Uma árvore e um presépio
José Carlos Barros
GOSTO do Natal ainda que o Natal seja cada vez mais a procura de um lugar que não existe. Gosto do Natal ainda que o Natal seja cada vez mais a imagem de uma impossibilidade. Em Dezembro, ano após ano, procuramos dentro de nós a força que nos ajude a recuperar um lugar ou a aproximarmo-nos dele. Cada vez nos afastamos mais desse lugar. E cada vez nos esforçamos mais por nos aproximarmos dele.
O NATAL é ainda, será sempre, o frio. O frio para que faça sentido acender as lareiras e apeteça chegar a casa e sair de casa com casacos e gorros. A chuva. A geada. Ou a neve: o branco sobre os campos e os passeios e as ruas como o algodão da árvore de Natal. E o presépio: não mais que uma dúzia de pequenas imagens de barro. O musgo disposto cuidadosamente pelo espaço todo: a base. A serradura a desenhar os caminhos. Duas ou três ovelhas. Os reis magos. A cabana a fazer de estábulo. Maria, José, o Menino Jesus. Nessa altura não se discutia ainda se o boi e o burro tinham lugar. O boi que conhece o seu amo. O burro que conhece a manjedoura do seu senhor.
O NATAL é um lugar que fica sobretudo na infância. Descia-se até à curva do rio, subia-se depois pelo estradão de um bosque. Não era ainda o tempo dos pinheiros de plástico: escolhia-se demoradamente a árvore, entre mil, que deixaria de ser uma árvore para passar a ser a árvore de Natal. E é assim: ano após ano. O presépio e a árvore, o cheiro dos fritos e a surpresa dos presentes embrulhados em papel de fantasia, a fogueira na rua, a neve, os pinhões, o jogo do rapa e
o desconhecimento da morte. Isso, sobretudo, era o Natal: o desconhecimento da morte. Porque na mesa do Natal não havia ainda nenhum lugar vazio.
O NATAL é um lugar que fica na infância. Só uma criança conhece o segredo que transforma uma árvore numa árvore de Natal.