Pedra de Toque - O Magusto
O magusto
Ao princípio da tarde, trepávamos, como que em peregrinação, lá bem para o Alto, o Alto da Forca.
O vento refrescava as nossas faces sadias de adolescentes e baloiçava com nossos cabelos.
As castanhas crepitavam na fogueira e estalavam ao som dos nossos sorrisos, da nossa alegria.
Do isolamento do local, quebrado pelos pilares em cimento, espreitávamos a cidades longínqua e pequena, perdendo-se no grande vale.
Rapazes e raparigas ríamos, cantávamos, segredávamos, aguardando a hora do magusto.
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Nem o frio travava o bulício que fervia nos nossos peitos.
A jeropiga doce, como os quinze anos, empurrava suavemente as castanhas que chegavam ao estômago aveludadas.
Forretes de ternura iam surgindo nos nossos rostos.
O calor subia e despertava nas almas a coragem para a primeira revelação amorosa, anunciada em esgares furtivos na conversa sobre o ponto de Inglês.
O sol escondia-se lentamente, e até a noite pousar, em pequenos grupos, sem grandes retiradas, buscávamos o isolamento possível para a declaração que se impunha, para as mãos incontroladas que se tocavam, para o beijo furtivo e corado que acontecia entre promessas solenes, infindáveis…
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Quando a escuridão caía, descíamos de encontro aos lares, plenos de felicidade, leves como plumas, poeticamente empertigados pela descoberta do primeiro amor.
Em casa esperava-nos a tolerância dos pais.
Era São Martinho, dia de castanhas e jeropiga, dia do tradicional magusto.
O frio, o cansaço e as emoções (fortes) do dia, eram convite irresistível para a cama, onde o sonho nos transportava ao dia seguinte, com um sorriso feliz no meio da boca, com um trejeito de mimo no centro da face.
António Roque