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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

26
Dez19

Flavienses por outras terras - Mário Esteves

cidade de chaves


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Mário Esteves

 

Nesta crónica do espaço “Flavienses por outras terras” vamos até à “Antiga, mui Nobre, sempre Leal e Invicta cidade do Porto”, tal qual a inscrição que consta no brasão da cidade.

 

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Fotografia de Mário Esteves

 

É, pois, no Porto que vamos encontrar o Mário Esteves.

 

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Onde nasceu, concretamente?

Sou do tempo em que ainda havia um Hospital com Maternidade em Chaves. Foi lá que nasci.

 

Nos tempos de estudante, em Chaves, que escolas frequentou?

Andei na Escola da Estação, na Escola Nadir Afonso, passei pela Secundária Dr. Júlio Martins e fiz o secundário na Fernão de Magalhães (Liceu).

 

Em que ano e por que motivo saiu de Chaves?

Em 2013, quando comecei a Faculdade.

 

Em que locais já viveu ou trabalhou?

Tenho vivido no Porto. Fiz ainda um semestre de Erasmus em Dresden, na Alemanha, no ano passado.

 

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Fotografia de Mário Esteves

 

Diga-nos duas recordações dos tempos passados em Chaves:

O meu avô é sócio do Desportivo de Chaves há já muitos anos. Quando eu era criança, ia muitas vezes com ele ao estádio porque não precisava de pagar bilhete. Claro que estava mais atento à senhora das pipocas do que ao jogo em si, mas sempre gostei do ambiente.

 

Lembro-me também da alegria que era quando os carroceis começavam a chegar à cidade, na altura dos Santos.

 

Proponha duas sugestões para um turista de visita a Chaves:

Não deixem de visitar o MACNA – Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso. Para além de ser um edifício da autoria de Álvaro Siza Vieira, elogiado internacionalmente, tem tido exposições de grande valor.

 

Sugiro também a quem visitar a cidade que vá fazendo refeições leves nos dias antes da visita, para que possa aproveitar a gastronomia da região à vontade.

 

Estando longe de Chaves, do que é que sente mais saudades?

Sinto sobretudo alguma nostalgia da cidade que tínhamos há 10 ou15 anos, quando se via gente nas ruas.

 

Com que frequência regressa a Chaves?

Costumo ir, no mínimo, uma vez por mês.

 

O que gostaria de encontrar de diferente na cidade?

Gostava de ver um Hospital com as valências necessárias para servir as pessoas. Gostava de ter um centro histórico requalificado de forma a que os habitantes pudessem usufruir do centro da sua própria cidade. Enquanto as “ruelas" estiverem abandonadas serão sempre um lugar privilegiado para a prostituição e para o consumo de drogas.

 

A questão central aqui é a vontade de ver Chaves com vida, com coisas a acontecer, a apontar para o futuro. É preciso uma política cultural a sério que faça as pessoas sair de casa, que chame a juventude, que dê aos Flavienses a oportunidade de viver a cidade.

 

Gostaria de voltar para Chaves para viver?

Naturalmente que seria do meu agrado viver um dia em Chaves, mas tenho a noção que será muito difícil fazê-lo num futuro próximo, mesmo após concluir o Curso. Veja-se a quantidade de pessoas que saíram de Chaves para estudar e que não voltaram porque se tornaram mão-de-obra qualificada, com perspetivas de vida em relação às quais nesta cidade não há forma de dar resposta.

 

Chaves, assim como quase todo o interior do País, ainda não é para jovens. Temos que encontrar alguma forma de inverter o rumo.

 

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O espaço “Flavienses por outras terras” é feito por todos aqueles que um dia deixaram a sua cidade para prosseguir vida noutras terras, mas que não esqueceram as suas raízes.

 

Se está interessado em apresentar o seu testemunho ou contar a sua história envie um e-mail para flavienses@outlook.pt e será contactado.

 

Rostos até Mário Esteves.png

 

 

 

 

 

 

05
Jan17

Palavras colhidas do vento...


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O blogue Chaves faz doze anos de existência e claro que não poderia deixar de saudar o feliz evento. Doze anos em idade de gente é idade de dúvidas e interrogações, que não, no caso de um blogue, antes se poderia falar de certezas, respeitável existência e garantia de perdurabilidade.

 

Por isso, embora soe a juiz em causa própria, felicito o Fernando Ribeiro e todos os colaboradores que participam no blogue, e em relação a mim, salvaguardada a contradição… abstenho-me.

 

E de aniversários se trata mais o que vier. A minha irmã, um dia depois de regressar ao “Alentejo profundo”, como diz, também comemorou aniversário.

 

Desde o restaurante onde janto, organizei um coro improvisado, formado pela cozinheira e os donos e cantamos-lhe os “parabéns a você…” ao telefone. Com tanto sucesso o fizemos, que, não estranhem se à vossa porta na noite de Reis, aparecer um barbudo com ares de indigente, uma cozinheira com gorro e avental, uma empregada de mesa com o respectivo pano no braço e laçarote, e alguém com uma factura na mão… correspondente ao valor da cantoria.

 

A quem não correu bem o aniversário, festejado nos últimos dias de Dezembro do ano defunto, foi ao meu irmão. Ofereceu-se uma viagem a Paris, acompanhado da mulher e uma das filhas e apanhou uma séria gripe que o levou a ser internado num hospital parisiense. E dali só teve alta com a recomendação expressa de não sair do quarto de hotel.

 

Muito azar e o que se chama: “ver Paris por um canudo.”

 

Chama-me a Dona Maria e diz que tem uma coisa a contar-me de que vou gostar. Aproximo-me e recita-me ao ouvido:

 

- “ Mário Esteves, vê lá se podes dar a tua cabeçada,

    Que a cabeçada faça o seu serviço.

    E se a bola meteres nas redes,

    Ninguém tem nada com isso!”

 

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Referia-se ao meu pai que jogou futebol.

 

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Mas a Dona Maria não se ficou por aqui.

 

“Sabe, antes na cidade, havia uma rivalidade muito grande entre o Atlético e o Flávia (clubes que deram origem ao Desportivo de Chaves). Eu sempre fui do Atlético, como toda a sua família que conheci muito bem. Num jogo, o Riconcas do Atlético, rebentou a bola. O Grangeia, guarda-redes do Flávia, exclamou:

 

- Rapazes, já nem Cristo nos tira a vitória!

O Atlético estava a perder três a zero!”

O Riconcas ouviu e ripostou com raiva:

“- Nem Cristo, nem o c…! Não haveis de a levar!

Sabe qual foi o resultado?” Pergunta-me.

 

“ Cinco a três, ganhou o Atlético!” E despede-se nos seus sorridentes noventa anos.

 

Mário Esteves

29
Dez16

Palavras colhidas do vento...


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Resta pouco para mudar de calendário, assim que o mais indicado por estes dias é fazer um breve balanço do que foi este ano, daquilo que a meu ver foi relevante, sem, no entanto, ser exaustivo.

 

Começo por casa e logo em Janeiro mudámos de Presidente da República. Embora tenha votado noutra candidatura, reconhece-se que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa tem desempenhado o cargo de forma inteligente, o que não é propriamente novidade, e com grande apreço e popularidade. Arejou o Palácio de Belém dos ares insalubres que o anterior presidente deixara e já que falei nele, difícil seria, quem lhe sucedesse não fazer melhor.

 

A “geringonça” ou seja o XXI Governo Constitucional – será pouco provável que os portugueses a ele se refiram ou venham a conhecer pelo nome legítimo –, continua entre o mar proceloso que a oposição diz que navega, e o refúgio ocasional, mas até ao momento confiado, dos partidos que o apoiam no parlamento. Na batalha inglória e habitual dos números da governação travada entre apoiantes do governo e a oposição, salva-se … alguma esperança. Esperança numa vida melhor e que os muitos que foram obrigados a abandonar o país, regressem.

 

Quanto ao resto… futebol!

Com resultados sofridos e sem mostrarmos o melhor futebol, finalmente conseguimos o que antes apenas alcançáramos a nível de clubes ou individualmente por atletas… o título europeu por selecções.

 

E aqui neste cantinho de Trás-os-Montes, a almejada promoção do Desportivo ao primeiro escalão do futebol nacional.

E se dúvidas houvessem se é nesta competição que o Desportivo deve estar e permanecer, reproduzo as palavras finais de Carlos Tê, na crónica que escreveu sobre o último jogo que o Chaves disputou este ano, no Estádio do Dragão, contra o F. C. do Porto, a quem, também e nesta época desportiva eliminara da Taça de Portugal:

Com a devida vénia:

-“Outra palavra para o Chaves, que arrastou mil adeptos ao Dragão numa segunda-feira. É obra. O Chaves é uma promessa inestimável de vitalidade da liga portuguesa.”

 

Saindo agora de casa… a barbárie parece instalar-se definitivamente.

Mata-se desalmada e indiscriminadamente na Síria, Iraque e Afeganistão…

Na Europa, sucedem-se os atentados terroristas… Bruxelas, Nice e Berlim.

 

A ONU criada com os mesmos objectivos da Sociedade das Nações, ambas criadas no fim de duas grandes guerras mundiais, e precisamente para obstar a novas conflagrações, dá mostras de fragilidade e ineficácia a que não são estranhos novos e velhos sonhos hegemónicos de alguns Estados.

 

As preocupações com o ambiente e apesar dos tratados e das conferências internacionais são postergadas por interesses empresariais… como sempre.

 

A União Europeia é uma casa que apresenta “brexits”… onde “se ralha e ninguém tem razão” e já são muitos os que pensam que na sua forma actual não corresponde aos anseios dos inspiradores. As políticas de alguns Estados-membros sobre emigração, refugiados, são sintomas da “desunião” reinante.

 

Somem a tudo isto, sismos, tufões, quedas de aeronaves, desastres naturais e mecânicos… e temos suficientes razões, para dizer, como Jacinto Lucas Pires, que: “ O mundo está doido. Chanfrado, passado, completamente transtornado. Ou, se não está, imita bem de mais.”

 

Ah…!

Neste esfarrapado balanço, falta dizer que na minha rua morreu atropelado o “Pintas”, o cão que gostava de fígado em cebolada…

 

Mário Esteves

22
Dez16

Palavras colhidas do vento...


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Isto de escrever no solstício de inverno é tarefa assaz difícil pelo menos para mim, dadas as peculiaridades destes dias, tanto mais que nasci três dias depois do solstício de verão.

 

No caso, além das fortes geadas que caíram desde a segunda-feira, invadem-me os espíritos da natureza, principalmente da floresta, bons e maus e é uma luta devastadora que me faz refugiar numa perturbação mística, céltica, diria, que apenas uma boa ceia de tortulhos – por certo ainda não os provei – faria levantar o ânimo e dar a paz necessária para debitar algumas linhas de prosa e com algum jeito.

 

Assim estou a escrever na manhã de hoje, quinta-feira, quando supostamente o que escrevo já deveria estar publicado. E acompanhado das vozes maviosas das crianças de São Ildefonso a cantarem os números e prémios do “el Gordo”, a lotaria daqui ao lado, talvez um dos maiores cimentos que une os povos do Estado Espanhol. Catalães, bascos e galegos afastam por momentos a reivindicação independentista e unem-se aos castelhanos, asturianos, cântabros, navarros, aragoneses, estremenhos e andaluzes, escutando o rodar dos tambores e na esperança jubilosa que lhes toque “el gordo”. Estou certo que o amigo Manolo Ferreiro, Manolito para os mais íntimos, não deixou de ter uma participação das muitas que, por todos os lados, comércios, bares e cafés colocam à disposição dos clientes e amigos.

 

E por falar no Manolito – não pensem que o diminutivo carinhoso corresponde à altura ou à idade, é mais velho do que eu e imponente, embora o último se deva mais ao ventre, no que também já comparto com ele… – tive a grata surpresa de poder partilhar mesa e toalha com ele no início desta semana. E claro, entre conversas habituais de quem não se vê há muito, saber deste e daquele, acabámos por cair na nostalgia de tempos idos.

 

Entristeceu-me saber do falecimento da Aurita, sua irmã e mais ou menos de minha idade, muitas vezes meu par nas festas de Feces e a quem o nome correspondia à pessoa, pela simpatia, optimismo e alegria que irradiava.

 

Também me alegrou saber que os filhos estão bem, dois licenciados em direito, um deles, o Ruben, que padecia de doença celíaca, é professor universitário em Lisboa.

 

E como sempre, o eterno humor do Manolito, que conservou numa vida cheia e aventurosa na raia e longe dela… quando me telefonou já eu tinha iniciado o almoço. Estava a comer massa de vitela estufada. A empregada veio à nossa mesa perguntar-lhe o que desejava almoçar. Respondeu que ia comer o mesmo, mas, se não lhe podia servir apenas … “massa”.

 

Acabara de comer dois pratos de sopa, quando a empregada veio levantar a mesa, disse-lhe:

- “Pois… não estava nada boa, esta sopa.”

 

E pronto está aviada a crónica desta semana.

 

Certamente não esperavam que falasse sobre as iluminações natalícias da cidade… mormente se já sopram os ventos das eleições autárquicas. Na verdade apenas se ilumina o que tem pouca ou nenhuma luz… e esta cidade necessita de muita luz e brilho.

 

Por último… Boas Festas!

 

Mário Esteves

 

 

15
Dez16

Palavras colhidas do vento...


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 Para alguns Aleppo fica muito distante, assim como outras “Aleppos”.

 

Se percorrêssemos com o nosso olhar o mapa-mundi e nele viessem assinalados todos os conflitos bélicos, não seria de estranhar que na maior parte ficaria colorido com uma mancha enorme e sangrenta. E se acrescentássemos os estados onde os mais elementares direitos do homem são ignorados, esmagados, então essa mancha com uma tonalidade de matiz mais esbatida, mas não menos cruel e sangrenta, seria um enorme campo de batalha.

 

E se num esforço de análise e de olhar em frente e não para o lado, recolhêssemos todos os incidentes diários nos quais observamos desumanidade, injustiça, desigualdade, prepotência... por esse mapa, então deixá-lo-íamos de ver e todo ele seria um gigantesco ponto negro com raros e pequenos traços em cinzento.

 

O que se passa em Aleppo?

 

Entre as declarações opostas e contraditórias dos beligerantes e aliados, de algumas instâncias internacionais, são os poucos relatos da imprensa, alguma a quem se lhe reconhece verosimilhança, por noutras circunstâncias terem assumido corajosamente a independência perante os poderes políticos, que nos permite conhecer um pouco a realidade perante o véu espesso da mentira, da hipocrisia… e da indiferença.

 

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Foto da Amnistia Internacional

 

O que se passa em Aleppo e passou por toda a Síria, são massacres e execuções sumárias de civis, tão só por o destino da guerra lhes ditar, estarem num ou noutro bando ou no caso específico de Aleppo, por terem levantado a voz contra o regime de Basher Assad, sem no entanto pertencerem ao Daesh.

 

São as chamadas vítimas “colaterais”, cadáveres a distribuir pelos interesses geo-estratégicos das potências mundiais, das suas economias e da sua indústria armamentista. E não me venham com escolhas de campo… pois, aqui pouco importa a ideologia, cada potência escolhe o tirano ou o poder opressor de turno que melhor serve os seus interesses na luta pela liderança.

 

Sim… tragédias humanitárias, tragédias de guerra.

 

Como os “desastres de guerra” de Goya ou a famosa “Guernica” de Picasso.

 

A história também deveria ser conhecida num longo percurso, por Katyn, My Lai, Wiriamu, Camboja, Afeganistão, Iraque, antiga Jugoslávia, Bataclan (Paris). Promenade des Anglais (Nice) …

 

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O que me motivou a escrever sobre Aleppo, não é só o que escrevi antes, mas também o que vem a seguir.

 

Uma cigana romena pedia junto à estação de correios naquele salmodiar de pedir esmola habitual. No final desejava um bom natal a quem passava. As pessoas ladeavam-na e prosseguiam nos seus afazeres. Pois bem, no tempo que pude ver, quatro pessoas das que por ela passaram, insultaram-na.

 

Aceita-se, quem lhe dê esmola e quem não dê, a ignorem ou agradeçam os votos de boa saúde e bom natal. Agora, ninguém tem o direito de a ofender, por pedir, ser cigana, romena e seguir maioritária ou minoritariamente a tradição de sua etnia. Agora, por certo, que o insulto daquelas pessoas não deixou de contribuir para ela, na sua sina, aceitar, encorajar ou praticar os actos ilícitos que o vulgo atribui à sua casta…

 

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Conheci com alguma proximidade o drama de uma família do concelho de Chaves, que, como tantas outras emigraram para França. Primeiro ele, depois a mulher, e os dois filhos já nasceram em Paris. Habitavam num bairro com muitas famílias árabes… de Argélia, Tunísia… Os filhos frequentaram a escola francesa. E tinham colegas árabes… seus vizinhos. Os pais seriam de umas das primeiras gerações de emigrantes… endireitaram a vida, pensaram edificar casa na terra natal, mas, a sua vida já estava organizada em França e preferiram adquirir um apartamento no Algarve, para passar férias, que nunca fizeram, e sim em Trás-os-Montes, junto da família.

 

Os filhos e principalmente o rapaz, preferia ficar em França. No auge do recrutamento do Daesh na Europa, ele não ficou imune à sua convivência na escola e no bairro onde morava, com os colegas muçulmanos. Comungava com eles o espírito de rebeldia, não aceitava, como eles, a resignação dos pais perante a sobranceria como eram tratados pela sociedade francesa, serem postos de parte ou mesmo vistos com ares de desaprovação ou mesmo ódio racial.

 

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Eram e poderíamos dizer como no presente, tempos da Front National e dos seus resultados encorajadores nas eleições…

 

Partiu para o Iraque…

 

Depois de dois ou três anos de ausência de notícias… alguém comunicou o falecimento em combate à família. Não disseram onde, nem quando…

 

Limito-me à descrição dos factos como os conheço.

 

Porquê um jovem, que não teve as dificuldades dos pais em procurar uma nova vida, do bem-estar que não tinham, acaba por morrer ingloriamente no Iraque?

 

Eu responderia, as razões aventadas no início, a cultura de gueto, a desigualdade, a sobranceria como os estrangeiros são tratados, o racismo nas suas diferentes formas, o desrespeito pelas minorias, pela diversidade étnica e religiosa, o discurso de ódio de alguns partidos políticos…

 

Ficamos por aqui, e como vêem, Aleppo não fica assim tão longe…

 

Mário Esteves

 

 

08
Dez16

Palavras colhidas do vento...


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Poderia ser um rosto como de tantos outros com quem cruzamos durante o dia.

O que o torna particular ou diferente dos demais?

 

Conhecem aquela imagem, creio ser de Saul Steinberg, de um homem que, apesar do céu límpido ou ensolarado, traz sempre uma nuvem cinzenta a pairar sobre a cabeça, ameaçando chuva… pois é a ideia que dá. Pelo menos a mim, nos breves instantes em que olhei para ele.

 

Cumprimentamo-nos, esforça-se para desenhar um sorriso e cada um segue o seu caminho.

Quando o vejo à distância, mais que caminhar, parece transportar um peso enorme nos ombros descaídos e sempre com um olhar perdido sabe-se lá onde.

É jovem, não lhe daria mais de trinta e tal anos.

 

Conheço-o desde o dia que me pediu educadamente um cigarro e era tamanha a tristeza naquele pedir… que me embaraçou e não pude deixar de ficar intrigado.

 

A resposta demorou alguns dias e quando o encontrei, estava à porta da igreja a mendigar.

Nada que se pudesse suspeitar… pelas maneiras, aspecto ou trajar.

 

E mais uma vez… mais que pedir, olhava para as pessoas que entram na igreja para assistir à missa ou esta terminada, saem, quando elas fazem o gesto de procurar alguma moeda nas algibeiras ou na mala de mão é que ele estende a mão e num murmúrio agradece…

 

 

Já o (…) é um caso à parte.

E como dizem algumas das pessoas a quem ostensivamente estende a mão: “Sabe-a toda…!”

 

Ele próprio afirma que é pedinte encartado e com a contabilidade organizada e só não passa recibos, porque o contabilista é preguiçoso e ainda não lhe fez as contas do mês anterior.

 

Há quem goste dele e quem não gosta e contam-se histórias acerca de seu património… que é rico… de boas famílias e até um rebanho tem ao ganho… rumor último que confirma, dizendo que deixou “uma ovelha presa por trás da Câmara de Vila Pouca”.

 

Tem o “escritório” em lugares estratégicos da cidade, de acordo com o Seringador ou Borda d`Água pessoal, e num desse locais, cidadão prestimoso e responsável, até orienta o tráfego automóvel, como faz questão de salientar.

 

É raro, um turista não contribuir com o seu óbolo para o orçamento deste empreendedor de actividade não especificada, que fala várias línguas; nada estranho… tendo em conta à formação superior que dá mostras e aos estágios feitos noutros países.

 

Como no Verão, durante alguns meses não fosse visto na cidade ou redondezas, quando regressou, perguntaram-lhe a razão da ausência. Respondeu que, fizera “praia… na Póvoa”.

 

 

Uma das leituras de minha referência é a vida de “Lazarillo de Tormes e das suas felicidades e desventuras”. É uma obra do séc XVI e não vou alongar-me em comentários e sim aconselhar a leitura. É um género que aprecio… a picaresca peninsular. E é nessa perspectiva que se insere a facécia que segue. O protagonista tem nome e apodo, que não vou mencionar. Numa conversa de dia seguinte, o nosso amigo tinha feito tantas viagens ao estrangeiro em simultâneo no dia anterior, que os interlocutores, já acostumados e congraçados com a sua desbragada imaginação, lhe perguntaram por troça se não ficara cansado de tantas viagens.

 

Ao que ele retorquiu: - “Às viagens… não, agora à azáfama dos aeroportos…”

 

Mário Esteves

 

 

01
Dez16

Palavras colhidas do vento...


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Há algum tempo que vejo trabalhos no Jardim das Freiras, naquilo que chamam uma remodelação do dito. Coisa que agradou a quem sempre contestou a obra de antes e a indiferença perante outros tantos. A unanimidade é sempre difícil e nos dias que correm, quase tanto como a razoabilidade.

 

Aqueles a quem a notícia encheu de júbilo, por certo, não esperam que o Largo das Freiras regresse ao postal antigo que já foi. Assim como também não volte a ser frequentado como o foi no passado.

 

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Depois da conversa nos cafés próximos e eram quatro, as pessoas retomavam-na no jardim, aproveitando para esticar as pernas e as tertúlias prolongavam-se a desoras. Nas estações do ano mais amenas, o interior dos cafés repleto de frequentadores na maior parte do tempo, despovoava-se e trasladava-se para as esplanadas. Os estudantes mais velhos do Liceu marcavam a diferença em relação aos mais novos e nos intervalos das aulas davam voltas ao rectângulo irregular do jardim, pois o pátio da escola já não era para eles, assim como os calções.

 

Eu sei que a remodelação tem mais finalidades do que um simples jardim e também é certo que, parte dessas finalidades eram já asseguradas por outros locais, como o Jardim Público – o coreto ainda lá está e espaço não falta – ou o Largo do Arrabalde, para a intervenção pública.

 

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Chaves, cidade, não é o que anteriormente foi e por mais que isso pese aos saudosistas, não poderia ser. Seria mau que assim fosse. Mas, em abono daqueles que suspiram pelo passado, devo dizer que também sinto nostalgia pelo centro da urbe habitado, com um comércio pujante, policiado, tranquilo e limpo. E nesse sentido, o Jardim das Freiras contribuía… em muito.

 

Agora, o que também não pode deixar de ser dito, é a repetição das causas a que está por trás desta remodelação. Exige-se mais sensatez, estudo e estabilidade nas decisões públicas. Apenas, deixar de “começar a casa pelo telhado”…

 

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Encerram-se as termas para obras. Obras que demoram mais de dois anos, excedendo todos os prazos da empreitada… inaugura-se o Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso. Depois de concluída a obra do edifício das Termas Romanas, detectam-se problemas… remodela-se o Jardim das Freiras…

 

 

Numa destas noites sonhei com a minha avó materna, Luísa, de seu nome. Foi um sonho bonito… como se costuma dizer. Curiosamente na manhã que se seguiu, li uma publicação de Xavier Alcalá, escritor galego que muito prezo e de quem sou amigo desde as primeiras horas no “facebook”.

 

Xavier é escritor de nomeada e desconheço se por passatempo ou coisa mais séria, recolhe obituários, normalmente, por causa da castelhanização dos nomes e apelidos galegos. Na maior parte das vezes, os nomes vêm seguidos do apodo pelo qual o defunto era conhecido.

 

Isto é, vem o nome em castelhano e depois a nomeada em galego, do qual resultam notas pícaras de Xavier Alcalá, que é um defensor à outrance do idioma galego.

 

Pois bem, nesse obituário identificava-se o falecido e por baixo vinha o que segue:

 

- “que a avó (…), te cuide, como gostava, das feridas desta vida”

 

Faço votos que assim suceda… aliás, como Xavier Alcalá comentou, e a mim, que a minha avó Luísa sare as minhas feridas, de preferência, nesta vida.

 

Mário Esteves

 

 

18
Nov16

Palavras colhidas do Vento...


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Desconheço se tenho de apresentar a declaração do meu património ao regressar a estas “ Palavras…” que deixei suspensas há quatro anos por estes lados e precisamente num mês de Outubro. Palavras que o vento levou e agora o vento trouxe… e nesses tempos rodopiaram ao seu arbítrio e também descansaram no espírito de quem as colheu e soube delas fazer o melhor uso ou tão só a indiferença de quem as julgou de pouca ou nenhuma monta.

 

Sempre tive aberta a porta desta casa ao regresso e se não aconteceu mais cedo apenas se deveu à anarquia dos meus hábitos e não que faltassem motivos para escrever ou inesperadamente enfermasse do temível mal que por vezes ocorre a quem escreve de nada lhe ocorrer dizer e se ver reflectido numa folha vazia ou submerso nas muitas folhas amarrotadas ao seu redor.

 

Feita a apresentação e embora passado o dia de S. Martinho, é altura de cortar o manto ao meio, comer castanhas do magusto, entrar na adega e provar o vinho…

 

E quanto inesperado foi o meu São Martinho!

 

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 Senhor Manuel - Fotografia de Mário Esteves

 

Era o alvor e ainda estava na cama. Deu-me para ir à varanda ainda em pijama… na verdade fumar um cigarro. Eu sei que faz mal. Casualmente olhei para a rua e vi um vulto que me pareceu conhecido. Olhei com olhos de ver e dei com o Senhor Manuel à porta com o casaco de vir à cidade e com um grande saco.

 

Certamente já ali estaria a algum tempo e estava frio.

 

- Ó Senhor Manuel, tão cedo, não sabia tocar à campainha?

 

Desci as escadas à pressa, vesti-me atabalhoadamente e passei água pela cara. Abri a porta e o sorriso do Senhor Manuel deu-me as boas horas e murmurou algumas palavras a desculpar-se por me ter feito levantar da cama. Ele mal se ouve e é pessoa humilde e tímida.

 

Trazia-me um saco de castanhas…

 

Eu não sei que grandes préstimos lhe fiz para merecer tamanha dádiva… sim, conheço-o há bastante tempo, admiro-o como pessoa e artesão. Teria vindo no autocarro dos estudantes ou à boleia de um vizinho e não se esquecera de mim.

 

Disse que o fazia por amizade, que as castanhas eram pequenas e não as guardasse muito tempo e mais uma vez pedia desculpa se uma ou outra não fossem boas.

 

Senti-me assim sem jeito, comovido… e ele que é de poucas falas, deixou-me entre surpreendido e satisfeito… tinha que fazer umas comprinhas e quando me aprouvesse o visitasse, melhor ao domingo.

 

E amigo Manuel, agora posso dizer, as castanhas não eram bichosas… como receava, souberam ao mel que, de quando em vez me presenteia.

 

E agora vou falar de si… e do prazer que sinto na nossa amizade e saber da sua existência.

 

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 Fotografia de Mário Esteves

 

Conheci o Senhor Manuel, pastor, vivendo numa humilde casa com santos feitos de madeira espalhados por todo lado e recordo um Cristo enorme, que jazia por baixo do leito e que foi parar a uma igreja…

 

Desde muito cedo, se afeiçoou a talhar imagens religiosos de pequenos troncos de madeira que encontrava… com a navalha que servia para cortar o cibo de pão centeio e o presigo. Eram figuras pequenas, toscas… mas, alguém reconheceu o dom que as suas mãos tinham.

 

Recomendado por ilustres foi trabalhar para oficina afamada em Braga e aí ficou como aprendiz, mesa e cama garantidas e ainda uma pequena soldada.

 

Braga era terra grande, dada às artes religiosas. Armadores, santeiros, entalhadores… mas não era para o Manuel. Com saudades dos pais e da sua terra - a celebrada soidade dos trovadores - regressou à aldeia natal.

 

E muito mais tarde, por pessoas da mesma aldeia conheci-o.

 

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 Fotografia de Mário Esteves

E o que conheci, era um homem bom, um escultor de imagens religiosas do medievo, como se vêem nos pórticos das igrejas e catedrais da época.

 

Obras singelas, feitas com parco instrumental.

 

 Há anos numa edição da então Secretaria de Estado da Cultura, lá aparecia o Senhor Manuel, como um dos poucos verdadeiros artesãos de Trás-os-Montes.

 

Desde então, o esquecimento… edilidade e outras instituições oficiais ignoram-no… o Senhor Manuel é homem simples e telúrico e a sua arte é genuína, não é um empreendedor.

 

Oxalá, amigo Manuel, estas “Palavras…” fossem como as obras que saem das suas hábeis mãos…

 

Mário Esteves

 

 

03
Out12

Palavras colhidas do vento... por Mário Esteves


 

As portadas das janelas do sótão dum vizinho batem furiosamente… Há muito que o prédio se encontra desabitado e à venda. Há tanto tempo como a placa de “platex” que oscila na varanda e que a agência imobiliária lá segurou com uns arames, para anúncio de venda, viu o papel lá colado se desgarrar e ir parar a um ignoto destino.

 

A chuva fustiga os vidros das janelas e o vento anuncia o Outono recém-chegado e traz um clamor longínquo dos derradeiros e acidentados dias dum Verão quente, nos quais a pacatez proverbial do país se viu submersa por uma vaga de revolta que encheu avenidas e ruas da capital e de algumas cidades.

 

Em frente do edifício que aloja uma delegação do FMI, agentes da polícia de intervenção instalaram um perímetro de segurança, protegendo as instalações da ira dos populares. Como os manifestantes engrossem, surgem petardos e arremesso de objectos. Uma moça destaca-se do ajuntamento que grita, percorre os poucos metros que a separa do cordão policial e abraça um polícia. O acto espontâneo, ou não, é captado por um fotógrafo, que a fará circular pela internet.    

Fotografia de Nuno Botelho/Expresso

Não vou dizer que não senti um arrepio de emoção quando escutei velhas consignas de um Abril desbotado com o decorrer dos tempos, como folhas secas, que os tristes e sonolentos varredores camarários, pela madrugada, mal repostos e saídos do aconchego dos lares, amontoam na berma, pachorrentamente, para que o carro do lixo que os segue atrás e a alguns metros, ronceiramente, as recolha.

 

Os jornais fizeram primeiras páginas a condizer e os mais ingénuos acreditaram que isso podia ser um começo… Claro que os sinos tocaram a rebate e uma das medidas mais contestadas do Governo, se assim se pode qualificar, ou todas elas, como na rua aconteceu, foram objecto de uma análise do vetusto Conselho de Estado, tendo os venerandos conselheiros, numa reunião que contou com a esclarecedora intervenção do ministro das finanças e entrou pela noite dentro, à excepção do Dr. Mário Soares que saiu antes, sem que a imprensa tenha noticiado se chegou a se pronunciar – mas cremos que sim –, exprimiram as suas respeitáveis opiniões.

 

Nos dias prévios, à convocação desse Conselho, o presidente dum dos partidos da coligação governamental, ministro de estado e titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, reduzira-se a um mutismo, apenas quebrado portas a dentro dos muros partidários, tendo os seus pares do secretariado multiplicado as intervenções contra aquela medida governamental.  

 

Finda a reunião, caída a TSU, o senhor Presidente da República declarou oficialmente a crise política enunciada entre os partidos da coligação governamental, inexistente; aliás, como declarara, dias antes, durante uma visita que fizera à província, creio que a um campo de golfe.

 

Compreendia o descontentamento popular, não podia ignorá-lo, mas como também dissera nos primeiros e tímidos rebentos de insatisfação popular, não era ingénuo…

 

Entretanto a CGTP manifestou-se no Terreiro do Paço.

 

Alguns partidos da oposição, com representação parlamentar, declararam a intenção de apresentar uma moção de censura ao governo. Outro, maioritário na oposição, declara que a moção apenas serve os partidos que apoiam o governo… enfim, a direita…

 

Um consultor do governo apelida de ignorantes os empresários e um destes responde-lhe que nunca trabalhou na vida…

 

Doem-me as costas… ou tudo de uma só vez …

 

Na praça permanecem ainda as esplanadas.

 

Praça que continua a ser conhecida como jardim, embora deste apenas reste umas quantas árvores, que constituem testemunhas oficiais do equilíbrio reclamado entre a preocupação ambiental e o novo ordenamento urbano. Novo ordenamento urbano foi a designação que escolhi, e pode-se dizer que me esforcei, para definir a politica monótona, de tanto repetida, de tudo reduzir a espaços planos e empedrados, o que antes era um jardim com um pequeno lago no meio, canteiros, plantas, floreiras com hidranjas, duas filas de árvores, contornado por uma via, e à direita e à esquerda mais um renque de árvores, nos passeios, junto aos edifícios.

Antigo Postal Ilustrado do Jardim das Freiras

É fim da tarde. No exterior dos cafés, nas mesas, jazem cinzeiros, pequenos pratos com chávenas manchadas de uma espuma castanho-escura nos rebordos, garrafas de plástico vazias, que os empregados se esqueceram de levantar. Grupos de três, quatro pessoas, ainda se encontram na esplanada, sentados, próximo da entrada para o interior do café e outros ligeiramente mais afastados, os braços apoiados nos tampos das mesas ou recostados na parte de trás dos assentos, junto ao vidro das montras corridas.

 

Reformados, professores nos intervalos ou fim das aulas, um ou outro a fazer tempo entre os afazeres diários, a consulta ao dentista, esperar pelos netos ou filhos que saem da escola, da mulher que nunca mais vem das compras ou do cabeleireiro, outros, simplesmente numa pausa do flanar pelas ruas.

 

Quem passa, apercebe-se sem dificuldade dos retalhos das conversas.

 

 

Duas senhoras ainda jovens, o chão coberto de sacos de papel, conversam animadamente e por momentos soltam gargalhadas, que as fazem encostar para trás, uma, os braços estendidos, a outra com eles cruzados no busto e a ambas baixar perigosamente a orla da blusa junto aos seios.

 

 

Numa mesa próxima, alguém levanta o rosto enfronhado nas páginas dum jornal desportivo, dá um jeito aos óculos, quase na ponta do nariz e regressa à leitura.

 

“ …Parece que saiu do partido e vai candidatar-se à Câmara…” – Escuta-se.

 

“ Como não o escolheram, escolheu-se.” – Diz o companheiro de mesa, a coçar a calva.

 

“ Olha qué capaz de tirar muitos votos ao outro…” E faz sinais de assentimento com a cabeça, ao mesmo tempo que pensa no genro desempregado e se talvez não seja o melhor momento…

 

“Quês ver, co gajo me vai multar… Isto, umas vezes pode-se estacionar, outras não…”

 

– Levanta-se apressadamente e ainda é possível ouvi-lo:

-“ Oh… senhor agente, só foi o tempo de ir ali registar o euromilhões…” E por lá fica à volta do agente.

 

Mais além.

 

“ Isto só lá vai com os militares.” E acrescenta, certo de ser bem escutado:

 

- “Não tenham dúvidas!”

 

Próximo, alguém se move um pouco na cadeira e olha para o lado, sem evitar o que um amigo, que por certo, ainda arrasta um pouco a perna direita, restos de um rebentamento duma mina no Ultramar, lhe confiara ironicamente sobre quem acabara de falar.

 

“ Sem esse homem, Portugal teria sofrido uma derrota afrontosa em África, o 25 de Abril nunca se teria dado e o 25 de Novembro teria sido um fiasco...”

 

Num canto da esplanada, próximo já da montra dum estabelecimento de roupa.

 

“ Os gajos estão à rasca, mais um apertão e lá vão todos de escantilhão…”

 

“ Como na Grécia…”

 

 – Observa alguém que bebe em pequenos sorvos o café, e limpa atabalhoadamente os pêlos da barba que quase lhe cobrem os lábios, com as costas da mão.

 

“ Esses são uns filósofos!”

 

“ Pois é, lá nasceu a democracia e a pena de desterro…” – Responde o de barbas e que ainda conserva a chávena de café nos dedos.

06
Jun12

Palavras colhidas do vento... por Mário Esteves


 

Frequentámos a mesma escola, a Escola da Estação, a escola dos “soqueiros”, assim chamada depreciativamente pela maior proveniência dos alunos do Bairro Operário ou Bairro Marechal Carmona, que, naqueles tempos, se alguns calçariam socos, outros já usariam outro calçado.

 

Grande parte seriam filhos de gente humilde, mas por lá andaram filhos de doutores e outros de classe média, que têm muito orgulho de lá terem frequentado a escola régia, como então se dizia, apesar da república já implantada e a viverem-se tempos do Estado Novo, não se furtando à convivência dos menos favorecidos pela fortuna, salvo nos jogos de futebol, por motivos à vista - já imaginaram uma canelada com socos ou botas de atanado com reforço de “testeiras” metálicas na biqueira ?...-,  no recreio, no logradouro em frente ao armazém da recolha dos cereais - é verdade, no concelho colhia-se trigo e centeio… -, ou num lameiro ao lado da Estação da CP, onde, frequentes vezes corriam, esbaforidos, sacola de serapilheira a tiracolo, a lata dos lápis (marca Viarco), o ponteiro e a caneta (pena) de aparo a chocalhar com a lousa, afugentados pelo irado dono, de varapau a descrever círculos ameaçadores no ar, que se queixava de lhe espantarem as crias e arrasarem aquele pedaço da pastagem, pequeno estádio onde as balizas eram duas pedras e já eram visíveis as peladas…

 

Escola da Estação que hoje mais parece um ovo estrelado na paisagem urbana, apesar do mérito das actividades que no seu interior se desenvolvem… dá ideia de ao pintar, alguém ter derramado acidentalmente um balde de tinta amarela e achando por bem o efeito garrido causado e para não despender mais energias, poupou-se ao bom senso estético e trabalho, fazendo alastrar a mancha por toda a superfície das paredes exteriores do edifício.

 

O vetusto imóvel não merecia tal desplante, agora, que se encontra a viver uma recatada e discreta reforma, enfronhado na memória das gerações de alunos, contínuos e professores que por lá passaram.

 

Perdoem a divagação…

 

 

 

 

Encontramo-nos agora algumas vezes à mesa do mesmo restaurante.

 

E à volta, poucos sabem que é um herói, e para variar, reconhecido.

 

Mereceu honras de ser destacado na imprensa regional e nacional, no entanto, disso não faz ostentação, nem o repete até à saciedade, como alguns fariam, por bem menos.

 

Num longínquo dia de Abril, do ano de 1966, a Senhora Isaura da Conceição, moradora no Bairro do Cruzeiro do Telhado, como assinala o Notícias de Chaves *, escutou o silvo próximo do comboio e saiu de sua casa.

 

Estarrecida - e seguimos de perto a descrição do mesmo jornal -, observou “uma criança de tenra idade se quedava tranquilamente entre os carris”, alheia ao perigo mortal, eminente.

 

Tentou retirar a criança, mas as forças e a distância não lhe permitiam acudir a tempo de salvá-la do avanço da locomotiva, pelo que gritou, desesperada, pedindo ajuda a um grupo de rapazes que brincava perto da via-férrea.

 

Daquele grupo, um dos rapazes, deparando-se com aquela tragédia prestes a ocorrer, correu à linha, ainda chegou a tropeçar, mas levantou-se e num salto, agarrou como pode a criança, indo cair do outro lado do carril, com ela abraçado.

 

O autor do artigo do jornal que temos vindo a citar, conclui a narrativa deste acto do seguinte modo:

 

-“Os dois rolaram pelo chão, talvez magoados, mas livres de perigo. Nesse mesmo instante, por assim dizer, o comboio passava, trepidante, pesado, monstruoso e veloz.”

 

Na altura, existia uma iniciativa conjunta da Sociedade Espanhola de Radiodifusão e da Ibéria, com representação em Portugal, do Rádio Clube Português, designada por: “Operação Plus Ultra”, que premiava anualmente crianças que se tinham destacado por actos de heroísmo.

 

O júri nacional, na sua segunda reunião, decidiu escolher o jovem flaviense, como merecedor do prémio.

 

Tinha onze anos, acabara com sucesso o exame da então “quarta classe da instrução primária”, em Julho daquele ano, e o seu nome era e é: David Teixeira da Silva; morava no Bairro Marechal Carmona e trabalhava com o seu pai, como aprendiz de pintor da construção civil.

 

 


 

Como disse, coincido algumas vezes com o David nos intervalos para o almoço, e numa dessas vezes perguntei-lhe se não teria algumas recordações do prémio que recebera.

 

Respondeu-me sem qualquer presunção que tinha algumas “coisas”.

 

As “coisas” que tinha são as imagens que a seguir divulgamos:

 

 

Chegada ao aeroporto de Barajas, Madrid

 

A receber o prémio

 

Reportagem da revista “Flama” das quais retiramos as ilustrações que seguem, sem quaisquer comentários e com as legendas originais:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na crónica anterior falámos de campeões, nesta falamos de heróis… e de Chaves!

 

Mário Esteves

 


* Não citamos o autor, por que o recorte do jornal cedido pelo amigo David é um artigo distribuído por páginas, do qual apenas tem a parte mais relevante, excluindo o final que certamente seria assinado.

 

 

- As fotografias e ilustrações foram gentilmente cedidas por David Teixeira da Silva e a ele pertencem em exclusiva e plena propriedade. 

 

 

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