Ainda o Natal e o Presépio da Casa de Santa Marta
Eu sou da colheita de 60, ou seja, ainda vivi uns anitos no antes 25 de Abril , precisamente também um período em que eu, por ainda ser criança, vivia os Natais mais intensamente e com todas as ilusões que o imaginário de uma criança cria à volta da quadra natalícia, não só por ter toda a família mais próxima reunida na noite de consoada e dia de Natal, mas também por toda a festa ligada à quadra e que se iniciava uns dias antes com a montagem e enfeitar do pinheirinho, que então era mesmo pinheirinho, e a montagem do presépio, que mais espampanante ou humilde, existia sempre, tal como aqueles chocolates que imitavam cenouras, moedas, peixinhos, entre outros, que “misteriosamente” iam desaparecendo do pinherinho… e que era a única coisa que se comprava para decoração, pois as peças do presépio eram guardadas religiosamente de uns anos para os outros e os restantes adereços do eram feitos com musgo, areia, pequenos ramos de árvores e até os bugalhos dos carvalhos tinham o ar da sua graça por entre os verdes com as bolinhas vermelhas dos azevinhos, tudo retirado de um monte ou serra perto de nós e que no meu caso, tinha a Serra do Brunheiro por fornecedora.
Mas não era só o presépio dos lares, pois nalguns bairros, praças e igrejas, havia sempre um presépio, estes sim, geralmente majestosos, com peças de grande dimensões, alguns com efeitos mecânicos, com rios que tinham água corrente e figuras com movimento.
Quanto a presentes, com jeitinho recebia-mos um, que às vezes até era um brinquedo. Trazido pelo Menino Jesus durante a madrugada do dia 25 de Dezembro e só quando todos estivessem a dormir e, desde que não tivéssemos esquecido de deixar um dos nossos sapatos junto ao pinheirinho. Claro que o Menino Jesus estava sempre atento aos nossos actos e ao nosso crescimento e quando nos portávamos mal ou nos tornávamos adolescentes, o menino Jesus deixava o nosso sapata vazio. Com sorte, às vezes ainda restava um chocolate no pinheirinho para consolar a nossa mágoa.
Então e o Pai Natal!? – perguntarão os mais novos. Pois a esse senhor só o conheci no pós 25 de Abril, até aí nunca o tinha visto ou sequer ouvido falar dele, nem das renas nem do trenó. A coisa mais parecida que com muita imaginação poderíamos comparar, talvez fosse a de três senhores que andavam sempre juntos, mas montavam camelos e eram Reis Magos, mas esses estavam no presépio, em fila indiana a caminho da cabana do menino Jesus, sem nunca a atingirem e não nos traziam presentes.
O Pai Natal entrou por Portugal adentro com a revolução de Abril e com ele veio também a coca-cola, a multiplicação dos presentes de Natal e muitas mais coisas e celebrações, sobretudo se eram comerciais e ajudavam a vender, como o Dia de S.Valentim e ultimamente o Halloween.
Há dois dias atrás, António Freitas de Sousa no Económico dizia “ O Pai Natal entrou na vida dos portugueses depois de um golpe de Estado sobre o menino Jesus”. Pois embora não tivesse sido bem assim, ele foi entrando mais pela mão dos comerciantes com a figura simpática de um velhote de barbas brancas, bonacheirão, gorducho, vestido de vermelho e muito bom vendedor, sobretudo ele entrou muito bem nos olhos das crianças com a cumplicidade dos pais que até foram deixando esquecidas as tradições do Natal que envolviam o menino Jesus, e depois era difícil desmontar e contradizer toda uma “evidência” alimentada pelo grande comércio, televisões, revistas e até filmes que pareciam tão reais, tão reais, que quase parecia que o Pai Natal existia mesmo. Afinal de contas o Pai Natal era apenas uma mentira, tal como a do menino Jesus a deixar presentes no sapatinho, e instalou-se de bagagens, renas e trenós em todos os nossos Natais, mas, já não está tão mãos largas como nos anos anteriores. Voltando a A.F.Sousa, no mesmo Económico dizia: “Os níveis de consumo nacionais - que tradicionalmente têm no quarto trimestre um paraíso que não se repete nos restantes nove meses do ano - caíram para quadrantes que, até há um ano, ninguém podia imaginar. O que os portugueses questionam neste momento é se o Natal algum dia voltará a ser aquilo a que nos habituou nos últimos trinta anos.” E para os mais tradicionalistas (os anti Pai Natal) ele acrescenta umas palavras animadoras “Este é, portanto, o primeiro Natal do resto das nossas vidas e, a nós que ainda somos portugueses, só nos resta optar por uma de duas soluções: regressar ao espírito primeiro do Natal, aquele em que os valores da amizade e da família eram os que se impunham e onde os presentes eram um acessório que não passava do registo da ‘lembrança'; ou transformar a noite de 24 de Dezembro numa lamúria colectiva, onde a missa do galo acabará por travestir-se de requiem pelos anos de glória. Ainda assim, a primeira opção parece ser a mais aceitável.
Quanto ao pai Natal - personagem que nunca mais foi a mesma desde que a ‘troika' arribou ao Aeroporto de Pedras Rubras - ninguém sabe qual será o seu destino português. Mas o mais certo é virmos a encontrá-lo um dia destes, desfigurado e velho, caído a um canto à espera da côdea de um resgate.”
Eu confesso que já começo a fazer verdadeiras estas palavras e embora em nada me incomode voltar aos antigos valores da amizade e da família dos antigos Natais, antes pelo contrário, e que também nada me incomode que o gorducho das barbas brancas deixe de entrar pelos olhos das crianças, já me preocupa e incomoda que seja obrigado a tal.
Enfim, a conversa descambou para aqui e depois lá diz a sabedoria do povo: “ Quem não se sente não é filho de boa gente” …mas o que eu queria mesmo era dar-vos a conhecer e mostrar um pouco, embora muito aquém da realidade, do presépio da Casa de Santa Marta em Chaves, que está aberto às visitas do público e que este sim, deve ser visitado e mostrado às nossas crianças.
Um presépio feito com mestria e que merece uma visita e, posso-vos garantir que sairão de lá encantados com aquilo que se vê, com os pormenores, como os jogos de luz que reproduzem desde o dia a uma noite de céu estrelado, como o movimento de muitas figuras, com a água corrente do rio, do pescador, do oleiro, os anjos a descer do céu, as ruas e outras cenas que se desenvolvem numa segunda dimensão para além do presépio de superfície.
Garanto-vos que na minha meninice vi muitos presépios, mas daqueles que ainda tenho na recordação nenhum ultrapassa a beleza e arte deste presépio, distribuído por cerca de dez metros quadrados e que será uma pena se não o visitar. Para os que estão fora da terrinha, deixo as imagens que embora longe de poderem sentir a sensação da sua dimensão ao vivo, ficam com uma ideia daquilo que pode ser.