Outeiro Seco - Aldeia e Freguesia
Finalmente vamos até Outeiro Seco, mas hoje, ao contrário do habitual e devido a limitações impostas pelo SAPO, os post será composto de três partes, e em três posts.
I PARTE
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Abordar Outeiro Seco é complicado e pelas mais variadas razões, começando logo pelo seu ser como aldeia, a aldeia típica transmontana que embora ainda o seja com toda a sua beleza e tipicidade, já há muito que não o é, pois nela estão implantados equipamentos urbanos próprios das cidades e dos seus arredores, afinal, arredores nos quais está integrada Outeiro Seco, dando mesmo, nesta década, origem a uma freguesia urbana saída do seu território.
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Talvez daí Outeiro Seco assumir em placa na sua entrada da aldeia, a TRADIÇÃO e a MODERNIDADE, que embora não se conjuguem lá muito bem também não se querem de costas voltadas e, podem ser até boas amigas, um pouco como, teoricamente, acontece ou deveria acontecer nas relações da cidade com o mundo rural, pois a não serem amigas corre-se o risco de a MODERNIDADE ser uma feroz inimiga da TRADIÇÃO podendo mesmo acabar com ela.
Durante estes anos de blog andei também a tentar descobrir e compreender a tal TRADIÇÃO de Outeiro Seco e onde ela se conjuga ou não com a MODERNIDADE. Quanto à MODERNIDADE, não tenho dúvidas, ela é bem visível, como aliás o é sempre e, nem sempre pelas melhores razões.
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Quanto à TRADIÇÃO, aí a coisa já pia mais fino, pois TRADIÇÃO é uma palavra muito complexa que não pode ser usada levianamente porque a ela estão sempre associadas raízes profundas onde quase sempre o preservar é muito mais importante que modernizar e, quando se moderniza, deve-se ter o cuidado de como se moderniza tendo em conta uma modernização sustentada sempre atenta à preservação da TRADIÇÃO…mas isto são outros assuntos, porque eles até nem se aplicam a Outeiro Seco. Não quero com isto dizer que Outeiro Seco não tenha as suas tradições e muito
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menos a MODERNIDADE, porque as tem, mas embora as tenha, parecem ser indiferentes uma à outra e, assim, entendo eu que estou de fora e não falo com o coração, a placa de entrada onde se lê TRADIÇÃO e MODERNIDADE deve ser lida como se lê um cartaz a anunciar um jogo de futebol dentre duas equipas, em que cada uma faz o seu jogo no campo e tenta ganhar à equipa adversária, onde, quase sempre ganha a mais forte, a que tem mais dinheiro, a que tem melhores jogadores e sabe jogar dentro e fora do campo sem olhar a meios para atingir a vitória, com ou sem fruta.
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Postas as coisas em termos futebolísticos, neste encontro travado no campo de Outeiro Seco entre a TRADIÇÃO e a MODERNIDADE, a segunda, a equipa visitante, parece estar a dar uma cabazada à TRADIÇÃO, assistindo esta, apática, a todas as jogadas da MODERNIDADE, prostrada e sem qualquer reacção. Indiferente, ou se não o é, parece.
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TRADIÇÃO e MODERNIDADE - Aquilo que se vê.
Primeiro a cidade entra pelo território de Outeiro Seco quase sem pedir autorização e a solução, em vez de Outeiro Seco reivindicar e se assumir como uma grande freguesia urbana, um autêntico braço direito da cidade, cede parte do seu território para uma nova freguesia, ou seja, fechou-se no seu núcleo tradicional de aldeia provinciana, na aldeia de sempre, e afasta-se da cidade, embora pareça que a TRADIÇÃO ficou a ganhar, foi a MODERNIDADE que ganhou uma freguesia roubando território à TRADIÇÃO. Em suma o resultado do jogo inicia-se com: TRADIÇÃO - 0 * MODERNIDADE - 1.
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Mas vamos por partes e deixemos a MODERNIDADE para o final. Vamos para a TRADIÇÃO, para Outeiro Seco aldeia fechada no seu núcleo, para os seus valores como aldeia, começando pela sua história, bem remota por sinal.
Um pouco da história mais antiga
Há historiadores que defende que na época do Império Romano, a cidade de Aquae Flaviae se poderia estender até às actuais terras de Outeiro Seco.
Os inúmeros vestígios romanos podem confirmar essa teoria, como a ara (com data provável o Sec. II) já atrás referida, mas também os fornos de fabrico de material cerâmico para construção. Com a descoberta destes fornos, poder-se-á pensar mesmo (sou eu a deduzir) que Outeiro Seco poderia funcionar como a zona industrial Romana da cidade de Aquae Flaviae, onde, também se acredita que tivessem existido explorações mineiras de ouro, pelo menos a julgar por notícias relacionadas com o lugar de Lagares, que para isso apontam.
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Mas o povoamento de Outeiro Seco será muito anterior ao povoamento Romano, pois graças as suas óptimas condições de terras planas e de veiga fértil, a julgar por achados arqueológicos, terão atraído às suas terras povoados pelo menos desde uma fase final da Pré-história, dos primórdios da metalurgia, remontando ao III milénio A.C.
O Castro de Santana, por outro lado, aparece como arrolado a um povoado fortificado da idade do Ferro.
Quanto às origens paroquiais de S.Miguel de Outeiro Seco, estas remontarão à época pré-nacional . Nas inquisições dos reinados de D.Afonso II e III (1220 e 1258), no Julgado de Chaves, existiam separadamente as freguesias de Outeiro Seco e Santa Maria da Azinheira.
Ao contrários dos tempos actuais, há séculos, Outeiro Seco integrou nas suas terras esta freguesia de Santa Maria da Azinheira, na qual está implantada a Igreja da Senhora da Azinheira.
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De data muito mais recente, testemunhei a existência em duas casas, uma no Largo da Mesa de Pedra e outra junto ao cruzeiro do Solar dos Montalvões (actualmente em obras – a casa, infelizmente não é o solar) de figuras gravadas na pedra das construções com representação de animais e outras figuras (um burro ou coisa parecida, uma pomba ou outra qualquer ave, bolas e duas chaves, umas rosetas, um arranjo floral, uma máscara ou rosto e outras figuras de animais e escudos). Parece tratar-se de um possível e também importante povoado de uma comunidade judaica.
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Junto da casa onde funcionou em tempos passados o Julgado de Paz e em frente a uma das atrás referenciadas no capítulo anterior, existe uma mesa de pedra que parece ter tido também funções históricas e à qual o povo dedica uns versos:
Adeus ó pedra de mesa,
Do Bairrinho do Pontão,
Onde se faziam audiências,
Donde se concedeu algo de perdão.
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Perdão esse, que também parece estar associado a quem atingisse a entrada principal do Solar dos Montalvões, e neste, não só o perdão, mas também o matar de muita fome a gentes do povo, pelo menos é o que consta nas conversas que tivemos com gentes de outeiro Seco e confirmadas pelo meu cicerone Carlos Félix e também por Berto Alferes nalgumas contribuições que tem feito no seu blog e para o Blog das Velharias, que à frente referenciaremos. Mas antes, vamos às Igrejas e Capelas de Outeiro Seco.
As Igrejas e Capelas
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A Igreja Românica da Senhora da Azinheira é sem dúvida alguma o ex-líbris da aldeia de Outeiro Seco, mas também da freguesia e uma referência para o concelho e para a região, sendo também uma referência do Românico no Norte de Portugal e Galiza. Monumento românico do século XII ou XIII (diferem as opiniões ao respeito), classificada como “Imóvel de Interesse Público” desde 1938, devendo-se ao Prof. Virgílio Correia a sua valorização como uma esplêndida obra de arte, através de uma minuciosa descrição feita em 1924, na obra “Monumentos e Esculturas”. No seu interior está decorada, nas duas paredes laterais, com valiosos frescos quinhentistas, embora algo degradados. Bons dias se poderão aproximar para este templo do românico com a recente notícia de ser um dos templos do românico contemplados com obras de restauro com base num protocolo assinado entre o nosso Governo, o Governo Galego e a Iberdrola (a tal das barragens do Tâmega – ninguém dá nada de borla).
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Da Igreja da Senhora da Azinheira, um belíssimo exemplar da arte românica, só temos pena que ela não esteja com as portas abertas ao público para turista ou passante interessado poder visitar e valorizar. Talvez, fica a dica, pedindo ao Centro de Emprego (penso que existem programas para tal), pudessem dispensar um dos seus desempregados para abrir, guardar e fechar portas diariamente. Era uma mais-valia para a TRADIÇÃO de Outeiro Seco e para o turismo religioso de fronteira, que curiosamente este fim-de-semana até tem Jornadas marcadas para Chaves.
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No centro da aldeia encontra-se a Igreja Paroquial de construção em estilo barroco e de devoção a S. Miguel, o orágo da freguesia.. A igreja possui um belo retábulo também barroco em talha dourada, sendo nela que se realizam todas as cerimónias religiosas da freguesia.
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A Capela de Stª Ana, construída em cima de um altar rupestre, à qual está associada uma interessante lenda. Conta a mesma que a imagem de Santa Ana apareceu em cima do altar rupestre. A população conduziu a imagem para a Igreja românica que lhe fica em frente. Porém, a imagem misteriosamente, voltou para a fraga, com a face voltada para o pôr-do-sol. Vieram romeiros e a imagem era recolocada na Igreja românica, toda enfeitada de flores, mas ela voltava sempre à fraga. Então a população construiu-lhe uma capelinha nesse local que tomou o nome de Monte de Santa Ana. Desde então, nas procissões de 8 de Setembro, dia da festa da Senhora da Azinheira (esta sim de grande TRADIÇÃO), ela desfila no seu andor, oferta das mães de Outeiro Seco que a tomaram como protectora.
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A Capela da Senhora do Rosário, no centro da aldeia, na qual está depositada uma ara romana, segundo se julga, dedicada por Caio Fuscus ao Deus Hermes Eidevoro, oferecida pelo êxito do espectáculo de gladiadores. Também a esta ara está associada uma lenda. Diz ela que a ara apareceu em tempos remotos no cimo das águas que inundaram a aldeia na consequência de uma forte trovoada. A ara foi recolhida e, para além do seu valor histórico, passou a ser também um escudo protector contra os malefícios das trovoadas.
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A Capela de Nossa Senhora da Portela, na extremidade Norte da aldeia, do século XVII ou XVIII, onde está sepultado o Capitão de Cavalos José Álvares Ferreira e possui um interessante cruzeiro no seu adro. Pena que por parte das empresas que procedem a colocação dos postes de electricidade e respectivos cabos não haja o cuidado e gosto de afastar estas infra-estruturas das capelas e outros pontos de interesse, pois conseguir uma foto desta capela sem os malditos postes ou cabos da MODERNIDADE é quase missão impossível.
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A Capela de Santa Rita, integrada no Solar dos Montalvões e da qual hoje praticamente só resta a fachada, pois o interior foi vandalizado, é outra que, mesmo assim, merece uma visita (infelizmente apenas à fachada).
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Sem dúvida alguma que Outeiro Seco possui um importante património religioso de Igrejas e Capelas, como também de peças de arte sacra (santos) desses mesmos templos, para além de uma interessantíssima Via Sacra que prolonga as suas cruzes muito além da aldeia e também dois cruzeiros. Mas no que respeita aos santos, espante-se, alguém mandou retirar os santos das respectivas capelas e reuni-los a todos na Igreja Paroquial. Ao que apurei, a razão de tal (julga-se) prende-se com o medo dos santos serem roubados das respectivas capelas.
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Se a razão até pode ser aceitável também se corre o risco de num roubo, só de uma vez, levarem todos os santos da freguesia, pois tal como as Capelas, também a Igreja Paroquial pode ser vitima de um assalto. Por outro lado, as capelas sem os respectivos santos, perdem todo o seu interesse e até religiosidade ou devoção, pois para ser capela ou igreja, não bastam as suas paredes. Até dá para dizer que capelas sem santos, são como uma procissão sem andores…e já que não os ai, também sem povo para ajoelhar. Mas se há gente de Outeiro Seco que até se conforma com a decisão, há também que não se conforme com tal. Uma dessas pessoas é Berto Alferes que denuncia o caso numa interessante publicação intitulada “Altares Vazios…” onde além
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da denúncia e outros assuntos, é também um autêntico trabalho de investigação à procura dos Santos, sinos, vestes e outros da freguesia, que ele consegue descobrir e fotografar, reproduzindo-as nesta publicação. Publicação essa, edição de autor (ou de blog), que era oferecida a troco de um donativo de 5€ para a AMA – Associação Mãos Amigas de Outeiro Seco. Se a ideia e atitude do autor é de louvar e elogiar, já não o é a atitude do “poder instituído” e não instituído de Outeiro Seco, pois à boa maneira de antigamente, “censurou” a publicação, não permitindo que nas suas instalações e instalações que controlam, a publicação pudesse ser oferecida a troco do respectivo donativo.
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Felizmente, através de mãos amigas, consegui um exemplar, contribuído também com os 5 € para a AMA, mas ganhando uma publicação, ainda por cima de tiragem reduzida (apenas 100 exemplares) que conta e reúne em fotografia toda a história religiosa de Outeiro Seco, um valioso documento. Toda a história desta publicação é contada no Blog Outeiro Seco aqi, mas também contada por aí…, a quem não achou piada aos acontecimentos (e não me refiro ao autor). Esta cidade é uma aldeia e tudo se sabe! Temos pena, que em pleno Séc. XXI, já com trinta e poucos anos de democracia, ainda se continuem a praticar actos do antigamente em que a liberdade de expressão e opinião, democraticamente, ainda seja censurada.
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Mas vamos continuar com aquilo que Outeiro Seco tem de melhor, ou tinha, com um daqueles que foi o seu património civil e arquitectónico mais valioso e que a par da Igreja Românica da Senhora da Azinheira, é(ra) também um dos seus ex-líbris – o Solar dos Montalvões.
Já a seguir, a II PARTE.