Pedra de Toque - Os Bisnaus
Os Bisnaus
A geração dos bisnaus calcorreou ruas e calçadas da nossa romântica cidade.
Longos e digestivos passeios ao som dos grilos e rãs, à beira Tâmega, quer em noites cálidas “veraniegas”, quer em noites frias ou outonais, com a paisagem cinzenta de árvores despidas atapetada por folhas amarelas.
Era o gozo da descoberta dos poetas, com versos projectados na brisa, mais ou menos fresca, que sempre corria.
Era o tempo de sonhar a liberdade, de narrar amores infelizes, de cantar a revolução fraterna, fermentada na França do Nadir ou nas lutas das nossas universidades.
Nem o copo de água bicarbonatada-sódica das velhas termas romanas, refreava a cavalgada dos nossos sonhos ou a sentimental euforia da nossa esperança.
O mundo, se todos quiséssemos, seria melhor!...
E nós queríamos!...
Para isso daríamos a força do nosso altruísmo, esgrimiríamos a cultura e a arte, o fascínio envolvente, face ao espectáculo da natureza.
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Os mais novos, que por vezes nos seguiam, escutavam-nos religiosamente, comiam as nossas palavras e gestos com um brilhozinho nos olhos, para, na oportunidade, lucidamente opinarem.
Aqui chamo à colação, com o meu saravah, os mais pequenos de então, que, amiúde, nos serviam de companheiros.
Zé Carlos, Lúcio, Mário João, Zé Tirarim,… e outros…
Que fortes ficaram as amizades caldeadas nos tempos de desinteresse, pelas coisas baixas, pelas coisas vis.
E como criámos, como mexemos esta cidade, sempre cenário dos nossos deslumbramentos.
O Eduardo Carneiro, o Zé Carlos Costa, o Carlos Sintra, o Zé Henrique, o Nadir Afonso, o Domingos Costa Gomes, o Zé Firmino, eu próprio, e outros que a memória não retrata, fomos alguns da gloriosa trupe dos bisnaus que as margens do Tâmega e as pedras das velhas ruas, certamente ainda recordam.
O tempo, as agruras da vida, o ritmo alucinante do quotidiano dantes nunca sentido, cuidaram do inevitável afastamento, jamais querido.
Chaves não comportava as opções de alguns que, episodicamente ainda voltavam para rever esquinas e amigos.
O Eduardo singrou, saltimbanco, por entre jornais e poemas, até que a morte o levou num voo trágico, quiçá querido.
O Zé Carlos, “expert” em Jazz, paixão antiga, prestigiou a administração hospitalar, vendo a sua rota brilhante interrompida bruscamente por um surpreendente e violento aneurisma.
O Carlos Sintra apagou-se na solidão de um apartamento numa manhã de domingo.
O Zé Henrique, mantém-se feliz nas malhas do ensino, na capital em altas missões docentes.
O Nadir é o artista genial, sempre adivinhado, um entre os maiores na pintura nacional.
O Domingos, bom amigo, viveu, como nós, embrenhado nas lutas forenses, escrevinhando a passos para as páginas de jornal.
Deixou-nos, mas ficou perene na memória.
O Zé Firmino, o maestro, o compositor, o executante exímio, vai coleccionando prémios para o seu currículo, para a sua música, como aconteceu recentemente.
Recordo, amigo Zé, o teu esforço correndo para o Conservatório de Musica do Porto, semanalmente cimentando conhecimento, construindo o curso.
A pulso, e com que força…, e com que talento, subiste para o pedestal merecido.
E como foi bom rever-te há pouco, após longos anos, sempre simples, amigo, flaviense, BISNAU.
Se me leres, se os demais protagonistas deste filme – ÓSCAR nunca atribuído – me lerem, lá onde se encontrarem, estou ciente e confiante que curtirão a emoção e sofrerão da nostalgia que neste momento me invade.
António Roque