Devaneios
Esteve quase para não acontecer, mas o devaneio lá acabou por chegar, e hoje, como começámos o dia com poesia, o devaneio além de fotográfico, é também poético. Às vezes acontece assim!
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Esteve quase para não acontecer, mas o devaneio lá acabou por chegar, e hoje, como começámos o dia com poesia, o devaneio além de fotográfico, é também poético. Às vezes acontece assim!
De autocarro, de carro, de moto ou como calha, de vez em quando, lá vamos nós ver o mar... ah! pois vamos e até gostamos, mas depois voltamos. Tal como gostamos de ir, gostamos ainda mais de regressar à terrinha , alguns, outros ficam.
PÓVOA DE VARZIM
Embora esta rubrica seja apelidada de Reino Maravilhoso, - Douro e entre os montes, de vez em quando temos de sair fora do seu território, isto porque este Reino Maravilhoso do Douro e entre os montes também há pessoas, que por sinal são grandes viajantes, por lazer, mas também, a maioria, por necessidade, pois embora este reino tenha os seus encantos, o encanto só, não chega para viver, e parte-se para outras terras à procura daquilo que cá não temos, e uma delas é o mar e a praia, não em separado, embora entre os montes já tivesse dado grandes marinheiros e navegadores a esse mar salgado, mas, em geral, o que se procura é o mar e a praia, juntos. Assim, hoje vamos até à Póvoa de Varzim.
E o porque da Póvoa de Varzim!? Ora porque sim, porque a praia e o mar da Póvoa sempre foi a praia e mar dos flavienses, embora hoje em dia já não seja assim e facilmente a troquem por outras praias mais distantes, principalmente com água mais quente… mas garanto-vos que no século passado, pelo menos, mais ou menos até ao 25 de abril, assim o era. Alugava-se casa por 15 dias ou ao mês e lá ia a família toda, ou não… e ia-se até lá, não para trabalhar para o bronze, mas principalmente pelos benefícios da praia e do iodo, sem protetor solar, quando muito um creme nívea ou até manteiga de cacau, que penso, nem o creme nem a manteiga, protegiam dos malefícios do sol, mas pelo menos a manteiga cheirava bem…
Sei que ainda hoje há famílias que ainda mantêm a praia e o mar da póvoa como seus, inclusive houve quem comprasse lá casa para esse fim. E como é que sei isto tudo!? Pois é muito simples, a praia e o mar da póvoa também foi a minha praia e o meu mar dos 7 aos 14 anos, foi lá que aprendi a nadar, era lá que mudava de pele, eu e muitos como eu, que esperávamos todo um ano para ir à praia, em que na noite anterior, com a ansiedade e medo de perder o comboio ou a carreira de Braga, nem dormia. Era tempo de “Oh Zé, Oh Zé, Oh Zé, rebentar a bexiga na caneca do café…”. Oh, se era, e eramos felizes. Esta do Zé não é para todos entenderem, mas garanto-vos que há uns milhares de pessoas que até a música sabem. Se algum está aí desse lado, entende bem e a o mar e praia da Póvoa de Varzim eram ou não a nossa praia!?
Hoje já não é a minha praia, mas de vez em quando ainda passo por lá para rever e reviver memorias do tempo em que era, rever principalmente aquilo que cá não tínhamos, como praça de touros, o nosso lugar na praia, o casino, o forte, o porto de mar os antigos bombeiros e a sua sirene ensurdecedora em dias de nevoeiro, dias esses, que quando mais frios, eram de dupla festa, eram dias de sair da rotina, ir até ao centro histórico ou em passeios até aos campos próximos do aqueduto para umas manhas ou tardes de futebol. Centro histórico que por sinal é bem interessante, descoberta recente, pois na minha memória, da Póvoa, só o mar, a praia e um gelado por dia, que o dinheiro não dava para mais.
De vez em quando vamos sair de entre os montes, mas sempre aquém Rio Douro, saindo do Reino Maravilhoso, mas dentro da antiga Galaécia.
Penso que a primeira vez que vi o mar a sério, tinha eu 7 anos. Geralmente o pessoal de Chaves tinha como seu mar o da Póvoa de Varzim. Para mim também não foi exceção, o mar da Póvoa, também foi o meu primeiro mar. Lembro que quando lhe pus os olhos a sério, com a brisa a passar-me nas faces, o cheiro a entrar-me nas narinas e o rebentar das ondas na areia a povoar todos os sons, fiquei durante uns minutos extasiado com o despertar de todos os sentidos na imensidão do mar. Ainda hoje, quando depois de alguma ausência, volto à beira mar e, embora mais breves, tenho as mesmas sensações, principalmente se o mar é o da Póvoa ou, um pouco mais acima ou pouco mais abaixo, se o mar é o mar do norte. Talvez reminiscências de infância.
Comecei pelo mar porque acabei de fazer uma breve visita a esse mar do Norte, um pouco mais abaixo que o da Póvoa, mas um mar igual. O Coelho não me deixou ir mais longe nem por mais tempo. Não compreendi ainda muito bem porque, mas também estou de castigo, mas isso são contas de outro rosário, pois estando eu num daqueles momentos de reflexão, rodeado de areia e só com a imensidão do mar à minha frente, em apreciação mais uma vez, e por muita beleza que tivesse o momento, dei-me conta de que o mar e a sua poesia não é tudo, faltam-lhe as minhas montanhas, a minha gente, o cheiro da terra e o calor da nossa terrinha. Veio-me então à lembrança uma visita que fiz há uns meses atrás a uma aldeia em encontrei por lá um dos poucos jovens habitantes (vinte e poucos anos) e quando lhe perguntei o que era feito do pessoal da idade dele, ele respondeu-me : “abalaram todos pra fora”. Então e tu? Perguntei-lhe, e a resposta foi pronta: “eu… eu gosto desta merda” .
Pois eu também, gosto disto, e enquanto me deixarem, continuará a ser a terra aonde sempre regresso, para as minhas longas temporadas e apenas interrompidas por breves dias em outras paragens, que também sabem bem, ó se sabem, mas também é nessas breves ausências que as coisas que aqui não têm importância nenhuma, ganham toda a importância do mundo.
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"A Praia dos Flavienses"
O despertador tocava forte, ainda o dia estava longe de clarear.
E acordava toda a gente da casa, que excitada pela viagem não conseguira a profundidade do sono.
Os mais velhos eram os primeiros a largar a cama e numa de bondade, enquanto ultimavam as malas e as merendas, permitiam mais uns minutinhos de preguiça à miudagem.
Depois vinha o alvoroço, a azáfama na casa, o comer ou não comer qualquer coisa, importante para evitar o enjoo, a correria escadas a baixo em direcção à rua, rumo à estação, não fosse o comboio partir ...
Os grandes malotes de porão, cheiinhos de lençóis, cobertores (na Póvoa à noite refresca...), pratos, tachos e panelas, seguiam antes para despacho na carroça da velha Pássara.
Em grupo, quais peregrinos, atravessávamos a cidade, que quási findava no Monumento, onde nascia o cheiro do comboio que na estação fumegava.
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Mas nas narinas levávamos também o sabor da maresia que ficara do ano anterior, o gosto do picadeiro que iríamos percorrer na neblina do Passeio Alegre, o som da ronca do Cego do Maio olhando as ondas e a espuma deste país de marinheiros.
A viagem longa era uma vertigem festiva com o comboio acordando com o seu apitar estridente, gentes, animais, vales e montes por onde, lindo serpenteava.
A carruagem era um deslumbrante miradouro em movimento, onde cantávamos, riamos e atacávamos a fome nos suculentos farnéis.
Na Régua acontecia o primeiro e inevitável transbordo.
O comboio era outro, as pessoas eram outras e diferentes, a viagem decorria mais célere.
Já passava da uma da tarde - a partida de Chaves tinha acontecido ás seis da manhã - quando, após o túnel que infundia temor e respeito aos mais novos, vislumbrávamos a monumental Estação de São Bento, na cidade grande, onde depois do chiar dos freios e do último solavanco, o comboio definitivamente parava.
Mas a odisseia ainda não terminara.
Era preciso atravessar a baixa portuense até à Trindade, o que devido à bagagem (toda a espécie de sacos e saquinhos), só em táxis se podia concretizar.
Chegávamos então ao último troço da aventura.
A Póvoa estava perto.
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Mais uma hora de comboio desta vez mais rápido e nossos olhos pousavam no mar infindo e azul.
A tarde já ia a meio, quando a senhora da casa alugada nos recebia.
Nas arrumações necessárias, estorvávamos mais do que ajudávamos.
Em pulgas, corríamos ao mar para molhar os pés em água fria e salgada, trepar e correr nas areias brancas.
As ruas da Póvoa esperavam-nos e nós procurávamos caras conhecidas, os cartazes dos filmes que o Póvoa Cine e o Garrett exibiam e sobretudo os olhos da jovem que no último Agosto se grudaram à nossa memória afectiva.
A mãe, a avó, as tias e a criada (o pai e o avô só chegariam no fim de semana), nesse dia não tinham tempo para fazer a janta.
Comia-se o muito que sobrara da farta merenda acrescida com a panocha adquirida em Valongo, regada pela água fresquinha da bilha comprada na Régua.
O sono chegava cedo, embalado pelo cheiro do mar e pelo cansaço da euforia da viagem.
No dia seguinte, começavam as férias inesquecíveis na Póvoa do Mar, a Póvoa do Varzim, a Praia dos Flavienses.
António Roque
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Foto interessante e a preservar! Parabéns.
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