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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

14
Nov24

O Factor Humano

Os Rios Impossíveis


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Os rios impossíveis

15

 

Luca Argel esteve em Chaves. Quanta sorte e quanta honra! Num espectáculo promovido pelo Indieror.

 

Há um videoclip dele, no YouTube, " O rio que passa", um dos melhores que eu vi.

 

Fez renascer o impossível, sob a forma de um rio.

 

Assim nasceu, para a mesma melodia, este meu rio. ,

 

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O rio que nasce, cura 

Na imensidão dum olhar

Esta profunda amargura

Deste impossível lugar

 

Eu sinto que suas águas 

Lavam e levam pro mar

Tristezas que não acabam

Nem terminam de chegar

 

Pode ser que nos teus olhos

As mágoas façam correr

Ondas de sabor salgado

Que nunca ninguém vai ver

 

Só o rastro que elas deixam 

Como neve no Verão 

Caída na tua pele

Caiada por tua mão 

Manuel Cunha

07
Nov24

O Factor Humano

Os Rios Impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

14

 

E um dia até os rios impossíveis chegam ao fim.

Talvez aterrorizados com o significado da vitória de Trump nas eleições americanas.

Os últimos poemas sobreviventes extinguem-se nesta folha

 

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Poema 1

Onde me procuro

E não consigo

Ser contigo

Rio, para sempre

 

Poema 2

Rio

Onde te procuro

E não consigo

Ver-me livro

Na corrente

 

Poema 3

Outro rio

Tanto te procuro

E não consigo

Ver-me livre

Das correntes

Manuel Cunha

 

31
Out24

O Factor Humano

Os Rios Impossíveis - 13


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

13

 

Há rios que deviam ser impossíveis, mas que nascem para matar, como na tragédia do sul de Espanha, nestes terríveis dias de finais de Outubro.

 

E fica-nos apenas o refúgio da poesia, única forma de perdoar esses rios.

 

Poema 1

Caminho na memória, junto ao rio

Na mesma madrugada, em tantos anos

E mesmo se sozinho, estou contigo

É nesta solidão que caminhamos.

 

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Poema 2

Um rio perdeu-se das suas águas

Esquecendo-se das pontes cardeais

Que lhe tinham montado entre as fragas

Não ouviremos falar dele jamais.

 

 

Poema 3

Há um rio que nasce

Das palavras

Reúne fios de água

Em cada letra

Inunda-me o papel

E as suas margens

Desagua e renasce

Em quem tem sede.

 

Manuel Cunha

24
Out24

O Factor Humano

Os rios Impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

12

 

Fora daquele vale era um rio comum, com as suas águas ora lentas ora rápidas, limitado por amieiros frondosos, no Verão.

 

Mas entre as duas montanhas era bem diferente, só se deixava ver a espaços, oculto numa floresta de granito, e era preciso conhecer bem os caminhos, os seus recantos e os seus encantos, para a ele chegar.

 

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Uma abertura nas rochas, por onde os mais ágeis e menos volumosos conseguiam penetrar, e depois o deslumbramento de uma grande gruta, como uma catedral gótica, coroada por um céu azul, nos dias despejados de nuvens. Um rio que corre direito ao altar, debruado de fetos, até desaparecer debaixo do sítio onde deveria estar o crucifixo, e é engolido pelo futuro.

 

Vários metros à frente, noutro recanto do caminho, uma nova entrada, bem oculta para quem não a conheça, dá acesso a quatro toscos degraus, por onde se desce até um varandim de pedra. Quem aí se ajoelhar, pode espreitar outra vez o rio, que agora corre numa caverna menor, fazendo lembrar uma igreja cristã primitiva. Após os olhos se adaptarem `á luminosidade diminuída, podemos ver, nos dias de sorte, uma truta imóvel, voltada para a corrente, na expectativa de que esta lhe traga algum alimento.

 

Mas Manuel quando visitava aquele mistério, levava apenas um pequeno gravador, e escutava, ajoelhado, o canto Gregoriano do Convento de São Domingos de Silos.

Manuel Cunha

 

17
Out24

O Factor Humano

Os rios impossíveis


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Os rios impossíveis

11

 

Embora nem todos o confessem, o verdadeiro pescador de trutas gosta de ter o rio só para ele. Mais ainda, gostaria de ter um rio onde só ele pescasse, o que em geral é impossível.

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Fotografia de Inês Torrado

É verdade que todos querem, no fim da pesca, uma merenda boa, com salpicão, pão e "um copo", e que tudo isto se faça em camaradagem, descrevendo as peripécias do dia, recordando pela enésima vez histórias antigas.

 

Mas isso é só depois da pesca solitária...

 

Por isso este poema, um sonho de todos, ainda que com versos muito rudimentares!

 

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Fotografia de Inês Torrado

Porque será que ao pegar

Na caneta pra escrever

Sempre me ponho a pensar

Na água de um rio a correr?

Com uma leveza subtil

Límpida e sem descansar

Desce lá do seu covil

Na maldição de chegar

Se eu soubesse desenhar

Um labirinto para ela

Sem saída para o mar

Já viram coisa mais bela?

Um rio sem terminar

Libertado de ter fim

Eu, pescador, a sonhar

Todo um Mundo só pra mim!

Manuel Cunha (Pité)

 

10
Out24

O Factor Humano

Rios Impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

(10)

 

Ainda hoje, tantos anos depois, Manuel se lembra da primeira vez que viu a presa da M. no rio R.

 

A memória não lhe ficou gravada por uma qualquer beleza sobrenatural, embora ela fosse realmente muito bonita, nem sequer pela meia dúzia de trutas pescadas, em poucos minutos, nesse dia.

 

Recorda-se de quando se aproximou do rio estar a pensar no seu avô, encostado ao velho Volkswagen azul celeste, o cacifo de vime a tiracolo, a cana encostada ao ombro, o cigarro aceso, na mão direita, num longínquo mês de Maio. Teve então o sobressalto de olhar para o rio e ver, com uma nitidez tal que jura ter visto o próprio fumo a subir do cigarro, toda a cena que estava a circular na sua cabeça.

 

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Fotografia de Inês Torrado

Esfregou os olhos lentamente, para não espantar as trutas, e voltou a olhar, na expectativa de ver reflectidos nas águas, os robustos amieiros que na outra margem bordejavam o rio. Mas lá estava o seu avô, o bigode de sempre, o sinal debaixo do olho esquerdo, do qual pensava já não se recordar, o olhar triste de quem pressente que já não vai viver muito tempo, que já não vai pescar tantas vezes quantas necessitava.

 

Ficou imóvel a olhar fixamente o rio, vendo correr nas suas águas paradas as imagens do seu avô, fragmentadas mas nítidas, como quando sonhava.

 

Mas... um pescador é sempre um pescador, e ele lança a amostra e esta voa quase vinte metros até mergulhar no rio, mesmo encostada aos raizeiros da margem oposta. Um violento sacão, ainda antes de completar a primeira manivelada do carreto anuncia um trutão daqueles que são o sonho quotidiano e o motor dos pescadores.

 

Evaporam-se as imagens que corriam no rio, a vida reafirma-se, o sonho volta às profundezas, talvez onde antes estava a truta, sem saber que lá não estaria muito tempo.

Manuel Cunha (pité)

 

 

 

03
Out24

O Factor Humano

Rios Impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

(9)

Não precisava de invocar as suas origens nem o seu trajecto passado. Era filho de um rio mas tinha dado a volta por cima e partido à conquista do seu Mundo, cruzando um arco de granito, sobre o pai.

 

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Fotografia de Inês Torrado

Não tinha afluentes e o seu caudal era constante.

 

Levava a água para a aldeia de C. e por isso alguns lhe chamavam levada, outros agueira. Na realidade ele revia-se como um rio - quem sai aos seus não degenera - costumava dizer.

 

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Fotografia de Inês Torrado

Até se gabava de ter trutas, embora escassas e, em geral, pequenas, que se deixavam levar pela corrente, desde a longínqua presa onde nascia.

 

Mas a magia deste quase rio, mais do que rio, era a de visitar as casas da aldeia, entrando em cada uma delas, em leito de granito, por uma abertura rente ao chão, na parede voltada a norte.

 

E era ver as mulheres a colherem a água com um púcaro, enchendo o pote pousado nas brasas, ou a pia de granito onde lavavam a louça.

 

As águas sobrantes saíam pela parede voltada a sul e eram usadas para regar a horta ou matar a sede ao gado.

 

Levavam com elas os ais nocturnos do prazer e da dor, lavavam os sonhos das crianças embaladas pelo rumor da corrente desse quase rio, mais do que rio.

 

(com um abraço ao meu avô, Lelo da Tenenta, que num dia de Abril de 1972, me levou com ele à aldeia de C.)

Manuel Cunha (pité)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

26
Set24

O Factor Humano

Os Rios Impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

(8)

 

Poucos sabem já como se chega até ela.

 

Ninguém a atravessou nos últimos anos, e no entanto lá continua, não necessitando de olhares para se manter firme, em terras perdidas de um Barroso que não mais existe.

 

Já se fizeram pontes para dar acesso a um só moinho, num tempo em que o pão era o sonho dos pobres; pontes para comboios e para cabos eléctricos, até para lobos, mas aquela ponte, de arquitectura notavelmente simples, toda em granito poético e rugoso, foi feita para a água atravessar o rio, da margem direita para a margem esquerda.

 

Águas por cima de águas, correndo perpendiculares, numa delicada cruz de vida.

 

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Fotografia de Inês Torrado

A levada, agueira, como eles lhe chamam, nasce numa presa a montante, numa altitude superior à da aldeia de C. e trazia com ela a água de que todos necessitavam. Às vezes esta vinha recheada com rãs e até com trutas.

 

A orografia obrigou a construi-la na margem norte do rio e a poesia dos construtores permitiu-lhes imaginar a tal ponte, na qual a água atravessa o rio, para então se dirigir a C. situada na margem sul.

 

Um rio que dá à luz, e à escuridão, outro rio, que depois de um trajecto de infância próximo da mãe, dá a volta por cima e afasta-se para uma nova vida. Escolhe desaguar naquela aldeia e não ir morrer num qualquer oceano longínquo.

 

(Com um abraço para o Sbou, que me ensinou o caminho, e um dia atravessou a ponte comigo.)

  Manuel Cunha (pité)

 

 

19
Set24

O Factor Humano

Os Rios Impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

(7)

 

Quando se olhava desde o cimo da serra, era nítida a definição de um trajecto, de nordeste para sudoeste, como quem procura o mar.

 

No entanto era um rio sem correntes, descontínuo. Ia nascendo múltiplas vezes, em cada um dos seus generosos poços, alguns com mais de dez metros de diâmetro.

 

Apesar da transparência das suas águas, a profundidade dos poços não permitia que se avistasse o seu fundo, indefinido e misterioso.

 

A cor e o sabor das águas eram iguais em todos os poços e quando trovejava no cimo da serra, subiam os níveis das águas e estas tornavam-se barrentas, de montante para jusante.

 

Era neste estranho rio que Manuel pescava, com a minhoca, em especial nos dois poços iniciais, próximos da cumeada.

 

7-imagem.JPG

Desenho de Inês Torrado

Um dia prendeu, no poço a jusante, uma truta gigante, que acabou por lhe partir a linha, após um curto combate, e desaparecer na profundeza das águas.

 

Manuel sorriu, conformado, e substitui o fio por um nylon bem mais grosso, capaz de levantar um garrafão do chão.

 

Durante semana voltou ao mesmo poço, todos os fins de tarde, sempre sem sucesso.

 

Finalmente rendeu-se à realidade e foi tentar a sua sorte no poço a montante. Logo no primeiro lançamento a cana dobrou-se toda e o carreto "cantou", cedendo fio, que desta vez resistiu firme a um longo combate.

 

Quando finalmente venceu a truta Manuel afastou-se das águas e abriu-lhe a boca para libertar o anzol. Nessa altura viu, para seu espanto, um outro anzol igual, ainda com um pequeno nylon atado, na mandíbula superior do grande exemplar que tinha pescado.

Manuel Cunha (pité)

 

 

05
Set24

O Factor Humano

Os rios impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

(5)

 

Chegavam ao fim do dia, os quatro, num velho Volkswagen cinzento, autêntico todo-o-terreno, capaz de ir aonde os demais carros não chegavam.

 

Montavam a tenda, punham o velho pote ao lume até o ouvirem cantar, pronto a receber as batatas e as couves.

 

Depois estendiam as brasas e colocavam a velha grelha, cama final das postas de bacalhau.

 

5-pite1.jpg

Fotografia de Inês Torrado

 

Benziam a comida com azeite, descortiçavam o garrafão e contavam as primeiras histórias, pela enésima vez, enquanto os dentes se iam encontrando e triturando o repasto.

 

Já de barriga cheia, distribuíam pela primeira vez as cartas, dois contra dois, como mandam as regras, e durante longas horas jogavam à luz do petromax, até esgotarem o bagaço.

 

De manhã, fugiam do saco cama, antes do nascer do dia, faziam um café rápido no fogareiro, e empurravam-no para o estômago com biscoitos secos.

 

Depois dividiam-se em dois pares e dirigiam-se ao rio que corria livremente a escassos metros da tenda.

 

Cada um via o seu rio conforme a sua experiência e as suas memórias.

 

5-pite.jpg

Fotografia de Inês Torrado

Os que pescavam a truta à minhoca, mais atentos aos fundões e aos remansos , definidos pelas fragas que se impunham ao caudal.

 

Os pescadores de amostra, sempre lançando rio acima, aproveitavam as gralheiras, onde as trutas, imóveis, agitavam as barbatanas caudais, sempre na expectativa do que as águas lhes traziam.

 

Pescavam largas horas, nem sempre com grande sucesso, mas era um ritual mantido há muitos anos.

 

Nenhum dos quatro se recordava bem de como tinham descoberto este rio, onde nunca tinham visto qualquer outro pescador. cada um achava que tinha sido um outro a descobri-lo pela primeira vez.

 

Na aldeia mais próxima, quando paravam para beber uma cerveja, muitas vezes ainda com o equipamento da pesca, a senhora do café estranhava aqueles trajes, botas de pesca e cacifos, numa região na qual não passava nenhum rio.

Manuel Cunha (pité)

 

 

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