Os rios impossíveis
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Chegavam ao fim do dia, os quatro, num velho Volkswagen cinzento, autêntico todo-o-terreno, capaz de ir aonde os demais carros não chegavam.
Montavam a tenda, punham o velho pote ao lume até o ouvirem cantar, pronto a receber as batatas e as couves.
Depois estendiam as brasas e colocavam a velha grelha, cama final das postas de bacalhau.
Fotografia de Inês Torrado
Benziam a comida com azeite, descortiçavam o garrafão e contavam as primeiras histórias, pela enésima vez, enquanto os dentes se iam encontrando e triturando o repasto.
Já de barriga cheia, distribuíam pela primeira vez as cartas, dois contra dois, como mandam as regras, e durante longas horas jogavam à luz do petromax, até esgotarem o bagaço.
De manhã, fugiam do saco cama, antes do nascer do dia, faziam um café rápido no fogareiro, e empurravam-no para o estômago com biscoitos secos.
Depois dividiam-se em dois pares e dirigiam-se ao rio que corria livremente a escassos metros da tenda.
Cada um via o seu rio conforme a sua experiência e as suas memórias.
Fotografia de Inês Torrado
Os que pescavam a truta à minhoca, mais atentos aos fundões e aos remansos , definidos pelas fragas que se impunham ao caudal.
Os pescadores de amostra, sempre lançando rio acima, aproveitavam as gralheiras, onde as trutas, imóveis, agitavam as barbatanas caudais, sempre na expectativa do que as águas lhes traziam.
Pescavam largas horas, nem sempre com grande sucesso, mas era um ritual mantido há muitos anos.
Nenhum dos quatro se recordava bem de como tinham descoberto este rio, onde nunca tinham visto qualquer outro pescador. cada um achava que tinha sido um outro a descobri-lo pela primeira vez.
Na aldeia mais próxima, quando paravam para beber uma cerveja, muitas vezes ainda com o equipamento da pesca, a senhora do café estranhava aqueles trajes, botas de pesca e cacifos, numa região na qual não passava nenhum rio.
Manuel Cunha (pité)