Direita que, como sabemos, é das mais tortas do centro histórico.

 

Por último a Igreja Matriz, que na verdade é a Igreja de Santa Maria Maior mas que sempre conheci por Igreja Grande.

 

Aqui chegados, ainda há quem duvide das palavras de Napoleão!?

Fernando DC Ribeiro

 

 

“…de mais virtude!”

 

O Blogue “CHAVES” é visitado e lido por gente dos CINCO Cantos do Mundo!

 

Eu digo-vos qual é o Canto CINCO: é o Espaço onde navegam as naves espaciais. Os seus habitantes, os Astronautas, vão diariamente ao Blogue “CHAVES” porque, além de muito interessante, mostra-lhes retratos e textos que os fazem sair de uma rotina enfadonha.

 

Além disso, se não o fizessem, para bem da sua saúde mental, Zeus disse-me para lhes dar umas estadulhadas!

 

Mas ficai a saber que até os astronautas, especialmente os da “Enterprise”, estão a merecer uns carolinhos de Folar!

 

Vêm diariamente ao Blogue “Chaves”, olham-no, vêem-no, miram-no, lêem-no; voltam a ler, a mirar, a ver e a olhar.

 

Os corredores da nave estão decorados com Fotografias das NOSSAS ALDEIAS. E na sala de comando lá está, para deleite e inspiração, um enorme e brilhante quadro com a PONTE ROMANA de CHAVES!

 

Depois erguem as mãos para a Terra e pedem ao “PLUTO” para que não se deixe vencer pelo cansaço nem pelas cretinices de quem o inveja.

 

E estes 2.000.000 de visitas, que ora o Blogue do Sr. FERNANDO RIBEIRO

 

(mas que lho roubamos e chamamos O NOSSO BLOGUE “CHAVES”) conta, bem merecem uma celebração especial …e espacial!

 

Assim, convido-vos a brindar à saúde de FERNANDO RIBEIRO e ao contínuo sucesso deste BLOGUE “CHAVES”, erguendo e bebendo noventa e nove vezes a taça testinha do bom «tinto» de Agrela ou de Águas Frias, ou do bom «branco» de Vidago ou de Anelhe, e rematar a saudação com um  …copo de água das Caldas …… “de mais virtude”!

Luís Fernandes

 

21
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

Palavras do rio invisível

 

Por entre as margens recebemos da fonte e damos esta água que nos criou

E por nos criar assim nos separou…

 

Aqui, outrora, pé ante pé, encurtaram-se os lados,

Saltitando entre as pedras duras adormecidas sobre as águas

Além, depois, uniram-se as margens e o rio desapareceu…

 

Por entre as margens recebemos da fonte e damos esta água que nos criou

E por nos criar assim nos separou…

 

Agora, aqui, sentado, vejo o rio e o tempo passar

Vejo da fonte as memórias e o sonho da foz

Onde a água nasce e depois se perde na imensidão

E pelo meio nos criou e por nos criar assim nos separou

 

Depois, trouxe comigo esta memória e o sonho

E também um pedaço do rio neste pedaço de papel

Tornando sempre visível a quem um dia

Um dia do rio se separou…

 

Paulo Chaves

 

 

 

Ulmus procera, in memoriam

 

 

Já foi mais acolhedora de gentes, esta praça – também as outras, direis vós, pois sim, vos asseguro eu, que as recordo a todas sombreadas de frescura e alegradas de passaredo, mas é nesta que fixo agora a teia dos pensamentos… – nem todos podeis lembrar-vos, pela idade, já se vê, de quando o velho negrilho punha una altiva nota de nobreza e eternidade em frente do Hospital, onde sarandeavam atarefadas batas brancas, que tanto botavam ao mundo a muita canalha que as mulheres então pariam como fechavam os olhos aos que a vida resolvera substituir neste vale de lágrimas e trabalhos. Tinha até uma cercadura em ferro forjado, aquela velha árvore, como é costume fazer de roda dos monumentos, para que se soubesse que a sua sombra, grande como só a das árvores grandes, costumava resgatar dos séculos as lembranças, que depois sussurrava aos ouvidos atentos dos muitos passantes que nela se acolhiam. Porém, o tempo, que é coisa que não existe, mas que nós persistimos em medir e adorar como deus inexorável e impiedoso, resolveu pôr fim à vida longa daquele ulmeiro que já não sabia a idade. E vieram os machados e as picaretas, ao abrigo de um despacho autárquico, fórmula menos digna de sentenciar à morte quem apenas cometia o crime de estorvar o devaneio urbanístico de um decisor mais afeiçoado à aridez estéril das pedras picadas. Sabemos todos que, quem é grande em vida, também costuma mostrar grandeza na morte, mesmo a que é feita de cruel impiedade – assim que as suas raízes começaram a ser desentranhadas da terra que lhe dera vida toda a vida, jorraram delas moedas às centenas, cunhadas com as efígies desgastadas dos romanos cruéis que as tinham feito extrair das escuras minas de Jales ou das Freitas, ensopadas em suor lamentoso de escravos, para que depois fossem acumuladas avaramente durante milénios e acabassem a despertar a cobiça basbaque de um grupo excursionista que por ali passava, talvez em busca de memórias de um tal Luís que escrevera versos para uma aventura e que agora dava nome àquela praça, sem que ninguém arriscasse garantir que também ele poderia ter brincado aos soldados, à sombra daquele negrilho, ou, quem sabe, para confirmarem bisbilhotices velhas sobre a verdadeira paternidade dos sete filhos da Maria Mantela, que aquelas paredes mostram de redor dela, ou apenas seguindo um roteiro singelo e óbvio, de cicerone local, entre os restos de um castelo e as fontes fervilhantes das caldas, onde se curavam reumáticos e se depenavam galinhas…

 

 

Pouco tempo depois, outra vez o tempo que tudo resolve, veio a Ophiostoma novo-ulmi, grafiose dos olmos,e acabou por matá-los a todos, oferecendo uma oportunidade desculpante ao malfadado despacho autárquico – ‘se não tivesse sido cortado e arrancado, teria morrido da doença…’ É assim a pequena história dos povos, sempre a justificar os erros e a reconstruir os factos.

 

Herculano Pombo

 

 

20
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

O autor passa-me uma dezena de fotografias para a mão e pede-me para escolher uma e debitar algumas palavras. Não tenho preferência e digo-lhe para optar por qualquer delas. Insiste com o razoável argumento que, quem vai escrever sou eu. Dou uma primeira olhada e afasto aquelas mais geograficamente próximas… já basta escrever sobre a terra, ainda que ela se agarre às solas do calçado, oprima o coração e inquiete a mente. No final fico com duas, sem decidir. Não se trata de apreciar qual é a mais lograda tecnicamente, porque quanto a isso responde o engenho e arte do fotógrafo, que admiro, nem é o propósito da sua encomenda e os meus escassos méritos nesse ofício pouco ou nada recomendariam. Descarto a que me parece com maiores e louváveis influências de Jean Dieuzaide, Gérald Bloncourt, Domingos Alvão e casualmente, Artur Pastor; cito estes nomes, para não me acolher à referência interesseira da matriz da “Lumbudus – Associação de Fotografia e Gravura”, à qual pertenço de forma anárquica e intermitente, sendo o Fernando, juntamente com outros vultos ilustres, um dos principais activistas e talentos. Acabo por depositar a eleita na minha mesa de trabalho, no meio da barafunda organizada que é. Mais tarde, encerrado o escritório, transporto-a comigo na algibeira, onde permanecerá alguns dias, na vã tentativa de não responder de imediato aos diversos sentimentos que em mim desperta. Retirada do limbo que a submeti, continua a justificar as razões da escolha. É uma fotografia a preto e branco, embora esta definição não exista, pois ganha diferentes matizes ao observá-la. É um rosto anónimo, de uma pessoa de idade e sei que foi tirada numa aldeia, paredes-meias com a fronteira de Trás-os-Montes com Galiza. Não se trata de um rosto apergaminhado, tão do gosto dos viajantes, ávidos de atavismo e folclore. Apenas se apercebem alguns sulcos junto aos olhos que se adivinham perscrutadores, parcialmente ocultos sob a pala do boné, e nas comissuras dos lábios, mais acentuadas do lado esquerdo. No conjunto, isento de miserabilismo, há humildade no trajar e serenidade. Intriga é a frase suspensa nos lábios ressequidos. Não se vislumbram interlocutores. O que não estranha, sabendo como as aldeias de Trás-os-Montes têm poucos moradores; entre os que emigraram na década de sessenta, do século passado – alguns que regressaram e voltaram a emigrar –, aqueles que foram para o litoral, o encerramento das escolas, o empobrecimento dos laços e valores comunitários, tudo contribuiu para a hecatombe rural que vivemos. Quase apostava que as palavras que não escutamos… são de revolta.    

Mário Esteves

 

 

 

Os portugueses são uns parolos que passam o tempo a dizer que “lá fora” é que é. Também gostam de usar e abusar de expressões estrangeiras, porque “lá fora” é que é.

 

 

Nunca percebi porque é que as casas de banho públicas portuguesas estão assinaladas com um W. C. (sigla para Water Closet) em vez de um Q. B. (Quarto de Banho). As expressões estrangeiras irritam-me. Mas neste caso dei algum desconto porque  pensei que a sigla WC fosse algo mais ou menos internacional que servisse para ajudar turistas, que normalmente usam o inglês para comunicar. Estranhamente, ao visitar Inglaterra, descobri que não há nenhuma casa de banho que esteja assinalada com WC mas sim com Toilet.

 

 

Outro país que conheço onde a sigla WC serve para assinalar a casa de banho é a França. Os parolos dos franceses, que até têm a mania que são os maiores, também gostam de se armar em inglesados. Por sua vez, os ingleses, que são uns parolos de primeira, em vez de assinalarem as casas de banho com um WC, ou Restroom (como nos EUA), assinalam as casas de banho com Toilet, que é uma palavra que vem do francês Toilette (os ingleses pronunciam toílete e não tualéte). Para não faltarem à festa, os italianos, outros parolos mas que se vestem bem, assinalam o WC com a palavra francesa Toilette, mas pronunciam Toílete, à inglesa!

 

 

Conclusão, os europeus são uns parolos merdentos que gostam de usar palavras estrangeiras para se armarem!

 

 

Os únicos que se safam, no meio desta merda toda, são nuestros hermanos, os mais parolos de todos, que nem conseguem falar uma língua estrangeira minimamente bem, e talvez por isso chamem aos WC’s: Servicios ou Lavabos, verdadeiras palavras latinas.

 

Luís de Boticas

 

19
Dez13

Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"


 

Ancestralidades

 

No adro da igreja românica de Santa Leocádia, ao remanso de um dos seus vetustos ciprestes, estendi as vistas pela Padrela. Depois mirei o Alvão, fronteira de um mundo outro. O Larouco, à direita, confesso que não me chaldrou! À esquerda, arroucei-me no eiteiro do Fecho e ideei.

 

Como foram sempre excomungados os corgos do Brunheiro! A neve e o sincelo tolheram-lhe as seivas, como os beiços de quem ateima em sorvê-las. O magro pão que o suor pare insiste num sabor acre a terra e a geada. Aos seus, jamais sobrarão ensejos para além do mourejar. Ócios e folganças são contas que desfiam os privilegiados da ribeira! O arrimo, no altiplano, continua a ter de ser varejado como a azeitona na Terra Quente. Na meseta é preciso empenhar mula e albarda para que o forno coza, o reco fuce e a pita ponha!.. De graça, só mesmo os pingarelhos do carambelo de janeiro. Mas não fartam barriga!..

 

Ai se a boa vida na Montanha arreganhasse, como arreganha o ouriço a dar castanha!..

 

Muitos não estiveram para esta penúria e desertaram. Outros, tantos, vergaram-se à crueza do destino, ditado por um Deus genioso. Pois se assim tinha de ser, que assim fosse! Restava apaziguar-lhe a ira. Sumindo à mó o pouco que já moía, desougaram-se cuidando da alma, já que da courela estavam escoucados. Assim cogitaram há 800 anos os homens rudes do Brunheiro. E assim fizeram! Todavia, para aquela lavoura, não serviria relha qualquer. Exigiram coisa fidalga, como fidalga era a determinação. Botaram pico à fraga e lavraram a pedra em veneranda obra!

 

Talvez por isso Santa Leocádia passasse a ser mais do que uma ignota aldeia, senhora de um monumento classificado. Passou a ser exemplo, lição de vida!

 

A igreja bem merece o epíteto de bastião do estoicismo e da abnegação de um povo quase tão duro como o granito que a erigiu!

 

E pese embora o pelourinho estar torto como um arrocho, mantém-se orgulhosamente em pé! Lampejo para a expi(r)ação! Sim, porque a minha gente morre de pé como o negrilho! A carcaça, depois, que ceve a terra. Assim com’ assim, nunca deixará de ser tísica!..

 

Mas o que de bérias importa é que a obra seja imortal!

 

De volta ao períbolo, interrogo-me:

 

─ Perante tanta exiguidade, porque não havemos nós de vingar também, se até nos corre nas veias do mesmo sangue?

 

Creio, firmemente, que não são os homens que fazem as obras, mas as obras que fazem os homens!..

Gil Santos

 

 

Muralha

 

Espera por mim deixa-me ir,

desde o passado ao porvir…

 

Muralha contas  história

De poderosos e de servos

Contas derrota e glória

De tempos frios e severos

 

Ah horizonte passado

De enigmas velados

Albergas tanto mau  olhado

E defendes tantos pecados…

 

Na pedra a autoridade

Dura mantém-se com firmeza

Almejando a liberdade

Não  esquece que é defesa

 

Imponente e majestosa

Altruísta para o seu povo

É  a bandeira corajosa

Com quem o velho se faz novo

 

História contas Muralha

De servos e ou poderosos

Ganhas sempre essa batalha

 Aos hereges  religiosos…

Deixa-me ir nesse  teu olhar

Dessa  guerra e paz  a pairar…

 

Isabel Seixas

 

 

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