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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

21
Fev24

OCASIONAIS

Ele há carteiros e «carteireiros»


ocasionais

 

*Ele há carteiros e «carteireiros»!*

 

Os activos, brilhantes e empenhados *agentes-técnicos-de-distribuição-de-correspondência-de-encomendas-de-propaganda-política-e-publicitária e de outros serviços postais* na comarca flaviense desempenham as suas sacerdotais funções com uma cerimónia de fazer inveja aos sumo-pontífices a celebrarem a Festa dos Tabernáculos ou a dos Ázimos no Templo de Salomão, no tempo de Vespasiano.

 

O santo sacrifício de levar uma carta ou uma encomenda, pequena ou pequenina, mesmo do tamanho de uma caixulinha das mais pequerruchas do «Correio Verde» dos CTT, a uns velhotes e, ou, doentes, de uma qualquer ALDEIA parece ser um vil acto pagão, uma missão que «ofende a sua», altíssima e cintilante, «dignidade profissional!

 

É que tocar à campainha ou bater, ou chamar ao portão, de uma casa de ALDEIA e esperar que um octogenário assome à janela, à varanda, à porta para ver quem é (os amigos e as pessoas de bem abrem o portão, entram e chamando por alguém da casa ficam identificados!), e chegue lá do fundo do quintal, da sala, ou da cozinha, e atravesse o quinteiro não é coisa que se faça a um *agente-técnico-de-distribuição-de-correspondência-de-encomendas-de-propaganda-política-e-publicitária e de outros serviços postais* na comarca flaviense, antigamente conhecidos e reconhecidos como «carteiros».

 

Claro que outra coisa é entregar o «recado postal» numa Pastelaria, num CAFÈ, numa taberna; numa ourivesaria, numa lavandaria, num talho; no consultório de um médico ou num escritório de advogado; … ou na sede do Partido político, de sua eleição!

 

Além disso, os «avisos» para levantamento de correspondência têm de ser consumidos e dar consumições aos destinatários postais, ora essa!

 

Os parolos, os labregos dos aldeãos?!

 

Que se desenrasquem!

 

Que se desermerdem!

 

Que vão primeiro à bruxa, para saberem, ou adivinharem, o dia, a hora, o minuto certo, certinho, a que suas majestades chegam à porta!

 

Se não, que se arrastem até à cidade e andem de Anás para Caifás até acertarem com a «dependência» dos CTT em que pára o objecto constante no solene, quão imperial e imperativo, «AVISO»!

 

Palavra de «carteireiro»!

 

M., sete de Janeiro 2024

Luís Henrique Fernandes, da Granginha

 

 

 

 

12
Out20

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511 - Pérolas e Diamantes: Humanidades e outras cantigas de embalar

 

No que se refere a matar e a contar os mortos, os seres humanos têm dado mostras de uma meticulosidade admirável. Sobretudo os ocidentais. Por essa Europa fora desfilam os automobilistas em viagem de férias, consultando os seus mapas de estradas tendo em vista encontrar lugares onde existem grandes extensões de cemitérios de soldados, situados em lugares encantadores, que agora fazem parte integrante da paisagem. As elegantes cruzes das sepulturas, distribuídas uniformemente pelos espaços, prestam testemunho acerca dos conturbados tempos da Primeira e da Segunda Guerra mundiais. Nos monumentos espalhados por aldeias, vilas e cidades, podem ler-se, entalhados no mármore, os nomes dos militares mortos em ambas as guerras.

 

Afinal, para que servem? Provavelmente alguém bem intencionado acalentou durante algum tempo a esperança de estar a construir uma alteração radical da forma de pensar o convívio humano, possibilitando uma grandiosa tomada de consciência.

 

Depois de 1945, a paz limitou o desenvolvimento dos conflitos ao abrigo de um protetor equilíbrio nuclear. As sorumbáticas grandes potências prometeram defender a limitação dos conflitos. A consequência de tão boas maneiras foi uma nova mortandade. Mas mais lá para o outro lado do planeta.

 

Contabilizaram-se outra vez milhões de mortos nas guerra da Coreia, do Vietname e do Biafra. Exterminaram-se os Curdos. Fomentaram-se as guerras no Próximo Oriente, a Guerra do Yom Kippur, as guerras indo-paquistanesas e também outras de proporções um pouco menores.

 

Afinal, quem é o responsável por esta loucura? O que leva os seres humanos a exterminarem-se mutuamente? Qual a razão que conduz a que uma grande parte do rendimento de todos nós seja investido em tecnologias de aniquilamento cada vez mais perfeitas e letais?

 

Mas nem só os denominados casos de guerra geraram a morte em massa. Também os processos revolucionários conhecidos de todos nós consistiram em orgásticos exorcismos de morte. Quando não era aquele, era um outro princípio de pureza ideológica que teve como consequência distintos processos de limpeza com desfechos mortíferos.

 

Foi a Inquisição quem aperfeiçoou com requintes de malvadez os métodos de interrogatório para ampliarem miraculosamente a glória de Deus. Sucedeu-lhe a guilhotina, celebrada como progresso do humanismo e do Iluminismo. Depois surgiram os processos purgativos estalinistas que se definiram como clisteres no corpo doentio dos trotsquistas, abençoados por todos aqueles revolucionários que sabiam e também pelos outros que não sabiam o que se estava a passar.

 

E os campos de concentração nazis foram implementados para reeducarem, pela morte, os judeus e outras minorias da mesma estirpe. Foi então que a morte passou a ser um ato administrativo, um mero ato burocrático. Uma estatística.

 

Foram os seres humanos – mais propriamente os do sexo masculino, que, com desapaixonada veemência, animados pelas suas científicas crenças de estarem do lado certo, fixados nos seus objetivos, quais anjos e arcanjos resolutos e totalitários –, anteciparam a morte de outros seres humanos.

 

Claro que também houve os apóstolos da paz, cantando os seus hinos religiosos ou escrevendo tratados filosóficos em sua defesa. De facto, a paz continua a ser uma alegoria virtuosamente interiorizada.

 

Sempre se justificou a guerra com a asseveração de intentos pacíficos, quando não com a sofística distinção entre guerras justas e injustas.

 

Mas isto já vem de longe. Foi em nome do amor ao próximo que se realizaram, e continuam a realizar, as cruzadas.

 

Mesmo as ditas guerras de libertação foram travadas sob coação e até por imposição ideológica externa.

 

O princípio da economia de livre mercado tem como consequência a subalimentação permanente de milhões de pessoas. E não há Guterres que lhes valha.

 

A fome também é uma guerra. E terrível.

 

A história é representada como uma inevitável sucessão de períodos de guerra e de paz, e de paz e de guerra. Como se fosse uma lei da natureza. Como se fosse um destino. Como sendo uma espécie de movimento perpétuo.

 

Por muito que nos custe, tudo tem origem na cabeça dos homens. A perversão é uma criação humana.

 

João Madureira

 

20
Jul20

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500 - Pérolas e Diamantes: A pandemia, o rebanho e a Europa

 

 

Tenho de confessar que esta pandemia provocou em mim o abalo mais forte desde que nasci. É um prenúncio de medo. De medo generalizado que, muito provavelmente, vai levar a mudanças radicais. E estou em crer que este ambiente assustador veio para ficar.

 

O rebanho, que já era dócil, vai ficar ainda mais dócil. É esse o sonho de todos os governantes. O que interessa é que o povo tenha medo. E aí está uma nova casta de comentadores que tudo sabem sobre epidemias, virologias, cuidados intensivos, temperaturas, contágios, etc. Em apenas três meses ultrapassaram os comentadores políticos, económicos e desportivos. São os novos lacaios do poder. Estão aí para assustarem. E ajudarem a vender máscaras, luvas, gel alcoólico, viseiras, vacinas e outros medicamentos.

 

Cá estão eles para enganar, para ludibriar os que já não acreditam no poder, e para deitar lixívia sobre a cunha, a preguiça, o desleixo, o roubo e a passividade.

 

Não é quem mais berra quem manda no país. Esses apenas ajudam a distribuir os tostões. O poder está no livro de cheques dos ricos, sempre que decidem desapertar os cordões à bolsa.

 

Com as novas tecnologias, e com a facilidade de comunicação que permitem, vemos o medo a tomar conta das sociedades, reduzindo o planeta à dimensão de uma aldeia.

 

O historiador R. C. Boxer escreveu que “os portugueses têm demonstrado ao longo dos séculos uma notável capacidade de sobrevivência à má governação, vinda de cima, e à indisciplina, vinda de baixo”.

 

A nossa literatura é um espelho dessas atitudes. A mais divulgada e acarinhada expressa os desejos e os sonhos da aflição dos lisboetas, repleta de sentimentos mesquinhos, de sobranceria e de autossatisfação burguesas. Vive na linha entre Lisboa e Cascais, pensando, e escrevendo nas entrelinhas, que o resto do país é um território estranho e semisselvagem habitado por gente bruta e pobre, cujos hábitos, emoções e problemas lhe são estranhos.

 

A verdade é que a vida das elites da capital tem os mesmos defeitos descritos por Eça de Queirós, cheia de personagens bizarros, prosperando no meio da corrupção, dos maus costumes, da baixeza moral, da intriga, da conspiração, do desvio de fundos e de negócios chorudos conseguidos por cunhas e ajustes diretos.

 

Uma coisa sabemos, esta nova elite política e social é de longe muito mais corrupta do que a do antigo regime. E muito mais talentosa. Mais urbana. Mais culta. Consegue viver com o ouro dos outros.

 

Em relação aos novos ricos que infestam a nossa sociedade, e todos os organismos do Estado, os pequenos tiranetes de então eram uns pobretanas. Eles apropriavam-se indevidamente de alguns contos de réis. Mas nem nos seus sonhos mais delirantes conseguiam vislumbrar que os seus filhos e netos viriam a arrecadar milhões.

 

O povo, pobre coitado, continua o mesmo: de lágrima fácil, vítima da sua alma carinhosa e de uma pieguice desculpabilizadora que, muito provavelmente, faz parte de uma matriz que dizem definir a maneira de ser portuguesa.

 

Claro está que a nossa nova casta lusa está refém da nova casta europeia. Todos eles cuidam primeiro dos seus interesses e só depois se preocupam com os demais. A morosidade das burocracias trata do resto.

 

Só um cego é que não vê que a nossa adesão à União Europeia originou algo de construtivo na nossa sociedade, abrindo novas possibilidades. Mas também temos de reconhecer que essas possibilidades foram essencialmente aproveitadas por toda a espécie de oportunistas, burlões e traficantes. No entanto, devemos estar-lhe gratos porque, sem ela, não teríamos saído da nossa dimensão terceiro-mundista.

 

A verdade é que a união da União Europeia é frágil.

 

A verdade é que nos queixamos dos nórdicos porque eles se queixam de nós, devido à nossa propensão para gastar o dinheiro dos fundos europeu em bebidas e na farra.

 

Mas o facto é que os nórdicos se esforçam por poupar, por ter as suas contas controladas, e por fiscalizarem os seus governos e as suas instituições de modo a poderem ter um futuro para si e para os seus filhos.

 

Por isso são avessos  a que uma boa parte das suas poupanças seja dada aos países meridionais a fundo perdido, ou quase.

 

Como disse Rentes de Carvalho: “O pedinte a insultar quem o favorece é uma situação que, mesmo numa comédia teatral, seria insólita.”

 

João Madureira

29
Jun20

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497 - Pérolas e Diamantes: Flores e acepipes

 

 

Pessoa limpa pensa limpo. Pensar mal é fácil. O contrário é que é difícil.

 

Como diz o meu amigo Riobaldo, a gente vive para se desiludir e desmisturar. Afinal, como é que nós entendemos as coisas? Depende da maneira como as olhamos. O fim das coisas boas está sempre perto. Por vezes é de onde menos se espera que o pior vem.

 

 O saber e o sucesso de uns não pode ser a desgraça de outros.

 

A verdade é que hoje as pessoas tratam-se umas às outras como se fossem brinquedos, móveis ou automóveis. E acham que estão a dar o máximo de si quanto a respeito e carinho.

 

A verdade é que as pessoas já não se divertem com a caridade. Muitas nem sabem o que isso é. Algumas, as que têm mais memória induzida, pensam que antes fosse assim. Que assim é que era.

 

As pessoas andam muito abstratas. Fazem que ouvem, mas não ouvem, nem leem, nem meditam, nem nada.

 

A sociedade atual parece uma homilia cristã: tudo são mutações, aparições e desaparições. Só as cores é que não condizem com o retrocesso. As cores de agora não têm época. É tudo ao deus-dará.

 

A maioria das mulheres maduras, quando vistas ao longe, parecem Vénus louras. Quanto mais ao longe se observam mais parecem.

 

Já as loiras mais novas, uns dias parecem a Marilyn Monroe e no dia seguinte assemelham-se ao Marilyn Mason.

 

O maior encanto das conversas atuais é a sua imprecisão. Nada parece o que é.

 

Por vezes, sinto uma sensação estranha. Noutras ocasiões faço um esforço enorme para não me rir.

 

Comecei a dar valor a quem revela um verdadeiro gosto para fazer arranjos de flores em taças e jarras. Pois não é nada fácil cruzar violetas amarelas com os estranhos lírios e as pequenas orquídeas brancas e enlaçá-las com ramos verdes. Essas escolhas são o resultado de muito cuidado e reflexão.

 

As floristas são mais lestas a fazer arranjos de tulipas, goivos e narcisos. A gente de gosto comum gosta, sobretudo, de combinar as flores de jardim.

 

O amor pensadamente burguês é bonito porque consegue sobreviver com beijos e queijos.

 

Por vezes, o inverno é ameno. Galanteios e ilusões fazem parte da vida social. Os bons negociantes são aqueles que compram com possibilidade de devolução.

 

Por vezes é o cheiro a gardénias que torna a música reconhecível.

 

Há pessoas que depois de retirarem a máscara com que se disfarçam exibem logo outra, não vá a verdade traí-las. 

 

Claro que é bom ter passado, como bem nos lembram os seus apaniguados. Claro que também é bom ter presente, como dizem os que vivem dele. Mas o verdadeiramente importante é ter futuro, pois o presente já é passado.

 

A nossa democracia cada vez se assemelha mais a um louva-a-deus.

 

Para mal dos nossos pecados, atualmente é vulgar apelidar a estupidez de honestidade. Uns vão descrendo e outros já deixaram de acreditar. Os costumes são regionais. Sempre.

 

O que é ridículo não é a propaganda dos feitos e ditos. O que verdadeiramente irrita e amesquinha é a propaganda dessa propaganda. É esse tipo de atitude que tem procrastinado o nosso futuro. 

 

Já devia chegar de política do croquete, do sorriso cordial e da filigrana barata.

 

O problema não reside na dúvida democrática mas sim no facto de já quase ninguém acreditar nela, nem nas suas qualidades e potencialidades. Isso é que é dramático. Até os apelidados de verdadeiros democratas desconfiam da possibilidade da sua renovação.

 

Continua a mudar-se alguma coisa. Isso é indesmentível, mas parece que é para tudo ficar na mesma.

 

Fica-se com a impressão de que as questões são cozinhadas para se adaptarem às respostas já pensadas. Por isso é que que efeitos são geralmente fracos ou deslocados. Os interesses mesquinhos de alguns impõem-se aos verdadeiros interesses e necessidades de todos.

 

A verdade é que temos de nos deixar dessa treta conservadora e decadente do fatalismo português e libertar-nos da tal alma provinciana que resulta sempre da nossa tendência para a contemplação. E também dessa ideia peregrina da nossa piedade instintiva e da pobreza aprazível.

 

Nem a pobreza é feliz e redentora, nem o destino está marcado.

 

O problema reside sempre nos tais dos acepipes.

 

João Madureira

 

22
Jun20

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496 - Pérolas e Diamantes: TOC

 

 

O espetáculo da vulgaridade é agora permanente.

 

Passa-se o tempo a dizer “chega desta pouca vergonha”. E depois põem-se, os tais, a falar de bons costumes, de moral e de retidão. E a fazer, e a dizer, coisas inconcebíveis.

 

A verdade é que a história anterior à História está a manipular-nos. Os tiranossauros e os velocirraptores andam por aí disfarçados de estadistas. Os apóstolos apócrifos continuam a dizer e a desdizer aquilo que eles dizem que os outros disseram. É tudo um jogo de espelhos.

 

O poder e o Estado já não metem medo. O medo foi substituído pelo hábito e pela rotina.

 

As hierarquias estão a corromper-se. Nós somos sempre a terceira pessoa.

 

E a rasteira aí está: os que possuem antepassados irrelevantes são incentivados a alcançarem pensamentos relevantes.

 

Continua a resultar a tal experiência famosa de um psicólogo tocar a campainha e de o cão que a ouve, salivar. E não só o cão.

 

Já as gazelas não conseguem manter a cabeça completamente imóvel nem os olhos completamente parados.

 

Bem vistas as coisas, a preguiça é a mãe da inteligência.

 

Agora ensina-se História como se ela fosse uma espécie de ONG. Tudo tem enquadramento, tudo tem uma explicação. Tudo tem uma desculpa. E o que não tem desculpa, desculpado está. Não há culpados. Apenas vítimas. A História foi feita pelos tontos, todos eles movidos pela procura da paz, da honra e da santidade.

 

Já existem novas interpretações sobre a descoberta da América e também novas considerações sobre a revolução industrial. A nova história é um patíbulo onde se decapita a antiga.

 

Assim talvez tudo faça sentido, mas é um sentido tão arrevesado que mais parece não ter sentido nenhum. Talvez seja esse o sentido final das coisas.

 

A História acaba por ser um fantasma: algo de que se tem medo, mas em que ninguém acredita.

 

A verdade é que os historiadores são preguiçosos, gostam muito de dormir e não lhes apetece trabalhar para dizer algo que logo outros tratarão de desdizer. Por isso é que os historiadores gostam muito de apanhar sol. A verdade é que eles não têm culpa da História, apenas da sua interpretação.

 

Dizem que ser presidente faz sentido. Ser presidente de alguma coisa: da república, da assembleia, de um clube, de uma associação cultural ou recreativa, ou mesmo presidente da câmara.

 

Eu, ao que vejo, tenho de concordar. Agora já concordo com tudo. No fundo é tudo uma questão de argumento.

 

Antigamente os presidentes comiam bem, bebiam bem e até fumavam charutos enquanto tomavam um café com cheirinho. Agora alimentam-se com pratos saudáveis de peixe grelhado, legumes cozidos ao vapor, saladas frescas. E bebem água do luso. De sobremesa debicam uma peça de fruta biológica. E no fim ficam-se por um descafeinado com adoçante. Alguns, talvez os mais audaciosos, fumam de uns cachimbos eletrónicos que produzem nuvens cinzentas com cheiro a baunilha ou a frutos vermelhos.

 

Fazem sempre que se riem. Penso que, à sua maneira, são felizes. E trabalhadores.

 

Vítor Cunha Rego, nos bons tempos, escreveu que o Poder é sempre um obstáculo natural à informação, para concluir que a apatia é um inimigo ainda mais preocupante.

 

A verdade verdadinha é que os eruditos encartados de agora, quase todos eles assessores do poder, não passam de discípulos de Pangloss.

 

Mas uma coisa vos digo, que a aprendi do Malhadinhas: saber ler não basta para se ser fino, cavalheiro, ou dona, e muito menos para se ser feliz. Ler pode trazer muita infelicidade.

 

A verdade devia brilhar por si mesmo. Mas o que acaba sempre por brilhar é o dinheiro. A condição humana não precisa da verdade. A verdade é um conceito cultural. Um adorno moral.

 

Quando invoco a verdade, é frequente atirarem-me com o argumento de que falo nela, e a defendo, porque sou vaidoso. Há gente capaz de qualquer coisa.

 

Vivemos tempos indefinidos onde tudo se tornou banal, até a corrupção. A verdade parece querer fugir da realidade, mas fecharam-lhe a porta.

 

A gente honesta aparenta pertencer a uma ordem de frades mendicantes. Defender a verdade e a honestidade parece atualmente uma piada de mau gosto.

 

Talvez a corrupção seja uma espécie de transtorno obsessivo-compulsivo.

 

João Madureira

 

01
Jun20

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493 - Pérolas e Diamantes: Naquele tempo

 

 

Somos daqueles que acreditamos que nem o primeiro sinal nem a segunda sinalização são bons presságios.

 

Continuo a acreditar que a Terra é redonda. E que existe uma diferença entre o vácuo e o vazio.

 

Antigamente havia muitos homens que se pareciam com cães. Agora há sobretudo cães que se parecem com homens. E com mulheres. E gatos. E até com canários. Ou cantadores de fado.

 

Antigamente açoitavam-se as pessoas com o propósito de mostrar serviço educativo e punir prevaricadores. Hoje, tal ato, apenas é permitido, e apreciado, em sessões de prazer e luxúria sexual. Até se escrevem livros a enaltecer tais despropósitos e se realizam filmes para colocar em imagens o que os livros descrevem.

 

As pessoas eram como cardos, andavam sempre a picar-se umas às outras. Atualmente, muitas ainda são assim. Outras são mais assado.

 

As pessoas costumam variar pouco, nas conversas e em tudo o resto. Antigamente eram os papagaios que diziam asneiras, mais conhecidas como palavrões. E ninguém levava a mal. Todos sorriam. Menos os papagaios. Apesar de tudo, era difícil denunciar um papagaio por injúrias.

 

Os homens de então dedicavam-se muito à columbofilia. E construíam lindos pombais onde instalavam os seus ilustres pombos-correios. As casas e os pombais dessa altura eram muito discretos. As pessoas gostavam de agradar e servir. Eram como pombos amestrados. As casas, apesar de humildes, ressumavam ternura. E humidade. E frio.

 

Os gaiatos, apesar de usarem calças com fundilhos e correrem descalços pelas ruas de terra batida, eram muito jubilosos e davam gritos sensíveis. Todos eles possuíam um anjo da guarda que os entretinha quando pensavam que tinham fome. Havia sempre a esperança de poderem comer no dia seguinte. Os jovens podiam namorar despreocupadamente porque havia muita decência. Os homens eram cavalheiros e as mulheres senhoras. Podiam até fazer as tais coisas que todos sabemos sem darem um pio. Assim dava gosto. Dizem que agora parecem autênticas sirenes do INEM. Eu nessa discussão não me meto porque já me vai faltando a audição.

 

E também se davam muitos clisteres. E punham-se flores de cretone em jarras de plástico cheias de serrim. A beleza podia ser zarolha, mas era verdadeira. Até se bordavam as almofadas e os lençóis. E existiam travesseiros. Que saudades eu tenho dos travesseiros.

 

O encanto por vezes era quieto e outras vezes bruto. Tal e qual como o amor paternal. O amor podia ser coxo, mas não deixava de andar de um lado para o outro. Dentro ou fora do lar. Uma das grandes declarações de amor dessas alturas era: “Gosto mais de ti do que de pão frito.”

 

As pessoas ficavam tristes, mas de uma forma impercetível. E as moscas davam voltas distraídas pela borda dos copos.

 

As pessoas caminhavam devagar, faziam que pensavam, contavam os passos para se entreter e diziam que não tinham medo quando se aproximavam das esquinas. E andavam de romaria em romaria em busca de quem dançasse.

 

Os homens faziam o que lhes mandavam sem mostrarem má cara e tudo lhes parecia bem. Até o mal. Desde que viesse por bem. Entendamo-nos.

 

Já os garotos preenchiam cadernetas com cromos dos jogadores de futebol para no fim ver se conseguiam ganhar uma bola de futebol de catechu que substituísse a de trapos.

 

E as casas eram tão frias que a maioria das pessoas passava o inverno na cozinha. E comiam chícharros fritos ao almoço e ao jantar. Quando os havia. E sardinhas. Por vezes, uma sardinha dava para três. E também se comia sopa. Muita sopa. E pão. E ia-se à taberna buscar meio litro de vinho.

 

As mulheres, nos retratos, sorriam mimosas. Cheias de felicidade e gratidão. Qualquer insignificância amorosa lhes punha os olhos rasos de lágrimas.

 

Os pobres eram honrados. E os homens bons pais de família, mesmo que fossem infelizes como cães.

 

Alguns rapazes, e umas quantas raparigas, iam estudar para o Liceu, mas poucos terminavam os seus cursos com sucesso.

 

Dizem que o vento se fartava de assobiar por entre as casas.

 

Alguns dos homens públicos contemplavam atónitos o desenrolar dos acontecimentos sem perceber bem o que se passava, apesar de ser tudo muito claro e evidente.

 

Havia raparigas tão pobres e infelizes que muitas desejavam ir para freiras. Outras escolhiam ir para a vida fácil. Tudo era melhor do que continuar nas suas enxovias.

 

As mulheres eram quase sempre uma espécie de sargentos sem divisas, prontas a mandar na rapaziada. E os homens eram calmos e meio bêbados. Ou melhor, ficavam calmos quando estavam meio bêbados. Sóbrios, variavam muito no seu comportamento.

 

Naqueles tempos não havia televisão. Mas muitas casas tinham um rádio onde se escutavam os discursos do chefe do governo, os relatos de futebol e de hóquei em patins e também as radionovelas, muito ao gosto popular.

 

Também se ouvia cantar o fado e falar da Nossa Senhora de Fátima, padroeira de Portugal, que não tinha descanso, tantos eram os pedidos de ajuda para milagres e conforto das almas.

 

João Madureira

29
Mai20

Ocasionais


ocasionais

 

OS LEOPOLDINOS

 

 “Portugal

é um Purgatório

povoado de almas”.

- UNAMUNO-

 

 

O gosto do poder aumenta com o tempo em que é usufruído. Daí ao fanatismo vai um passo muito curto.

 

Mansamente, com sorrisos, lindas palavras e «selfiezinhas», o estado policial vai-se instalando em Portugal.

 

Fronteiras encerradas, soberba, arrogância e abuso das forças policiais, militarizadas, fardadas. Ou até só com casaquitos fluorescentes (mais ou menos) de Serviços da Administração é o que se depara frente às liberdades ditas democráticas de um “25 de Abril” de cravos murchos, apodrecidos e mesmo fétidos!

 

A manipulação da informação e a vigilância individual estão a atingir níveis de indecência e de obscenidade.

 

A repressão social, está a chegar de mansinha. Não tardará a repressão política!

 

Dois passos à frente, e os adornados e adoçados com o palavrório e relambório da «cidadania», contaminados com o espírito borreguil, passarão a ser tratados abaixo de cão: os bichos serão senhores de mais e melhores direitos!

 

A comandar os «heróis do mar» estará o “Tugasoc». Aos “tugaleses” será permitida «a liberdade intelectual porque não têm intelecto algum».

 

Cumulados de mentiras, os “tugaleses” serão sacramentados com o juramento de fidelidade ao Ministério da Verdade, do Grande Irmão!

 

Os grupelhos e os bandos social-fascistas e socialistas fascizóides, os «LEOPOLDINOS» pós-modernos, estão a fazer uma lavagem ao cérebro dos “tugaleses”, com tão elevada frequência e tão enorme pressão que os prostra numa trágica estagnação mental. É o que a política cultural, de informação, melhor dizendo, propaganda, e de distracção e recreio televisivos, radiofónicos e festivaleiros dos nossos governos ditos democráticos está a realizar nos «tugaleses»!

 

Aos Partidos políticos «tugaleses», principalmente aos «geringonçados», o “Covid chinês” calhou-lhes que nem ginjas!

 

A campanha do medo teve início.

 

Os Governantes e o «enCOSTAdo predizente» da República sabiam bem que uma das consequências do medo é «ser submisso ao Chefe»!

 

Os Governantes e o «enCOSTAdo predizente» da República foram lestos em usar uma linguagem guerreira   -   declararam guerra contra o “vírus de WHuam”, com uma arrogância a fazer envergonhar os Afonsos Henriques, o IV e Albuqerque; D. Nuno, Carvalho Araújo, Bento Roma ou o coronel Maçanita!

 

Depois, aparecem diariamente, e vezes sem conta, nas Televisões com «bitaites» muito a propósito, a lembrar aos «tugaleses» a sua «obrigação cívica» de se sujeitarem a mil sacrifícios, a gozarem das «amplas liberdades» confinados em pós-modernos campos de concentração.

 

Aos nossos Governantes e ao «enCOSTAdo predizente» da República que jeito lhes deu o «estado de excepção»!

 

Eles até nem o queriam! Mas que rica oportunidade para ver até que ponto seriam capazes de controlar o «pagode lusitano»!

 

Falam, insistem, doutrinam o «distanciamento social» (o nosso próximo foi abolido, diz, a propósito, G. Agamben) para melhor executarem o «controlo social»!

 

O “Covidezinho chinoca” calhou-lhes que nem sopa no mel! Deu-lhes oportunidade para entrar a toda a hora e momento nas casotas «tugalesas», com ares e linguagem de guerrilheiros triunfantes (a linguagem guerreira permite exigir os maiores sacrifícios, inclusivamente a perda da liberdade individual   -   como sublinha o cronista Ramón Lobo), fazendo crer as suas pantominas épicas e as suas atrapalhadas mentiras gloriosas!

 

A bandidagem que se arregimenta na política, fá-lo com o «desejo de enriquecer» e com a ambição de «manter os outros na miséria».

 

Esta constante e ridiculamente propalada «jovem democracia portuguesa», depois de ter já sido caracterizada, com uma cleptocracia, uma oclocracia, uma oligarquia, uma plutocracia, uma mediocracia, e outras «cias» e «ias», chegou ao ponto de ser mesmo uma “KAKISTOCRACIA”!

 

Esta democracia «abrileira», nascida com tanta alegria e esperança, está a transformar-se numa imensa nuvem de tristeza, e até de uma perda de honra dos portugueses!

 

Que decepção!

 

Os nossos Presidentes da III República, dita “Democracia Portuguesa”, meteram e metem, salvo honrosa excepção, pior figura que os do Estado Novo!

 

Os nossos Primeiros-Ministros e membros do Governo e da Assembleia da República foram e são bem mais reles e medíocres que os da II República!

 

Aos nossos ministros, parlamentares e autarcas pouco importa o desperdício, o esbanjamento de dinheiro, o acumular de calotes: O Estado (o nosso) é o único a ter o privilégio de não pagar as dívidas! Alguns deles até garantem pôr as pernas da “Merkel” a tremer como varas verdes!...

 

O Covid/19 (coronavirus disease 2019, para gosto dos neo-parlantes tugalenglish) constituiu uma insidiosa forma de dominar, controlar e amordaçar os lusíadas!

 

Por este andar, o Futuro dos Portugueses adivinha-se cada vez mais desditoso!

 

Nenhum País, nenhuma Sociedade, «pode ser “GRANDE” sem Grandes Homens», lembrou B. Russell.!

 

PORTUGAL é mesmo um País pequenino!

 

M., vinte e quatro de Maio de 2020

Luís Henrique Fernandes, da Granginha

 

 

11
Mai20

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490 - Pérolas e Diamantes: A democracia e os soluços

 

 

Por vezes dizemos que não queremos aquilo que verdadeiramente queremos.

 

Faz parte da ambição dos mais ambiciosos dos ambiciosos querer saber tudo, dispor de tudo, poder tudo e tudo alterar.

 

A autoridade competente é muito veloz. Muitos inteligentes, quando se perdem nos caminhos das serras dizem que foi porque elas mudaram de lugar.

 

Alguns gritam pela lei, pela lei que lhes assiste. A verdade é que cada um tem a sua lei. Há os que são bons a fazer e a executar. Existem outros que são bons precisamente no contrário. A esses escolhemo-los para produzirem as leis que são muito ao jeito de ordens. 

 

Por alguma razão será que quando estamos com soluços costumamos engolir o ar.

 

O interessante nunca está na partida e muito menos na chegada. Mas na travessia que fazemos.

 

O problema maior são os judas.

 

A mim, as despedidas provocam-me uns princípios de febre.

 

Apesar de nada ter arranjo, é bom não nos deixarmos invadir pela tristeza. O que não tem arranjo, arranjado está.

 

A verdade é que não posso estar mais de acordo com o que escreveu Camilo José Cela. Penso amiúde “que as ideias religiosas, morais, sociais, políticas, não são senão manifestações de um desequilíbrio do sistema nervoso. As ideias e os escrúpulos... são um estorvo.”

 

Para se fazer história o melhor é não ter ideias, assim como para se fazer dinheiro é obrigatório não possuir escrúpulos.

 

E o comunismo foi chão que já deu uvas. Como diz Svetlana Aleksievitch: “Comunista é o que leu Marx; anticomunista é o que o percebeu.”

 

Por isso é que o capitalismo continua a explorar e a emprestar aquilo que lhe sobra.

 

Quando chove muito, o habitual é a água do rio sair do seu leito. Quando a chuva para, ela logo torna ao seu lugar.

 

Uma coisa já sabemos, depois de lermos muitas páginas de história: jamais os poderosos coincidiram com os melhores.

 

E a Democracia? A nossa putativa Democracia, como vai ela? Pois não está bem, nem está mal. Está. E como está, então deixá-la estar.

 

A verdade é que a tal Democracia vai falhando aos poucos, sem que ninguém saiba explicar lá muito bem porquê. Os mais inteligentes, muitos deles sentados nas cadeiras do parlamento, nas do governo ou das câmaras municipais, pensam vagamente nela (como se fosse sua esposa) e no que poderia ter sido e já não é mas ainda pode vir a ser se a conjuntura internacional o permitir.

 

Esta democracia parlamentar só mesmo de lingerie é que lá vai. Ou não. Quarenta e tal anos de vida expõe a maturidade. Se o nosso Fascismo era a puta pobre, a nossa Democracia é bem capaz de ser a meretriz nova rica.

 

Sim, o nosso PM é um homem de boas intenções, daqueles que continuam a teimar em redigir propostas políticas como se fossem poesia altruísta.

 

Claro que há em tudo isto patranhas, má organização e erros. É até possível que os bancos funcionem defeituosamente. Mas temos de reconhecer que a barafunda está controlada.

 

A verdade é que a nossa Democracia quase parece democrática, solidária, tolerante, participativa, representativa. Quase parece. Quase.

 

A verdade é que também a cenografia condiz com a realidade. E ainda a música, as roupas e os cenários. O espetáculo, temos de convir, até está bem montado. A geringonça, tal como a passarola de Bartolomeu de Gusmão, é uma boa alegoria.

 

Só que, por vezes, tanta criatividade pode incentivar o desperdício. É preciso ir com calma.

 

A nossa Democracia é uma junção entre fantasia e maquinaria, entre filosofia e religião, entre música de feira e música clássica, entre mitologia e realidade. Passamos de um país sorumbático a um país exótico. Até a nossa capital se transformou numa de feira popular destinada aos turistas. E as cidades de província em stands de feiras do fumeiro e produtos artesanais sem marca registada.

 

Tudo é interativo. Até a estupidez. Pois a estupidez, tal como as gorduras, só faz mal se exagerarmos.

 

A nossa Democracia é feita essencialmente de palavras. De bonitas palavras. Há lá palavra mais bonita que democracia! Palavras que nos transmitem agradáveis emoções. Há lá emoção mais agradável do que a que nos provoca a Democracia. Sobretudo a sua invocação. A invocação democrática. E a vocação. Há lá coisa mais apelativa do que a vocação democrática!

 

João Madureira

04
Mai20

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489 - Pérolas e Diamantes: O pior é o resto

 

Uma questão bem colocada por vezes acaba por esclarecer um assunto. Cada um aprova aquilo que quer. Tudo é uma questão de opinião. A dúvida está em toda a parte.

 

Até o maior bandido pode ser um bom filho, marido amante, pai extremoso e amigo do seu amigo. O pior é o resto.

 

Eu gostava muito de Moral. Era até bom nisso. Gostava de leituras proveitosas. O padre Zé bem que teimava nos raciocínios simples, na exortação do bem e do bom caminho. E nos aconselhamentos justos. E eu bem que queria acreditar. Mas esse dom foi-se. Ou talvez nunca tenha chegado. O bom do senhor Cipreste até insistia com os meus pais para que eu fosse cursar Latim de Seminário. Mas os meus sofismas eram outros.

 

Uma coisa são as ideias e as pessoas. Outra bem distinta é lidar com elas.

 

Quando se quer o bem à força, acaba-se por impor o mal. Também tentei a política, mas tardei  em encontrar o espírito de raposo. Na política quem manda é a astúcia.

 

Os das minorias pequenas, que são sempre os menos bons, podem até começar como sargentos mas acabam como soldados rasos. Já os das maiorias maiores podem até assentar praça sem divisa nenhuma ao ombro que acabam em sargentos. Ou, quando não, em tenentes ou capitães. Se tiverem feito a recruta nos escuteiros, claro está.

 

Como bem diz Riobaldo: O ruim com o ruim. E o bobo com o bobo.

 

Deus, seja ele católico, muçulmano ou ateu, é paciência. O contrário é... o diabo.

 

Parece que o êxito deriva de não se ter remorso daquilo que se desfaz, mesmo dizendo o contrário. Não se ganha o Céu pedindo para o partido e amealhando metade na conta pessoal.

 

Mas a regra é mesmo trabalhar no duro e querer depois paz e sossego.

 

Nós queremos viver como irmãos. Mas irmãos dos bons. Dizem que devemos ser alegres. Pois seja. Mas a mim, a alegria de agora parece-me triste. Enquanto a antiga, a sinto de maneira alegre. Envelhecer tem destas coisas.

 

A saudade faz sofrer. Até a carne mais saborosa acaba por enjoar. Se se comer muita, claro está.

 

A saudade é outra maneira de envelhecer.

 

E os grilinhos lá na sua toca: gri-gri-gri. Por vezes o vento grita tanto que nem os pássaros se atrevem a voar.

 

Aprendi que quando se está a pensar vender a alma ela já está vendida, mesmo sem se saber.

 

Bem me avisou o meu pai: Somos donos do nosso silêncio mas escravos das nossas palavras.

 

O bom e justo conselho é bom de ouvir. Mas devemos desconfiar dos que tudo louvam em cantorias.

 

O problema é quando a vida começa a pesar. Por mais que digam o contrário, a coragem é sempre variável. Os burros são bons para carregar e os cavalos para passear. Os ricos conseguem desdobrar os dias. Os outros lutam para que eles não encolham. 

 

Aos que são iguais tudo lhes sai igualmente. O excesso de ideias também provoca problemas. E invejas. E outras coisas ruins.

 

Há caminhos que emitem sons. Outros são cegos, surdos e mudos.

 

Ai amigos, companheiros e camaradas, como tudo isto é difícil. Um lugarzinho ao sol custa muito acenar de cabeça, muito engolir em seco e muito segredo enfiado em apartado estrangeiro.

 

Um amigo meu disse-me que a corrupção é como a bondade, não tem limites.

 

Isto até parece uma nação: uns tocam, outros carregam e os altruístas minoritários cantam, comem, dançam e mandam.

 

Nas suas rezas políticas cantadas à capela é num de repente que se passa da privação à abundância.

 

Há sonhos dos quais acordamos devagar.

 

E os grilinhos lá na toca deles: gri-gri-gri.

 

E os ilustres estadistas gambozinos a gostar do verdadeiro no falso. Da amizade prospetiva. E de procurar a felicidade na infelicidade.

 

Como cantam os Galandum Galundaina: “Nós deiqui i bós daí / Sodes tantos cumo nós / Mataremos un carneiro/ Ls cuornos são para bós. // Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia / Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia...”

 

Os nossos sonhos só nos afadigaram. O que é preciso é ter sorte. 

 

E os grilinhos lá na sua toca embelezada: gri-gri-gri.

 

Parece que a virtude está em comer calado.

 

E os tais da gaita e da sanfona mirandesas: “Nós deiqui i bós daí / Sodes tantos cumo nós / Mataremos un carneiro/ Ls cuornos são para bós. // Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia / Lá lá lá ra lá / Lá lá lá ra laia...”

 

E os grilinhos repenicados na sua cadeirinha de encosto lá na sua toca partidária: gri-gri-gri.

 

João Madureira

13
Abr20

Quem conta um ponto...


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Céu muito nublado

 

– Não vás com tanta velocidade.
– Achas que sou oligofrénico?
– Não. Nem por isso. Mas o que é que tem isso a ver com a velocidade?
– Tudo tem a ver com tudo.
– Não sei se és oligofrénico ou não. Tenho a certeza é que aceleras muito dentro das cidades.
– Só dentro das cidades?
– E fora delas. Tu aceleras em qualquer lado.
– Mas achas mesmo que sou oligofrénico?
– O que tu és é maluco.

– Então achas que sou mesmo oligofrénico.
– O que tu és é um chato.
– Modera-te. Oligofrénico sim, chato nunca.
– Que nuvens tão escuras.
– Não disfarces.
– Vem aí uma trovoada das grandes.
– Não desvies a conversa.

– Deixei a roupa a secar na varanda e vai molhar-se toda.
– Eu preocupado com a minha oligofrenia e tu pensas só na tua roupa! És uma ingrata.
– A roupa também é tua e dos garotos. E a ingratidão tem as costas largas.
– Tens razão, as nuvens são mesmo ameaçadoras.
– Eu não te disse?
– Achas que sou mesmo oligofrénico?

– Não, não acho. O Mundo é que não te compreende.
– Assim está melhor. Mas não dizes isso só para me agradar, pois não?
– Não.

– Não?
– Não.
– Escusas de ser tão evasiva.
– Eu não sou evasiva, sou sincera e curta de palavras.
– Então achas que não sou oligofrénico? Não dizes nada?
– Vai mais devagar que isso passa. Temos muito tempo para chegar.
– Mas não disseste que querias chegar a casa rapidamente para apanhares a roupa que se pode molhar?
– Que se lixe a roupa. Eu quero é chegar a casa tranquila e inteira.
– Achas que sou oligofrénico? Achas ou não? Diz a verdade.

– …

– Está bem, eu vou reduzir a velocidade. Começou a chover. Eu gosto da chuva. E tu?
– Olha, liga o rádio.
– O teu basta.
– Achas que sou oligofrénico?
– I’m singing in the rain…

 

Ali e a semiótica

O meu amigo Mário revelou-me que anda triste porque agora já não consegue encontrar indivíduos. Confesso-vos que não percebi bem o queixume. Eu sou mais terra a terra. Ele é que gosta de pensar sobre o que os outros pensam ou não pensam, sobre o que significam determinadas palavras fora do contexto ou dentro dele, de refletir sobre a arbitrariedade das ideologias totalitárias ou sobre a indiferenciação ideológica e política que atravessamos. Fora isso, é até bom rapaz, um eficaz chefe de família, um atinado adepto do F. C. Porto e um rigoroso praticante de desporto, nomeadamente das corridas de karting. Na segunda-feira passada abandonou na mesa do café os seus amigos mais chegados. E isto porque, segundo o próprio, sendo todos de orientação política, futebolística e religiosa diferente, agora estão sempre de acordo. Parecem parvos, diz ele para quem o quer ouvir. Atualmente dizem e defendem todos o mesmo. E repete muitas vezes a frase: “Cada vez existem mais pessoas com as mesmas ideias.” E isso é assustador. Eu também acho que é. Mas penso que não é motivo suficiente para abandonar a mesa das suas amizades. Mesa que frequentou e animou durante 20 longos anos. Foi ali que debateu a questão da semiótica do marxismo, a tática e estratégia da guerra do Iraque na perspetiva de um chinês xintoísta, a liberdade aparente dos ricos, a penúria simbólica dos deputados europeus, a ontologia das operações matemáticas, a liberdade sexual em contexto cibernético, o direito internacional dos cães de caça, a influência da cor dos olhos na reprodução assistida, a importância da linguagem no crescimento dos antúrios e por aí fora, passando pela requalificação da Galinheira, o simbolismo da curva do Caneiro, a inteligência sofisticada dos embriões dos caracóis e o egocentrismo das estrelas-do-mar. A mãe do Mário disse-me que o filho falou na sua barriga, quando andava grávida de sete meses. Por isso ele é tão predestinado.

 

Epístola segunda

Escrevo-te ainda de C. Por aqui continuo a gastar os meus parcos rendimentos mas faço-o cada vez mais com redobrado prazer. O prazer de gastar, de nada deixar a ninguém, nem sequer à Misericórdia, nem a nenhuma outra instituição, seja ela de caridade, cultural, cívica, militar ou protetora dos animais e afins. Por cá a gente atrapalha-se nas ruas. São tantos os que por aqui andam de um lado para o outro que parece que o ar para respirar nos falta. Este formigueiro em constante movimento por vezes põe-me louco. Como louco fiquei quando soube que o canguru que deixei à tua guarda desapareceu na noite. É que eu tinha uma consideração peculiar pelo animal. Além de ser de estimação, era um ser estranho, mas profundo. Eu costumava falar muito com ele. E ele ouvia-me com muita atenção, interesse e bonomia. Interlocutor assim nem mesmo tu o consegues ser. Digo-te que ando um pouco desconfiado que foste tu quem o deixou fugir. Bem, fugir não, pois o animal não era de fugidas. Estava muito habituado à minha casa. Andava pelo jardim com muito estilo, cantava lindas canções de embalar que ouvia à governanta, assobiava com bastante intensidade e tocava muito bem o tambor. Por vezes até tratava da horta e tinha um carinho especial pelo talhão dos tomates e das cebolas. Desconfio que o expulsaste de casa ou o vendeste ao circo. Se tal fizeste juro que to farei pagar em duplicado, pois sou muito bem capaz de te esganar a catatua que te trouxeram do Brasil e depois assá-la e comê-la na companhia do meu cão de caça. Que te desfizesses do esquilo esquizofrénico ainda vá que não vá, agora expulsares-me o canguru da quinta ou vendê-lo ao circo, isso é uma afronta muito séria à minha pessoa e à nossa profunda amizade. E sabes bem que uma amizade pode resistir a tudo menos aos golpes baixos e aos ciúmes. Como me dói muito a cabeça, vou-me até ali à farmácia comprar umas aspirinas. Despeço-me até à próxima, enquanto aguardo que me restituas o canguru, senão vai ser o cabo dos trabalhos para nos tornarmos a dar como irmãos. Que é aquilo que somos na realidade. Envio-te este postal com um pedido de desculpas, é que no quiosque não havia outro e este é um pouco enigmático, mas nalguma coisa tinha de escrever. PS - Peço-te encarecidamente que continues a dar de comer e beber aos meus queridos animais. Especialmente à serpente coral do Texas (Micrurus tener).

 

João Madureira

 

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