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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

16
Mai19

Ocasionais


ocasionais

 

 

“Adãos?! É o que há mais!”

 

O homem corre o risco de perder

os seus amigos se estes

se encontram em dívida excessiva

para com ele”.

-D. Hume-

 

O peixe não picava.

 

As campainhas continuavam silenciosas.

 

O pescador lá do fundo, a jusante, na curva da mimosa, veio ter comigo.

 

Fechei o livro e o bloco de apontamentos, como que a dizer-lhe estar disposto a prestar-lhe atenção.

 

Mal tivemos tempo para as habituais cortesias entre dois pescadores que se falam pela primeira vez: um carro-patrulha da GNR surgiu da curva do ribeiro que se escangalha pela ravina abaixo.

 

A patrulha estacionou.  Perguntou se «estava tudo em ordem» e se a pesca «estava a dar».

 

- Nem para amostra!  - respondi.

 

E, depois de saber por nós que não havia mais ninguém a pescar, a patrulha deu meia volta e seguiu para outro destino.

 

O pescador da mimosa, inspirado por esta visita inusitada, disse-me que, sem saber explicar lá muito bem por quê, veio-lhe à lembrança uma história passada com ele, e, que se calhar, eu nunca teria lido nos meus livros nenhuma parecida.

 

Percebi o convite para eu o convidar a contá-la.

 

Assim fiz.

 

E o pescador da curva da mimosa, lá ao fundo, contou:

*.*

♥ Feita a 4ª classe, continuava, lá na aldeia, a levar as vacas para as bouças e os lameiros; a regar o milho, a podar, a segar erva e a levar a comida aos recos.

 

Matriculou-se na telescola.

 

E, atrás das vacas, a semear batatas, a fazer a poda, a deitar «sulfate», a ir ao estrume, chegou a hora de «assentar praça».

 

Cumprido o serviço militar, aspirou a ser «Guarda» (da GNR).

 

A estatura não ajudava. Mas deu o nome.

 

Foi chamado aos testes.

 

No meio daquele rancho de candidatos, o sargento-mor examinador perguntou-lhe:

 

- Ouve lá, o que é que tu és ao nosso capitão?

 

Acabrunhado, enjoujado, responde:

 

-“Eu não sou nada. Mas o meu tio e ele são amigos”.

 

- Vai pr’àli! Estás admitido!  - sentencia o examinador.

 

E o rapaz da poda e pastor de vacas em bouças e lameiros entrou para a GNR!

 

Foi para Lisboa.

 

Com avenidas tão largas e convívio com tanta gente diferente, também as suas vistas se alargaram! Aprumou-se. Apanhou algum jeito no falar das margens do Trancão. E, finda a Instrução, veio à terra, numa «excursão» de fim-de-semana, habitual e regularmente organizada por um conterrâneo, mostrar como a farda a estrear e o brilho das botas e da solarine dos botões lhe ficava tão bem!

 

Foi aberto concurso para a Escola de Cabos, e o especialista em fazer a poda e deitar «sulfate», encheu-se de «coraije», ainda mais atrevida por empertigada com o apoio de familiares e amigos que lá pelas moiramas de Lisboa labutavam e com ele partilhavam «bejecas», copos e feijoadas!

 

Candidatou-se. «Chumbou»!

 

Surgiu outro Concurso.

 

Os tios, os primos, e os amigos lá da terra e os amigos feitos na capital, entre copos e palmadas nas costas, entre «bejecas» e bifanas,  bem que lhe aumentaram a convicção de que ele estava destinado, destinadinho, a ficar bem desta vez!

 

Candidatou-se. «Chumbou»!

 

O tempo decorria.

 

Surgiu a notícia de um novo concurso.

 

Quem «chumbasse» três vezes jamais poderia candidatar-se a subir de posto: - ÀS TRÊS É DE VEZ !

 

Afinal, os tios, primos e amigos, que entre copos, «bejecas», «jaquinzinhos» e feijoadas o enchiam de elogios, de razões para a gabarolice de não precisar de nenhum tio por afinidade, (pois eles ali estavam para o apoiar), não eram suficientes para fazer dele Cabo!

 

A vida na capital também serve para os «atados» se «desenvolverem»; perderem o acanhamento e ganharem o atrevimento; perderem a vergonha e ganhar descaramento!

 

E o rapazote que cresceu a sachar milho e a guardar vacas, podado e enxertado pelos ares da capital, angustiado, aflito, desesperado, telefona para o tio por afinidade que o «meteu» na Guarda.

 

E dá-lhe conta da oportunidade de ser Cabo, mas sem lhe revelar as tentativas falhadas. Pede-lhe ajuda.

 

O palerma do tio mete-se no «Foguete», e segue para Lisboa.

 

Fala com um coronel amigo.

 

Ao tratar-se do assunto, descobre-se que o guardador de vacas em bouças e lameiros e regador de milho tinha reprovado em duas anteriores oportunidades.

 

Topou que o sobrinho por afinidade estava a ficar «reguila».

 

O tio palerma lá arranja uma explicação psico-sociológica, e o coronel «mete a cunha».

 

Bem, com a sua telescola e seguindo à risca as recomendações do tio por afinidade, ÀS TRÊS É DE VEZ! conclui o curso com uma classificação à frente de competidores habilitados com o 12º ano!

 

Num dia de Verão, o tio por afinidade estava sentado à beira da ruela lá da aldeia, na companhia de outro tio «direito», irmão do pai do apanhador de estrume e guardador de vacas.

 

O Cabo passou de carro, novinho em folha   -   vinha mostrá-lo à família, orgulhoso por lhe estar a correr bem a vida!

 

A «dez à hora», a velocidade é demasiada para se conhecer seja quem for, e nem tempo dá para um aceno de mão!

 

O ar de desafio de quem deixou para trás andar com uma sachola a apanha bosta para esterco e agora passeia pela aldeia a conduzir um pópó, impede, a cretinos e ingratos, o reconhecimento de quem os baptizou, de quem os apoiou, de quem os apadrinhou, de quem lhes acudiu!

 

Hoje, o Cabo está perto da reforma.

 

Desde a promoção que se esqueceu da existência do tio por afinidade   -  e que até lhe ofereceu a Carta de Condução antes de ir para a tropa, numa época em que as Escolas de Condução não estavam à mão de semear … ou de conduzir como hoje  -  ficavam a mais de 50 kms da aldeia!

*.*

O meu companheiro de pesca calou-se.

 

Pareceu-me até que nem estava a dar conta da minha presença.

 

O toque de uma campainha e o abanar frenético de uma cana, lá ao fundo, na curva da mimosa, fizeram-no dar uma entusiasmada corrida.

 

Peguei no meu «ganapão» e fui ajudá-lo a tirar um rico barbo de 2kgs e 300, mas que aos meus olhos parecia pesar bem mais perto de seis e seiscentos!

 

Pitigrilli tinha avisado: - “As boas acções são a base de um próximo ou remoto arrependimento”!

 

M., doze de Maio de 2019

Luís Henrique Fernandes, da Granginha

 

 

 

 

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