Hoje no “Barroso aqui tão perto” vamos até Loivos. Os de cá interrogar-se-ão — e desde quando é que Loivos pertence ao Barroso!? É certo que eu defendo que o Barroso não se fica pelos concelhos de Montalegre e Boticas, aliás José Dias Batista, autor da Toponímia de Barroso, inclui como barrosãs algumas aldeias do concelho de Vieira do Minho e de Ribeira de Pena. Pois eu estou com os flavienses mais idosos, os da montanha da margem esquerda do Rio Tâmega que, mais do que uma vez me disseram que “para lá do rio Tâmega é tudo Barroso”.
Eu também acho que sim, além do mais o que define uma região (do latim regio, regionis 'direção, linha reta; caminho direto, frequentado', de regere 'dirigir, guiar, governar[i]) é uma certa homogeneidade de elementos naturais, humanos e culturais num determinado território. É por aqui que deveremos ir, pois o Barroso não é uma região administrativa que termina onde os concelhos (administrativos) terminam. Daí, o rio Tâmega ser uma excelente fronteira natural para o Barroso, além de, de certa maneira, ser também naturalmente a fronteira entre a “Terra Fria” e a “Terra Quente”. Quanto ao fator humano e cultural, se há diferenças, não se notam, comungamos dos mesmos traços culturais e fisionómicos, da mesma pronúncia e o mesmo falar (léxico/glossário da região além dicionário da língua portuguesa).
Esta minha “insistência” neste tema das fronteiras do Barroso poderá parecer uma noia minha de, como flaviense, me querer incluir no Barroso. Longe disso, pois o sangue barrosão já me corre nas veias desde que nasci e depois, se fosse verdade, estava-me a excluir do território Barrosão, pois nasci e vivo na margem esquerda do Tâmega. Mas com isto estamos a fugir à conversa inicial que era Loivos.
Pois para os de cá mais distraídos ou que não sabiam, este Loivos não é aquele que fica ali junto ao vale da Ribeira de Oura, não, este pertence mesmo ao Barroso e ao concelho de Montalegre, alí a seguir a Vilaça, entre Fiães do Rio e Paradela, na croa do monte com vistas lancadas para a Barragem de Paradela e a Serra do Gerês. É para lá que vamos agora.
Engraçado que faz hoje precisamente dois anos (15 de julho) que passámos por lá para fazer a nossa recolha fotográfica para o post de hoje. Eram 9 horas e tal, já tínhamos deixado Fiães do Rio para trás, à entrada, entre o contraste da luz e sombra desenhada na estrada e produzido pelo Sol ainda baixo, avistava-se a figura de um homem. Se fosse há uns bons anos atrás poderia pensar que se tratava de uma patrulha da GNR à estrada, mas a ausência de um camarada do outro lado da estrada e a sachola que levava ao ombro deu para logo perceber que era alguém que já vinha ou ainda ia dar umas sacholadas na terra.
Logo a seguir entrámos na aldeia e vemos a segunda figura humana. Uma senhora já com certa idade, de pé, parada no meio de uma escadaria. Primeiro não percebemos o que fazia ali no meio da escadaria, sozinha, parada, de pé. O vestir de preto chamou-nos a atenção. Estávamos em terras em que o luto é sagrado e quando se faz por um filho ou pelo cônjuge, é para o resto da vida. Só então, andados mais uns metros é que nos apercebemos que a senhora estava também ela num momento sagrada de oração ou meditação a meio da escadaria que davam para a capela.
Continuámos mais um pouco até que desaguámos num largo, suponho que o largo principal da aldeia, com umas alminhas, um banco de pedra, umas vistas de encantar para a serra do outro lado da barragem de Paradela e mais ao lado um chafariz do tipo meados do século XX, tendo por trás uma espécie de casa aberta, um coberto talvez ou mesmo um coreto, ou ambas as coisas, onde na parede estava também colocado um expositor de avisos e editais da Junta de Freguesia.
Foi nesse largo que vimos também a terceira pessoa de Loivos, igualmente uma senhora, igualmente sozinha, igualmente de pé e parada, mas no meio do largo e mais nova que a anterior, mas igualmente vestida de preto, com o mesmo luto, o mesmo pesar.
Tinha com ela um saco plástico dobrado debaixo do braço. Cumprimentámos a senhora e começámos a conversar. Dissemos ao que íamos e ela disse-nos ao que estava. Estava à espera do pão, pois o padeiro já tinha apitado no início do povo. Fomos conversando daquilo que é habitual nos inícios das conversas. O tempo, o calor, as vistas, onde estava as pessoas da aldeia. Entretanto chega o padeiro, “os de Pitões”, um velho conhecido nosso mesmo sem o conhecermos, mas já é habitual coincidirmos nas aldeias que visitamos.
Comprado o pão a conversa continuou, não por muito tempo, pois tinha os seus afazeres, que tinha de levar as vacas à pastagem. Vacas e gado nas aldeias são motivos que fazer despertar logo as objetivas das máquinas fotográficas, mesmo que estejam em sono profundo elas despertam de imediato. Perguntámos à senhora se a podíamos acompanhar porque queríamos fotografar o momento. Que sim, que estivéssemos à vontade, e lá fomos e lá fotografámos de rajada todos os passos das vacas enquanto estiveram ao alcance da objetiva. 16 fotografias conto eu no meu arquivo, mas só fica uma, aquela que julgo que melhor congelou o momento.
As vacas lá partiram para o pasto, pachorrentas como sempre, com a dona atrás, não para lhes indicar o caminho, que esse as vacas já o conheciam, mas talvez para abrir ou fechar o cancelo. E nós partimos para a descoberta da restante aldeia. Apreciámos os canastros, estas curiosas construções que mais parecem casinhas de brincar, mas que têm ainda a sua utilidade de secar e guardar o milho.
E no meio das minhas apreciações, um pormenor de uma construção chamou-me a atenção. Trata-se de uma construção de paredes resistentes em pedra (granito) à vista e assente com junta seca, com dois pisos e tipicamente a construção tradicional transmontana e que fica aqui nesta foto:
Na foto seguinte (após este parágrafo) deixo a mesma construção onde manchei a amarelo as principais partes estruturantes da construção, nomeadamente as dos cunhais e a de uma porta carral. Em todas as estruturas de pedra tradicionais é utilizado este método, no entanto há um pormenor nesta construção que faz a diferença e que sem o qual, o mais provável, a construção já teria ruído. Trata-se daquelas duas pedras que formam uma espécie de laço, colocadas por cima da padieira da porta carral. Estruturalmente falando é sabido que o granito apresenta grande resistência à compressão, mas muito pouco à flexão, ou seja, pode empilhar granito um em cima do outro que ele resistirá sempre (compressão), no entanto, se o granito não for totalmente apoiado por baixo, as zonas sem apoio têm pouca resistência às forças que se exerçam sobre ela. É o caso da padieira da porta carral da foto, que dada a sua largura, pouco mais resistiria para além do seu peso próprio. É aí que com a mestria do pedreiro aparece aquela espécie de laço por cima da padieira, que mais não é que um arco de pedra resumido a um triângulo que vai absorver toda a força da restante parede (até ao telhado), libertando assim o peso sobre a padieira da porta carral, daí ainda se manter intacta, pois sem o “laço”, o mais provável é que a padieira já tivesse rachado a meio e a construção malhado no chão.
É por estas e por outras que eu gosto do nosso mundo rural, principalmente quando com alguma sabedoria e até mestria se encontram estas soluções construtivas, soluções populares de gente que nunca foi engenheiro ou arquiteto e que se calha nem sabia ler e escrever, mas que aprendeu com outros mestres de forma ágrafa.
E das nossas apreciações pessoais sobre Loivos ficamos por aqui. Vamos agora ao melhor itinerário para se chegar a Loivos, que também traçámos no nosso habitual mapa, que ficará a seguir. Pois para Loivos o melhor itinerário é o da estrada de S.Caetano/Soutelinho da Raia até Montalegre. Atravessa-se a vila e desce-se a encosta em direção ao campo de futebol (M308) até Sezelhe. Aqui abandona-se a M308 e vira-se à esquerda para a M514, passa-se por cima do paredão da albufeira de Sezelhe e 2km à frente, logo à entrada de S.Pedro, vira-se à direita (não siga em frente pois vai enganado, ou seja, se a seguir a S.Pedro chegar a Contim, vai enganado, volte para trás até S.Pedro). A seguir a S.Pedro temos Vilaça e depois Fiães do Rio, 1Km à frente estamos em Loivos, a uma altitude entre os 870 e o 920m. Fica o nosso mapa:
O que nos diz a Toponímia de Barroso ao respeito de Loivos.
Loivos
Há quem julgue que é um nome pessoal. Não vejo como é possível: primeiro por causa do plural, uma vez que há o topónimo Loivo e depois porque de loba ou lobo, mesmo do germânico Leura nunca chegaríamos a Loivos com as regras fonéticas que nos regem e devem reger.
Comecemos por informar que é de origem e significados obscuros e até desconhecidos e as opiniões conhecidas são insuficientes ou mesmo erróneas. Na realidade as propostas a partir do nome germânico “Leuba” ou do latino “Lupus” não têm pernas para andar.
Um documento de L.F. 1091 «petazo de loivo» f.132 induz-me para uma leira, “um pedaço de terreno cultivado de loivo”. Com efeito, diz o texto-escritura duma Audia que doa bens à Sé de Braga, em Mondrões, Vila Real: “ 1º petazo de loivo quomodo levatur de illo rego rerillas cessaria et de alio parte per illa Tauza carveliza ad in prono pro ad aqua et 1º petazo de terreno in caput de illo…” etc.
Trata-se, sem dúvida de bens campestres, com formações de forraginosas (possivelmente até regados — “de illo rego”) junto de terrenos de pousio e da outra e da outra parte uma touça de carvalhas.
Conjecturo que loivos serão as “línguas de ovelha”, ou as “labaças” ervas de que muito gostam os animais, tanto os bois como, porcos e coelhos.
- 1258 «et de terreno de Lovyos similiter dant terciam partem» INQ 1515 e.
-1288 «aldeã de Lovyos que é de filhos dalgo… e fazem mal e sobervia aos das outras aldeas derredor de ssi…tanto lansam no alleo ca no seu e os filhos dalgo som. Dona Maria Mendes e Rodrigo Mendes de Frieeira e mosteyro das Juyas.
No Arq.Hist. Port. Já aparece Loivos, com 7 fogos e o topónimo vigorante.
No livro “Montalegre” encontrámos:
Património Arqueológico
Megalitismo
A cultura megalítica floresceu na pré–história, no período Neolítico, que se caracteriza pelo aparecimento de utensílios de pedra polida, pela domesticação de alguns animais e início de actividades agrícolas primitivas que levaram à descoberta da cerâmica. O material mais utilizado era o sílex, com que se faziam facas, raspadeiras, pontas de seta e lanças, etc. A sedentarização do homem deixou-lhe tempo para o progresso social e religioso e, muito mais tarde, para
a indústria metalúrgica. Contudo, a roda de oleiro e o arado parece terem surgido apenas na Idade do Bronze. Nessas eras a habitação do homem era ainda a gruta natural e a cabana rudimentar. Com os avanços referidos transferem-se os abrigos para sítios defensáveis em montes cónicos, próximos da água, constituindo povoados de várias famílias. No concelho de Montalegre aparecem e existem muitas provas da passagem desses povos em todo o território. Era com tais artefactos que o homem primitivo fazia as gravuras rupestres, caçava, pescava e descarnava os animais que abatia, em grutas como as de Loivos, junto ao Cávado.
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BIBLIOGRAFIA
BAPTISTA, José Dias, Montalegre. Montalegre: Município de Montalegre, 2006.
BAPTISTA, José Dias, Toponímia de Barroso. Montalegre: Ecomuseu – Associação de Barroso, 2014.
[i] HOUAISS & VILLAR, Antônio & Mauro (2001). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. [S.l.]: Instituto Antonio Houaiss/Editora Objetiva