Chá de Urze com Flores de Torga - 17
“Transmontanos de Chaves:
De novo um aceno de redenção social vos alvoroça, e de novo eu estou junto de vós, em espírito. Quero ser mais uma esperança entre a multidão, um irmão, pela terra e pelos anseios, no meio da sua família. Nenhum dever é mais premente do que o da presença ao lado dos seus nas grandes horas, e nenhuma alegria maior.
Grande hora é realmente esta em que podemos proclamar alto os princípios que durante longos anos guardámos no silêncio das nossas consciências. Não por mercê de nenhum senhor, mas pela nobreza heroica com que fomos fiéis à Verdade, conseguimos resistir a todos os desgastes, e ter agora a certeza palpável de que chega sempre o dia do resgate. Tanta razão nos assistia, tanto pôde a torrente, que o dique aluiu e deixou aparecer a força que represava.
As nossas vicissitudes duram há muito, e talvez continuem. Mas por mais dolorosas que fossem e terríveis que venham a ser, estas abertas de sol que de vez em quando nos iluminam provam-nos que para lá do nevoeiro e da tristeza nos espera o tempo da inteira claridade.
Da certeza desse mundo melhor correrá sempre, pura, incorruptível, a fonte do nosso fraterno amor pelo semelhante e do insofismável respeito pela sua pessoa humana: a fome que uma tirânica incompreensão teima em estancar, e que um dia há-de acabar por arrasar de todo os muros que tolhem ainda a sua marcha natural.
Sentinela de uma pátria que faremos cada vez mais portuguesa e mais universal, o povo de Chaves conhece como nenhum outro o que é ser livre e consciente. Por isso é uma grande honra e um grande favor do destino poder-se compartilhar da sua lição, como camarada de armas e como transmontano. Do alto do seu castelo de esperança, os horizontes do futuro alargam-se com fecundidade. Em vez de maninhos chavascais de traição, uma veiga ubérrima onde o trabalho seja um acto de dignidade e de paz”
Apetecia-me terminar aqui, sem mais palavras, este apelo de Torga, mas também eu sou fiel à Verdade, o que, me obriga a referenciar o texto. Pois o texto atrás transcrito data de 1949 e foi uma mensagem enviada por Miguel Torga ao povo de Chaves e publicada em folha volante, no contexto da candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, a primeira candidatura da oposição ao regime de Salazar. Candidatura essa que contava com o apoio de Miguel Torga, do poeta Alberto Serpa, Cunha Leal e Pulido Valente, entre outros.
Norton de Matos mobilizou dezenas de milhares de portugueses em manifestações públicas a seu favor, congregou praticamente todos os setores da oposição ao regime salazarista que ele afirmava não pensar noutra coisa que não fosse “fazê-lo desaparecer para sempre”, mas com as regras do jogo eleitoral viciadas a favor da situação, Norton de Matos acabaria por desistir das eleições. Quanto a Miguel Torga, foi das poucas vezes que publicamente assume o seu envolvimento a favor de um candidato.