Ontem foi dia 20 de janeiro e todos os dias 20 de janeiro, manda a tradição ou a promessa de seguir caminho em direção ao Barroso, até às localidades onde se celebra o São Sebastião. Claro que não havendo tempo/disponibilidade para irmos a todas, ficamo-nos pelo concelho de Boticas, mais propriamente pela Vila Grande, que vulgarmente e erradamente se vai conhecendo pelo Couto de Dornelas, quando muito, poder-se-ia dizer Dornelas, que esta sim existem como freguesia à qual pertence a Vila Grande. Mas não só, pois além da Vila Grande, onde iniciamos a peregrinação desta tradição, também vamos às Alturas do Barroso, onde terminamos a nossa “promessa”.
Vila Grande - Dornelas
Vila Grande - Dornelas
É assim uma tradição que nós vamos fazendo por momentos, vários, ao longo do dia e ao longo de cada uma das celebrações, na Vila Grande e nas Alturas do Barroso de Boticas, ficando de fora as outras para as quais não temos tempo, como a de Cerdedo, também em Boticas, ou a de Salto de Montalegre e ainda em terras barrosãs, e, mesmo que haja quem teime em dizer que não pertence ao Barroso, na Torre de Ervededo, do concelho de Chaves, onde este ano tivemos conhecimento que também celebraram honras ao Santo nesta data do 20 de janeiro.
Vila Grande - Dornelas
Durante muitos anos fomos adiando a nossa ida até estas festas comunitárias, mas em 2010 decidimos ir lá pela primeira vez, ao São Sebastião, pois á Vila Grande já lá tínhamos ido, a primeira vez logo após o 25 de abril de 74, mais precisamente em 1975, mas com tanto tempo passado já restam poucas memórias desse dia, apenas lembro que fui integrado num grupo estudantil, ao qual pertencia, o GIEC, que se bem me lembro eram as iniciais de Grupo de Intervenção Estudantil de Chaves, que tinha um grupo coral com músicas de intervenção, a maioria de Zeca Afonso e outras com quadras de António Aleixo.
Vila Grande - Dornelas
Vila Grande - Dornelas
Pois a partir dessa primeira vez de 2010 ficámos fãs desta tradição e lá vamos cumprir a promessa todos os anos, só falhámos em 2019, já nem sei porque, e mais recentemente em 2021 e 2022 porque não se realizou por causa da pandemia, e falhámos a de 2023 nas Alturas do Barroso porque também não se realizou, tendo sido cancelada à última hora por morte de uma pessoa da organização das celebrações.
O momento da Chegada
Serviu este pequeno introito para dizer que já começamos a ser veteranos nestas celebrações do São Sebastião e como tal já temos perfeitamente identificados alguns momentos importantes do São Sebastião, o primeiro é o de respirar o momento da chegada. Este é sempre um momento importante em todas as nossas viagens, a sensação do momento de chegar é sempre marcante e sempre diferente, onde todos os sentidos despertam, marcam e ficam registados. A luz, a temperatura do ar, os aromas, os sons e até o tato, este em sentido figurado, pois não vamos para lá apalpar nada, mas apalpamos o movimento e o ambiente. Este momento ficou registado nas primeiras imagens.
A tradição
Sem dúvida que os momentos da tradição da festa são os que nos levam até lá repetidamente, senão não seria tradição. A visita à “cozinha”, fazer a contabilidade dos potes, visitar a sala do pão, espreitar as cerimónias religiosas da missa, procissão e bênção dos “comer”, o desenrolar e estender da toalha de linho, o peditório e beijar do santo (este último cancelado desde a pandemia) a medida da vara, o pousar do pão a distribuição do arroz e da carne, a festa do convívio no comer e na partilha de espaços e outros comeres e beberes e a música das concertinas, acordéons e cantares que em continuo sempre pairam no ar, percorrem a festa e não se cansam…
Padre Lourenço Fontes
Momento do Padre António Lourenço Fontes
O Padre Fontes é um habitué na celebração do São Sebastião da Vila Grande, às vezes a participar na missa ou apenas entre a população peregrina, sendo também ele um peregrino que não passa indiferente, é o homem dos selfies e com quem toda a gente quer tirar fotografias, ganha ao Marcelo. Padre Fontes que há muito é um ícone e entidade do Barroso, que melhor que ninguém conhece a terra e região que habita, a sua história, os seus usos e costumes, as suas virtudes e defeitos. É o homem das Sextas-Feiras 13 de Montalegre e dos Congressos da Medicina Popular de Vilar de Perdizes, conotado com a bruxaria, que não pratica, mas que acredita nos efeitos da medicina popular e das mezinhas, como homem uma pessoa simples e amiga que em sua casa a todos diz – entre que é!
Eira do Pedro em Vilarinho Seco
da partida e da viagem até às alturas o
Momento de Vilarinho Seco
Temos sempre pressa em chegar, já quanto à partida, vamos adiando até que as ruas ficam despovoadas, só aí vamos andando em direção ao próximo destino, onde a festa comunitária do São Sebastião continua, nas Alturas do Barroso, mas antes temos algumas paragens ocasionais pelo caminho, e uma obrigatória em Vilarinho Seco, em casa do Pedro, para tomar café, beber um copo, conversar, ver passar quem passa, assistir ao engarrafar de trânsito e às manobras dos autocarros nas curvas e ruas apertadas da aldeia, e, como todos fazem questão de parar por lá, a festa dos cantares e concertinas continua na eira do Pedro. Mas mesmo sem pressas, chega sempre o momento da partida, e lá se parte em direção às Alturas do Barroso, aldeia já bem lá no alto da Serra do Barroso, mesmo encostada aos seus cornos que até lhe podem servir de abrigo aos ventos vindo das Galiza, mas que não a livre das neves e do frio, mas ontem, por acaso, até houve sol todo o dia, mas com o frio sempre presente.
Alturas do Barroso
O momento das Alturas do Barroso
Alturas do Barroso é o nome da freguesia e aldeia onde também todos os anos se celebra o São Sebastião. O topónimo não engana, Alturas do Barroso porque está mesmo nas alturas da Serra do Barroso, serra central do Barroso e desde onde as vistas alcançam todo o sistema montanhoso até ao Marão, todo o concelho de Boticas e concelhos vizinhos de Ribeira de Penas, terras minhotas de Basto e parte do Concelho de Chaves e deste só não se vê mais, porque a Serra do Leiranco lhe tapa parte das vistas.
Alturas do Barroso
A festa do São Sebastião nas Alturas do Barroso e quase em tudo igual à da Vila Grande, a diferença apenas está no servir do comer, no local e no próprio comer, e também na duração da festa, isto para os peregrinos. De resto, a tradição é idêntica.
Alturas do Barroso
Nas Alturas oferecem a cada peregrino um prato de feijoada, um pão (biju ou papo-seco) e um copo de vinho. O comer é servido no local onde é cozinhado, dentro de portas, onde é sempre habitual estar um grupo de concertinas e cantares à porta e outro, ou mais, dentro de portas, com a particularidade de aqui (na Alturas), os cantares virarem a desgarradas.
Alturas do Barroso
O momento da Despedida
Para nós a peregrinação pelo São Sebastião começa sempre de manhã, quase logo a partir do nascer do dia e, em geral é aqui, nas Alturas do Barroso, que terminamos a nossa peregrinação, com o cair da noite, mas antes, temos ainda sempre tempo para olhar e registar o anoitecer, coisa linda de se ver, mas sobretudo de se sentir, com um brilhozinho nos olhos, não pela emoção do momento, que a há, mas antes pelo ar frio que que em jeito de brisa nos chega mesmo a toldar o olhar. Só depois vem a partida de regresso a casa, com um até pro ano.
Aos domingos costumamos andar pelo Barroso aqui tão perto, ultimamente pelas aldeias do Barroso que vão para além de Montalegre e Boticas, mais propriamente pelas aldeias da freguesia de Ruivães e Campos, mas mais uma vez, não tivemos tempo de preparar uma dessas aldeias para trazer aqui hoje, assim, vamos aproveitar o momento para anunciar mais um livro de um autor barrosão, os “Diários 1958-61” do padre Lourenço Fontes que irá ser apresentado ao público na próxima quarta-feira (22/02/2023), na sede do Ecomuseu de Barroso, em Montalegre. Uma cerimónia que acontece no dia em que o padre Fontes celebra os seus 83 anos. A obra, com a chancela da Âncora Editora, mostra os diários assinados pelo pároco no período de 1958 a 1961.
O nosso destino de hoje para o Barroso aqui tão perto, é mesmo perto, a apena 25km e 30 minutos de distância, isto se não pararmos pelos pontos, lugares, de interesse que temos pelo caminho. Mas deixemos as paragens e vamos diretos até Vilar de Perdizes, o nosso destino.
Mas aqui, vamos diretos até Vilar de Perdizes, sem paragens, isto porque há muito a dizer sobre esta aldeia, tanto, que se calha, até vamos ter de fazer esta abordagem em mais que um post. Mas ainda estamos no início do post e logo se verá como vai decorrer esta abordagem e o que fazer com a informação e dados que temos.
Como já dissemos no início, Vilar de Perdizes fica mesmo aqui ao lado. O itinerário a partir da cidade de Chaves é via estrada do S.Caetano (Soutelinho da Raia). Logo ao passar ao lado de Soutelinho entramos no concelho de Montalegre, e logo a Seguir a primeira aldeia de Montalegre, Meixide, no final da qual a estrada bifurca, com ambos os destinos a indicar-nos Montalegre, mas é pelo da direita que devemos optar. Depois, uns quilómetros a seguir temos Vilar de Perdizes. Mas para não haver dúvidas, fica o nosso mapa.
Também como dizia atrás, motivos para abordar Vilar de Perdizes não faltam. Começando pela aldeia em si e pelas suas características singulares, pela sua história, pelas Olas de Santa Marinha, os penedos, os Congressos de Medicina Popular, os Autos da Paixão, o Padre Fontes e até o pão, mas também o fator humano, afinal de contas quem faz as terras é a sua gente, e tirando os agentes naturais que criaram alguns destes motivos de interesse, como as Olas de Santa Marinha, já quanto ao resto são precisas pessoas para que tal aconteça, quer para construir e habitar o casario, atores para os Autos da Paixão, organizadores de eventos como o Congresso de Medicina Popular, e aí, impõe-se o nome de um Barrosão – O Padre Fontes.
Pela nossa parte fomos descobrindo Vilar de Perdizes ao longo dos anos e ainda continuamos nessa descoberta, pois de cada vez que lá vamos descobrimos pormenores preciosos, alguns deles com a ajuda do Padre Fontes, pois sem o conhecimento e saber dele, nunca lá chegaríamos, mas outros formos descobrindo de livre iniciativa, como a descoberta das Olas de Santa Marinha, onde lá fomos pela primeira sozinhos, num dia em que saí de casa à caça de imagens sozinho e sem destino, o que acabou por ser uma autêntica aventura, que vou partilhar, pois embora tivesse terminado bem, a mim serviu-me de exemplo.
As Olas de Santa Marinha
Então foi assim: Saí de casa sem destino, pelo caminho lembrei-me de que estava a decorrer o Congresso de Medicina Popular em Vilar de Perdizes e para lá rumei. Chegado lá, num dia que recordo ter sido bem quente, a aldeia estava à pinha de gente e sem lugar onde poisar o carro próximo do local do congresso. Dia bem quente, muita gente, não se mostrou muito agradável andar por alí à torreira do sol. Vai daí, estava na dúvida de se havia de ficar ou continuar para outro destino, até que no decorrer deste impasse, vi a Placa a Indicar as Olas de Santa Marinha. Foi assim como uma luz que de repente se fez à minha frente, e bota a seguir a placa. Mas à frente outra placa, depois mais uma ou duas e passados uns quilómetros em terra batida lá estava eu em Santa Marinha, lá no meio do monte, ao fundo num pequeno largo plano, com um cruzeiro e uma pequena capela. Desci até lá.
Chegado ao largo, depois de apreciar a pequena capela, o cruzeiro e a paisagem que desde ali se alcançava vi uma placa a indicar Olas de Santa Marinha. Segui o trilho, uma descida bem acentuada até que lá cheguei. Sem dúvida coisa bonita de se ver, um curso de água que depois vim a saber ser o Rio Assureira, um rio “estouvado” como eu costumo dizer, tudo porque corre ao contrário, ou seja, nasce em Portugal e corre para a Galiza, servindo mesmo de fronteira ao longo de 5km, para depois dar umas voltas na Galiza e desaguar no nosso Rio Tâmega (mas ainda na Galiza).
Mas ia dizendo que finalmente estava nas Olas, em pleno verão quente e seco que estava bem refletido no curso de água do Rio Assureira, ou seja, apenas um fio de água. Mas mesmo assim, a beleza das Olas estava lá, mas sem água. Era notório que com água aquilo devia ser um espetáculo, de correntes, rápidos de água e cascacatas, mas naquele dia, nada, ou quase nada, apena um fio de água que no meio dos rochedo nem sequer se via, mas sabíamos que existia porque entre duas rochas mais altas a ouvíamos cair, mas não a víamos. Para a ver, só descendo para uma poça seca que havia por baixo dessas rochas, talvez dois metros abaixo. A hipótese de conseguir um arrasto do fio de água a cair, levou-me ao disparate de descer até essa poça, tipo cova, com a única saída pelo local de descida, mas na altura só pensei em descer, pois assim não teria ido em vão até às olas, mas fui mesmo, pois o fio de água existia, mas lá para o fundo, no meio da escuridão, impossível de captar em fotografia, e aí começam os problemas, pois descer até foi fácil, mas agora, lá em baixo, a curvatura e lisura das rochas não me permitiam sítios onde me agarrar e depois havia o problema das máquinas fotográficas, duas, que sem elas, talvez conseguisse arranjar forma de subir, mas com elas era mais complicado.
Estudadas as hipóteses de sair, havia três: Uma, esperar que aparecesse alguém para me ajudar a sair; a segunda deixar as máquinas e tentar sair; a terceira e última, tentar sair com as máquinas. Analisados os prós e contra de cada, na primeira hipótese, nesse dia seria pouco provável que alguém aparecesse por lá, é que, entretanto, o dia avançou e estava já próximo do por do sol, depois estava sem telemóvel e se o tivesse o mais provável era não ter rede e por último ninguém sabia que eu estava ali. Pus esta hipótese de parte, pelo menos enquanto não tentasse as outras duas. Quanto às máquinas, eram as únicas que tinha, subir sem elas seria o mesmo que ficar sem elas e sem fotografias, assim, só restava mesmo tentar subir com tudo. Certo que as máquinas iriam sofrer as consequências das pancadas, mas talvez se aproveitasse alguma coisa. Pois não sei como, mas depois de muito tentar, de uma e outra forma, lá houve uma que me tirou de lá, e sem qualquer consequência para as máquinas fotográficas. Tive sorte, mas serviu-me de exemplo. A partir de aí, continuo a fazer alguns desses disparates, mas nunca sozinho e tenho o cuidado de dizer sempre a alguém para onde vamos.
Desculpem lá esta estória da minha primeira vez nas Olas de Santa Marinha, mas pode servir de exemplo para outros, com uns conselhos: Antes de entrarem num sítio complicado ou esquisito, vejam sempre por onde e como sair; Nunca irem sozinhos para sítios complicados; Dizerem sempre a alguém para onde vão ou pensam ir.
Bem, claro que a minha primeira vez nas Olas de Santa Marinha ficou registada para todo o sempre, mas também com vontade de lá voltar, não no verão ou mesmo outono sem chuvas, mas durante o inverno ou primavera depois de ano chuvoso, isto para garantir que as olas estão com todo o seu esplendor, das suas cascatas e rápidos de água. Depois dessa primeira vez, já lá fui mais uma meia dúzia de vezes, e continuarei a ir… mas sempre acompanhado.
Num post que já previa longo, já vou com uma dúzia de parágrafos e ainda não entramos em Vilar de Perdizes, ou melhor, já entrámos, mas saímos logo. Agora vamos ficar, com esta aldeia singular, com um micro clima que lhe permite ser como um oásis no meio do deserto, no caso, um oásis no meios do agreste Alto Barroso, pese a presença nem próxima da Serra do Larouco.
Um pequeno oásis onde se dão as culturas todas, inclusive a vinha. Ainda há dias perguntava ao Padre Fontes se ainda se fazia vinho em Vilar de Perdizes e a resposta do padre, a sua maneira, foi pronta: “Todas as casas têm lagar”. Claro que se todos os lagares seguirem o exemplo do lagar do Padre Fontes, em vez de la se fazer vinho, armazena-se cultura, pois é na “casa” do lagar que ele tem a sua biblioteca, incluindo dentro do lagar. Assim, condições para se fazer vinho em Vilar de Perdizes, ainda há, faltará é gente para o fazer, ou talvez não, pois as terras mais planas continuam a ser tratadas e cultivadas com as mais variadas culturas, mesmo dentro de Vilar de Perdizes, a parte mais baixa é quase na sua totalidade coberta por hortas.
Quanto à implantação de Vilar de Perdizes, subindo à cruz desde onde tomámos a nossa fotografia panorâmica (a primeira do post”) são notórios dois núcleos mais antigos, que outrora estariam separados (tipo Vila e Portela de Montalegre) mas que hoje estão unidos por casario mais recente, que também se expandiu em todas as direções a partir dos antigos núcleos consolidados.
Quanto a pontos de interesse na aldeia, são vários, começando pelo Paço de Vilar de Perdizes, cuja descrição tomei emprestada dos “monumentos.pt” (os negritos e sublinhados são nossos):
Compõem-se de solar, um hospital, as ruínas da antiga capela de Santa Cruz, a capela actual, uma botica e uma casa em ruínas, dispondo-se desalinhados, oblíquos entre si e conflituosamente próximos. (…) Arquitectura residencial e de saúde, seiscentista, barroca e neoclássica. Solar barroco, de planta rectangular, fachadas de dois pisos rebocadas, com pilastras nos cunhais e terminadas em cornija, rasgadas por vãos de molduras simples. Fachada principal aberta no primeiro piso por três portas largas e no segundo por janelas de peitoril, tendo acesso ao andar nobre por escada descentrada, com guarda plena e alpendre no topo assente em colunas toscanas.
(…) Antigo hospital maneirista, de planta rectangular, com cunhais apilastrados e remate em cornija, com fachada principal de dois panos, um deles rasgado por portal de verga recta inscrita e encimada por frontão de volutas interrompido por nicho. Capelade planta longitudinal, com fachada principal terminada em empena, rasgada lateralmente por janelas, espaço único no interior com retábulo neoclássico, de talha policroma, de planta recta e três eixos. Complexo de grande valor histórico constituído por solar e hospital, botica, capela e cruzeiro junto ao caminho de Santiago e de apoio aos peregrinos, referindo-se o facto de dois mapas galegos, um de 1598, de F. Fer Ojea, editado em Amberes, e outro de 1608 apócrifo, incluírem Vilar de Perdizes nos Caminhos de Santiago e não a maior parte das cidades portuguesas junto à fronteira, nomeadamente Bragança. Constitui um dos poucos, senão único, Morgadio em Portugal que se sabe ter sido instituído por comenda pontifícia. (…)
Mais pontos de interesse repartem-se pelas fontes de mergulhos e os fornos comunitários, mas também pelo casario a Igreja de S.Miguel, o Deus Larouco, e a Capela da Nossa Senhora das Neves.
Deus Larouco
Igreja de São Miguel e o Deus Larouco
O deus Larouco, um deus pagão e a Igreja de São Miguel, igreja cristã, aparentemente não combinam muito bem, mas é assim mesmo, estão intimamente ligados, pois a imagem esculpida em pedra do deus Larouco está incrustado na igreja de São Miguel, ou seja, a pedra com a imagem do deus Larouco é uma das pedras de uma das paredes da Igreja. Atualmente não está visível, pois o pavimentos e estrutura do coro tapa-a e protege-a da vista dos cristãos e qualquer outro. Para a ver é necessário subir ao coro e graças a um alçapão lá colocado consegue-se ver. Embora na nossa foto apareça direita, na realidade a imagem está colocada na horizontal, quiçá propositadamente.
Imagem do deus Larouco, que dá o nome à Serra do Larouco e pensa-se ter sido o deus patrono do Altar de Pena Escrita, que se encontra também nas imediações de Vilar de Perdizes. A figura foi encontrada pelo Padre Fontes, dando-a a conhecer a investigadores do lado de cá e da Galiza. A figura em relevo esculpido na pedra apresenta uma figura antropomorfa de masculinidade indiscutível, visível por ter um enorme falo e um tronco desproporcional relativamente às pernas, indicando o seu carácter como deus da fertilidade. Numa das suas mãos tem um martelo, possivelmente um indicador que Larouco também seria um deus do trovão ou da metalurgia, um Deo Máximo como indica uma das aras votivas encontradas nas imediações do Altar de Pena Escrita.
A Igreja Matriz de Vilar de Perdizes, também conhecida como Igreja de São Miguel, com uma arquitetura interior e exterior interessante. A sua história poder remontar a uma altura prévia ao séc. XI. Em Vilar de Perdizes acredita-se que Igreja Matriz remonta ao ano de 1200 e foi fundado por um padre, filho da célebre Maria Mantela, de Chaves.” É a lenda da Maria Mantela a torna-se realidade.”, mas quem somos nós para duvidar de tal.
Capela de Nossa Senhora das Neves
A capela é um pequeno volume de planta longitudinal, com telhado de duas águas e um único espaço interno. Enquadra-se num tipo de arquitectura religiosa vulgar, intemporal, sem características formais ou decorativas notáveis. Implanta-se numa das entradas da povoação, que por sua vez integrava um dos itinerários de peregrinação para Santiago de Compostela, como aliás comprova a existência de um "hospital" no Paço de Vilar de Perdizes , com obrigação de albergar e apoiar os peregrinos. Embora a capela não atinja qualquer distinção no plano arquitectónico, o programa iconográfico descoberto merece toda a distinção e relevo. As pinturas organizam-se numa estrutura retabular tripartida, perspectivada, a imitar talha dourada maneirista. A imagem do "Padre Eterno" coroa a secção central e os restantes painéis relatam o "Milagre de Nossa Senhora das Neves" com a fundação da igreja de "Santa Maria Magiore" em Roma. Segundo o parecer do Prof. Luís Afonso as pinturas «destacam-se claramente no panorama fresquista português pela elevada qualidade técnica que possuem e pela sua erudição plástica (...) são pinturas que desenvolvem um discurso narrativo bastante complexo e apresentam uma virtuosa linguagem maneirista ... ». Ainda segundo o mesmo investigador, «estamos em presença de um dos melhores testemunhos de pintura mural da segunda metade do século XVI que o país possui.»
Congressos de Medicina Popular, sextas-feiras 13 e padre Lourenço Fontes
António Lourenço Fontes, mais conhecido por Padre Fontes, nasceu Cambezes do Rio, Montalegre, em 22 de fevereiro de 1940. De uma família tradicional barrosã, com 12 filhos, todas ansiavam que um deles fosse padre, e foi assim que o António Lourenço Fontes Ingressou no seminário em Vila Real, em 1950, saiu em 1962, padre católico para regressar ao Barroso para junto dos seus, tendo sido pároco de Tourém, Pitões das Júnias e Covelães (1963-71), passando depois a pároco de Vilar de Perdizes, Meixide e Soutelinho da Raia, desde 1971 até à sua reforma recente, tendo ainda sido pároco de Mourilhe (2002-2005), fixando residência em Vilar de Perdizes. Em 1980 concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1980.
Segundo as suas palavras, em “Porque amo Barroso e o sirvo” António Lourenço Fonte afirma:
“Sou apaixonado pela terra barrosã, minha pátria materna, quanto mais a conheço, mais a amo e me identifico com ela. A sua cultura é a sua e minha identidade que mantenho e não queria perder apesar das pressões de outras e diferentes.”
E no mesmo espaço afirma ainda:
“Sendo Padre procurei sempre beber a religião do povo, aculturando-me a ela, imbuindo a vida profana de religião popular. Corpo e espírito juntam-se em harmonia, religião e cultura indissociáveis, progresso material sempre acompanhando o espiritual ancestral…
De facto o Padre Fontes não se limitou a ser Padre, teve desde início uma ampla ação cívica, social, cultural e literária sendo o principal impulsionador do Congresso de Medicina Popular, em Vilar de Perdizes, que se realiza-se desde 1983, que atrai desde cientistas e investigadores, a curandeiros, bruxos, videntes, médiuns, astrólogos, tarólogos, massagistas, muitos curiosos e turistas. Foi também o impulsionador das "Sextas-Feiras 13" em Montalegre, que se realizam desde 2002, em que a Câmara de Montalegre organiza a "Noites das Bruxas", que decorrem em todas as "Sextas-feiras 13", e já fazem parte integrante do calendário cultural da região e são consideradas uma das maiores festas de rua em Portugal.
O Padre Lourenço Fontes editou e colaborou em várias obras: Etnografia Transmontana (2 volumes), Usos e Costumes de Barroso, Milenário de S. Rosendo, Antropologia da Medicina Popular Barrosã, Chegas de bois, Raça Barrosã, Las fronteiras invisibles, Contos da raia, Crenzas e mitos da raia seca ourensana, Ponte da Mizarela, ponte do diabo, Roteiro dos castros de Montalegre, Roteiro dolménico de Montalegre. Tem ampla colaboração em vários jornais e revistas regionais. Fundou e dirigiu o mensário Notícias de Barroso de 1971 a 2006. Exerceu as funções de empregado, chefe de pessoal nos Serviços Médico Sociais de Vila Real (Montalegre), de 1973 até 1990. Exerceu as funções de Secretário do gabinete da Presidência na Câmara Municipal de Montalegre desde 1990 a 2000 e reformou-se. Dirige no Centro Social Paroquial de Vilar de Perdizes, de que é fundador e presidente, jardim de infância, agora centro de dia, cursos de formação: artesanato da lã e do linho (1986); Plantas aromáticas em 1998, apicultura (1985), de serigrafia, artes decorativas. Fez centenas de conferências por todo o país e no estrangeiro, em universidades, grupos culturais, escolas, autarquias, congressos, etc.. sendo um dos habituais conferencistas dos Congressos Internacionais de Animação Sociocultural. Organizou vários congressos internacionais: Milenário de São Rosendo (77), Centenário de S. Bento (81); caminhos de Santiago (82); Medicina Popular, (desde 83), 2 de religiosidade popular (84-85) um de arquitetura popular (84 ). 17 encontros de cantadores ao desafio e concertinas, pelo Natal.
Varias vezes entrevistado pelos media nacionais e estrangeira, incluindo as televisões RTP, TVE, TVG. Participou em filmes rodados na região: “Terra de Abril”, “Terra Fria”,”5 dias e 5 noites”, “Não cortes o cabelo que meu pai me penteou”, “Os demónios”, e em documentários da BBC, TV da Holanda e França, UNESCO, Odisseia, etc.
O Padre Fontes foi nomeado com o título de "O Maior Arraiano 2010" pela Associação Os Arraianos.
Em 2012, por iniciativa dos deputados eleitos pelo distrito de Vila Real foi solicitado ao Presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, que o Padre Fontes fosse distinguido com a Ordem do Mérito. Nunca lhe foi atribuída.
Sobre o Padre Fontes, sempre pronto para divulgar e enaltecer o Barroso, conhecedor como ninguém desse torrão, é um autêntico embaixador do Barroso e um dos seus ícones. Embora com busto em Vilar de Perdizes e dar nome ao Ecomuseu de Barroso como Espaço Padre Fontes, é muito pouco para a sua grandeza, merece um reconhecimento maior, e seria bom que ainda o tivesse em vida. Da nossa parte ficou hoje aqui um bocadinho do seu ser, muito pouco, quase nada, mas oportunidades não faltarão para um destes dias voltar por aqui.
Vejamos também o que se diz sobre Vilar de Perdizes na Monografia de Montalegre:
Achados - Moedas
Os achados de conjuntos monetários mais importantes são os de Penedones (doze denários de prata que se perderam), da Vila da Ponte (cinco excelentes denários de prata e alguns bronzes médios), Minas da Borralha com mais de 3 mil médios bronzes e Montalegre, com mais de novecentas peças, quase todas denários com magro banho de prata. As moedas destes achados não ultrapassam o século III. Da mesma altura são as aras votivas a várias divindades, que os romanos acolheram, como o Deus Larouco (Vilar de Perdizes); outras dedicadas ao deus Júpiter (Vilar de Perdizes e Chã);
Das ermidinhas, que o estro de Junqueiro abençoa, destacamos quer pela beleza paisagística do local, quer pelo encanto do conjunto “Construção humana e Natureza envolvente”: Nossa Senhora das Neves (São Lourenço) e São Tiago (Fafião), na freguesia de Cabril; Senhor do Alívio, em Salto; Senhora do Monte (Serra do Barroso); São Frutuoso (Montalegre); Santo Amaro (Donões); Santa Marinha, em Vilar de Perdizes;
Os Penedos
São célebres por conterem inscrições ou gravados e, portanto, históricos: O penedo de Rameseiros, o afloramento de Caparinhos, o Altar de Pena Escrita (Vilar de Perdizes),
“Sinais dos tempos” Vários outros monumentos da romanização se descobriram e permanecem cá testemunhando a sua origem e finalidade: marcos miliários em (Padrões, Currais, Travaços e Arcos) aras romanas em (Vilar de Perdizes, Pitões e São Vicente da Chã) estelas funerárias (Vila da Ponte/ Friães), o célebre Penedo de Rameseiros (Vilar de Perdizes) e outros.
Em prol do turismo
Congresso de Medicina Popular Há umas décadas um cura de Barroso decidiu organizar um congresso de Medicina Popular. Foi o padre Fontes. Inicialmente acorria ao evento gente de todas as condições ávidas de cultura e tradições. Eram presentes médicos, cirurgiões, especialistas de nomeada e, obviamente, também apareciam os “vendedores de banha de cobra”. A breve trecho eram muitos mais os “endireitas” do que os cientistas. Às centenas, apareciam endireitas, mulheres “de bertude”, rezadeira, cortadores de coxo e de todos os males humanos. Não faltam ainda os figurões das “garrafadas” que curam o cancro, todos os cancros, expulsam os demónios, etc. Vendem licores de todo o género, chás, infusões, e até os “bruxos” estão presentes. Passam três dias em Vilar de Perdizes e, por isso, a terra é mais conhecida que as Caldas de Chaves. Apareçam e verão milhares de pessoas atarefadas à procura do mito! A par deste fenómeno, são evidentes os sinais de crescimento do concelho de Montalegre a vários níveis mas nota-se que o motor desse crescimento é o turismo. Tudo devido á sub-região ecológica.
As Festas
Por falarmos em festas, algumas ocorrem cada ano por toda a região. As de mais nomeada e tradição são as festas concelhias ao Senhor da Piedade, que se realizam na capital, durante a primeira quinzena de Agosto; a de Salto, à Senhora do Pranto, em 1 de Agosto; a de Vilar de Perdizes, à Senhora da Saúde, a meados de Junho; as das sete Senhoras, todas elas Nossa Senhora dos Remédios, em sete localidades diferentes de Barroso, no dia 8 de Setembro, etc.
Santo André, como Solveira, foram desmembradas da sub-zona denominada Vilar de Perdizes a que pertenciam. Ao conseguirem as suas autonomias escolheram os patronos que já antes admiravam e invocavam. Até há poucos anos ainda se identificavam deste modo: Vilar de Perdizes (Santo André) e Vilar de Perdizes (São Miguel). É terra bastante fértil, com alguma fruta.
Vilar de Perdizes
A par de Salto e Tourém é das mais cosmopolitas freguesias do concelho, afora Montalegre. Outra zona barrosã testificadamente habitada desde remotas eras, como se prova numa inventariação sumária dos seus monumentos: as inscrições pré-históricas de Caparinhos (gravuras rupestres de controvérsia leitura); o altar sacrificial da Pena Escrita; as duas aras romanas achadas na abertura da estrada para Meixide e Chaves, uma dedicada ao Deus dos Deuses, Júpiter, e outra dedicada ao Deus local Larouco; e a grande inscrição do Penedo de Rameseiros cuja interpretação não consegue recolher consensos. Tal riqueza arqueológica e tão diversificada não é usual em meios pequenos. Mas a riqueza continua no que sabemos da sua igreja de São Miguel e no Solar, que foi berço de filhos de algo, e junto do qual floresceram o Hospital e a Capela de Santa Cruz, destinados a prestar apoio físico e espiritual aos peregrinos de Santiago de Compostela e do Cristo de Ourense que por ali passavam, vindos dos lados de Chaves Alto Douro, Beiras e Castela.
Desta freguesia desligaram-se as duas vizinhas de Solveira (Santa Eufémia) e Santo André e todas pertenceram, por poucos anos, até á sua extinção, ao concelho de Couto de Ervededo.
Modernamente Vilar de Perdizes entra na moda das notícias televisivas por apadrinhar um evento sociocultural que é o Congresso de Medicina Popular. Admira que alguns, ditos intelectuais, lancem farpas ao dito como se estivéssemos ainda no século VI, do São Martinho de Dume, a combater pagãos e as heresias dos maniqueístas e arianos… Recusamo-nos a que nos lancem o anátema de pagãos e hereges pelo facto de querermos alcançar, enquanto é tempo, os saberes (no campo da farmacologia, da medicina e das tradições) dos nossos avós!
Esperemos que a gente de Vilar continue a acarinhar as ervas com que se fazem mezinhas, defumatórios, infusões e chás que nos debelam as dores do corpo e nos dulcificam as dores do espírito! Estão em fase de conclusão os roteiros arqueológico e do contrabando, que a pé e a cavalo de burros irão permitir a visita aos locais que melhor defendem a identidade de Vilar de Perdizes.
E agora vamos até à toponímia de Barroso e ao que lá se diz sobre Vilar de Perdizes:
Vilar de Perdizes
É o derivado por AR da VILA RUSTICA, portanto, diminutivo de Vila, como Vilarinho, Vilela e outros.
Vilares, em Barroso, há dois – o de Porro e o de Perdizes.
Quanto ao primeiro já disse tudo.
De Perdizes – É importante recordar que esta “expressão” , como outras, designavam não um povoado mas umam área topográfica onde vigoravam diversas povoações ou vilares. Assim, em Vilar de Perdizes (além dos seus três bairros que têm como patrono São Miguel havia também, Santo André e Solveira, que agora são freguesias independentes. O mesmo sucedeu com Vilar de Vacas (que foi concelho desde bem cedo e freguesia sob o orago de São Martinho) onde se inseriram várias aldeias incluídas Campos e Lamalonga que fizeram agora nova freguesia.
Vilar de Perdizes era metade do Rei de Portugal e metade do de Leão e a igreja pertencia ao Rei. Nas inquirições são arrolados vários casais de que sobressaem, pela especial medida de fiscalidade:
Fonte Loba, Reboreda, Sameiro e, sobretudo, Extremadoiro (este, talvez, por estar muito perto da parte leonesa ou da fronteira de então).
Está, por isso, duas vezes documentado em 1258:
-«Sancti Michaelis de Vilar de Perdizes» INQ 1258
-«In Vilar de Perdizes casal de Cemeiro» INQ 1527
O topónimo já perfeitamente estabelecido
E agora o vídeo com todas as fotografias publicadas até hoje neste blog.
BIBLIOGRAFIA
BAPTISTA, José Dias, (2006), Montalegre. Montalegre: Município de Montalegre.
BAPTISTA, José Dias, (2014), Toponímia de Barroso. Montalegre: Ecomuseu – Associação de Barroso.
Como em todas as histórias, comecemos esta pelo seu início.
Este blog existe há 15 anos, começou pela descoberta de uma nova palavra que tinha aparecido na intenet – “blog”. Numa tarde sem nada que fazer, a curiosidade levou-me à sua descoberta. Afinal o que era um blog!?. Li umas coisas sobre eles e descobri ser uma ferramenta posta à nossa disposição, um espaço pessoal na internet onde poderíamos escrever, partilhar ideias e publicar imagens, vídeos, etc. Os formatos, “templates” já existia, a nós só nos exigiam, escrever e publicar, com imagens incluídas, se tal fosse o nosso desejo. Lembrei-me então do meu tempo de tropa, em que num ano passado em Angra do Heroísmo, devorava tudo que eram notícias da terrinha, num tempo em que ainda nada disto existis, nem sequer os telemóveis, quando muito o telefone para notícias muito breves, pois era caro, para conversas mais longas, recorríamos às cartas enviadas por correio. Lembro-me de na altura ir à Biblioteca Municipal de Angra do Heroísmo para ler o “Notícias de Chaves” que chegava lá 15 dias após ser publicado, mas eram para mim as notícias mais recentes da terrinha, onde lia tudo, incluindo os anúncios e a necrologia… Lembrei-me então, nessa tarde sem nada para fazer, experimentar criar um blog em que o destinatário seria eu próprio, ou seja, aquilo que gostaria de ler e ver se estivesse fora da terrinha. E assim foi, assim se iniciou o Blog Chaves, primeiro com pequenos textos soltos e imagens de Chaves. Pensava eu que era o único a ver aquilo que fazia, daí, nem sequer ter muitos cuidados, qualquer critério na construção do blog, do que ia dizendo e mostrando, até que apareceu o primeiro comentário, e aí, assustei-me…afinal não era só eu a ver aquilo. O restante da vida do blog, vai sendo conhecida por todos os que me acompanham e hoje todos sabemos como os blogs funcionam.
De Chaves ao Barroso, apenas um passo
Durante os primeiros anos de blog foi inteiramente dedicado à cidade de Chaves e mais tarde também às suas aldeias e lugares, perto de 150 no total. Muita coisa, mas nada que o tempo não possa vencer. E assim foi, passaram por aqui todas as aldeias do concelho de Chaves, algumas mais que uma vez. Era tempo de o blog se expandir para lá Chaves e as suas aldeias, daí surgir a ideia de ir também até às origens, as minhas, mas que pela certa seriam também de mais gente, pois embora eu seja flaviense de nascença, a minha família materna é de Montalegre e a paterna de Vila Pouca de Aguiar. E porque não a região de Chaves, alto Tâmega e Barroso sem deixar de foram a Galiza da fronteira com Chaves e também Vinhais, pela mesma razão de também fazer fronteira com o concelho de Chaves. Uma aventura que logo à partida se propunha como demorada, pois seria necessário todo o trabalho de campo na recolha de imagens e pesquisas para falar sobre essas novas aldeias, para além das nossas impressões pessoais.
Decidi assim iniciar esse alargamento pelo Barroso de Montalegre, aquele que melhor conhecia por ser terra da minha mãe, dos meus irmãos, tios primos e avós e natais de juventude. Inicialmente seria o território do concelho de Montalegre a explorar e de seguida passaria ao de Boticas, só que no entretanto, com o conhecimento da “Toponímia de Barroso”, apercebi-me que havia freguesias de Vieira do Minho e de Ribeira de Pena que também estavam incluídas no território de Barroso.
No levantamento das aldeias do concelho de Chaves, da margem esquerda do rio Tâmega, por várias vezes que as pessoas mais idosas, em conversa, quando se referiam ao Barroso, que para lá do rio, é tudo Barroso. Por outro lado, com a minha descoberta do Barroso além Montalegre, aquele que menos ou nada conhecia, fui-me dando conta que geográfica e fisicamente falando, o Barroso não tem uma identidade única, ou seja, características idênticas em todo o seu território, daí haver também, em versão mais ou menos oficial, a distinção entre o Alto-Barroso e o Baixo-Barroso, que eu nas minhas descobertas ia acrescentando ainda outros, que em tom de brincadeira cheguei a chamar “Barrosinhos”.
De facto é impossível comparar em termos de identidade as aldeias do planalto da Serra do Larouco (Padornelos, Sendim, Santo André, Solveira, Gralhas, etc., etc., etc..) com as aldeias da freguesia de Salto, ou com as aldeias da freguesia de Cabril, entre outras. Em suma, fui-me dando conta que neste território do Barroso (e ainda só estamos no do Concelho de Montalegre), a vida das aldeias sofriam grande influência da terra onde estavam implantadas, e estas, das montanhas, serras e rios que que lhe eram próximas, a saber, da Serra do Larouco, a Serra do Gerês, a Serra do Barros e a Serra da Cabreira, e do Rio Cávado, Rio Rabagão, Rio Cabril.
Chegado a este ponto é que comecei a debruçar-me mais a fundo sobre o Barroso e o seu território, o que não foi/é fácil, partindo logo do princípio que em termos administrativos, ou melhor, em termos de divisões administrativas do território de Portugal, ao longo da história, o Barroso nunca foi província, distrito, concelho ou outro, mesmo noutras divisões do território, como as divisões para termos estatísticos, as NUTS - Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos, o território hoje conhecido do Barroso, sem ser mencionado, está incluído nas NUTS II na Região Norte e nas NUTS III na região do Alto Tâmega (Barroso de Montalegre, Boticas e Ribeira de Pena) e na Região do Ave(Barroso de Vieira do Minho).
Aliás se considerarmos o atual território do Barroso tal como é defendido por Montalegre, o Barroso pertence a (pelo menos) 4 concelhos (Montalegre, Boticas, Ribeira de Pena e Vieira do Minho), dois distritos (Vila Real e Braga) e a duas províncias (Trás-os-Montes e Minho).
Chegados aqui poderíamos, quase, dizer que o Barroso não existe, o que seria um disparate de todo o tamanho, pois todos sabemos que o Barroso existe, mas alguém poderá afirmar, com exatidão, quais sãos os limites do Barroso!? Pois, para podermos responder a isto teremos que esquecer as divisões administrativas oficiais e lançar mão da História e daquilo que ao longo dos tempos se foi dizendo sobre o Barroso.
O Barroso, origem, história e território
Entre e segundo os escritos de entendidos que se debruçaram sobre o assunto, as fronteiras do Barroso foram variando ao longo dos tempos, embora quase todos coloquem Montalegre como a terra de origem, a terra mãe e a capital do Barroso. Excluindo o Padre António Fontes que nos seus escritos faz uma abordagem do Barroso através do fator humano com o Barrosão e o seu feitio, os restantes abordam e entendem o Barroso a partir do território de Montalegre através dos tempos, pelo fator administrativo, contrariando em parte a sua origem, pois se assim não fosse, o território de origem seria igual ao atual território, e como veremos não aconteceu assim.
Por outro lado, pensava eu, que mais importante que o fator administrativo, que aos longos dos tempos foi variando e continuará a mexer nas fronteiras dos territórios, lembremo-nos que a última reorganização administrativa ocorreu em 2013. Mas ia dizendo, que pensava eu que mais importante que o fator administrativo seria o fator geográfico, ou seja, que uma região que fica de fora das divisões administrativas oficiais se ia regulando pela geografia, ou melhor, pelas características geográficas dessas mesmas regiões, como por exemplo a terra quente, por ser quente, a terra fria por ser fria, a região do douro, pelo rio Douro, ou as terras do vale do Ave por serem do vale do Ave ou até o Alentejo por ser além Tejo, ou seja, há caracteristicas geográficas idênticas ou perfeitamente delimitadoras pelas características físicas, comos os rios, os vales, as montanhas.
Sinceramente que quando iniciei esta pesquisa e estudo da região do Barroso, pensava que ela se enquadrasse em limites geográficos, que até os tem, e aí, mesmo que administrativamente o território fosse mudando práqui ou práli, o território do Barroso manter-se-ia, mas vamos ver o que dizem alguns dos documentos estudados.
De entre todos os documentos que encontrei, o que está mais próximo daquilo que quero abordar, é um do investigador João Soares Tavares que, sobre o assunto, afirma:
Sobre a origem da Terra de Barroso não se conhece um documento fidedigno. Teorias existem. É por certo uma região muito antiga. Dois documentos da terceira década do século XVI[i]confirmam a Terra de Barroso com diferenciadas unidades concelhias em dimensão e importância. A documentação referida certifica também a vila de Montalegre cabeça administrativa da Terra de Barroso.
Segundo a mesma fonte o Barroso era um vasto território que incluía o concelho de Montalegre, o concelho de Vilar de Vacas, o concelho do castelo de Piconha, o concelho do castelo de Portelo e o Couto de Dornelas.
O concelho de Montalegre possuía o maior número de freguesias[ii], o concelho de Vilar de Vacas duas freguesias apenas – Campos e Ruivães[iii], o concelho do castelo de Piconha incluía a vila de Tourém e três aldeias: Rubiás, Santiago e Meaos. Estas aldeias formaram o Couto Misto e eram habitadas indistintamente por portugueses e galegos, por último o concelho de Portelo reunia “oyto aldeas de termo as quaes se chamã omrras: Vilar de Perdizes, Santo André, Solveira (Sobreyra), Gralhas, Meixedo, Padornelos, Padroso e Sendim.” Assim assegura o “Numeramento de D. João III” do século XVI.Facto a assinalar, com base no documento citado, estas oito honras eram pequenas unidades territoriais com governo próprio, mas estavam dependentes da autoridade do alcaide do castelo de Portelo.
João SoaresTavares afirma ainda:
O documento “Demarcaçam da Villa de Montalegre…” de 1538, atesta a existência dos “lugares de honras” que são os seguintes: “Aldea de Villar de Perdizes, Aldea de Gralhas, Aldea de Padronelos, Aldea de Padroso, (…) e que estas quatro Aldeas sam subditas ao Castello de Portelo. Portanto confirma a dependência da autoridade do Alcaide do Castelo de Portelo. De salientar, neste documento do século XVI datado cerca de 10 anos após o referido atrás, as aldeias de Solveira, Santo André, Sendim e Meixedo não aparecem referenciadas.
Segundo o mesmo documento, todas as unidades concelhias citadas estavam integradas na Terra de Barroso, e também coloca a vila de Montalegre cabeça daquele território. De onde se conclui a importância que apresentava.
A Reforma Administrativa de Silva Passos decretada em 6 de Novembro de 1836 promoveu a extinção de uns concelhos e a criação de outros. Houve concelhos cujos territórios diminuíram, enquanto noutros aumentaram. Esta Reforma não foi definitiva sofrendo diferentes alterações até 1853 e, no que diz respeito à Terra de Barroso prolongaram-se até 1898.
Em 1836 iniciou-se a divisão do vasto território. Nesse ano as honras citadas – Vilar de Perdizes, Santo André, Solveira, Gralhas, Meixedo, Padornelos, Padroso e Sendim – foram extintas, sendo integradas no concelho de Montalegre. Algumas destas freguesias sofreram um desvio temporário para Ervededo que anteriormente fora um couto, conforme será analisado abaixo.
O concelho de Boticas criado em 1836 recebeu as suas freguesias do concelho de Montalegre. Apenas as freguesias Anelhe e Ardãos transitaram do concelho de Chaves. (Ambas pertenceram anteriormente ao Julgado de Barroso conforme se verifica nas Inquirições afonsinas de 1258 referentes àquele Julgado). Em 1855, Anelhe regressou ao concelho de Chaves.
O concelho de Boticas fundado em 1836 conforme se disse, foi extinto em 1895 para ser novamente restaurado em 1898.
Até à estabilização dos concelhos houve freguesias que saltitaram de um para outro. A freguesia de Cervos esteve apenas dois anos no concelho de Boticas. (1936-38) Em 1838 voltou ao concelho de Montalegre. Fiães do Tâmega aldeia da freguesia de Curros do concelho de Montalegre, em 1834 foi elevada a paróquia. Esteve no concelho de Ribeira de Pena entre 1895 e 1898, ano em que passou definitivamente para o concelho de Boticas. É freguesia deste concelho tendo anexado a aldeia de Veral.
Do concelho de Montalegre transitou em 1839 para o concelho de Boticas a freguesia S. Salvador de Canedo. Permaneceu em Boticas até 1895, para nesse ano incorporar o concelho de Ribeira de Pena que fora criado em 1853. Parte das aldeias dessa freguesia: Canedo, Pena Longa, Seirós e Alijó formaram uma nova freguesia com o topónimo Canedo, enquanto as aldeias Viela e Melhe integraram a freguesia de Santa Marinha do referido concelho.
O pequeno concelho de Vilar de Vacas constituído pelas freguesias Campos e Ruivães, em 1706 incluía mais as “aldeias Fafião e Pincães da paróquia de S. Lourenço de Cabril, termo de Montalegre” e as aldeias “Linharelhos e Caniçó paróquia de Santa Maria de Salto, termo da vila de Montalegre”. (4) Pelo citado Decreto foi aumentado em 1836, recebendo as seguintes freguesias do concelho de Montalegre: Ferral, Cabril, Covelo do Gerês, Reigoso, Pondras, Salto, Venda Nova e Vila da Ponte. Um aumento com pouca durabilidade. Extinguiram o concelho em 1853 passando as freguesias Campos e Ruivães para o concelho de Vieira do Minho regressando as restantes freguesias referidas ao concelho de Montalegre.
O couto de Dornelas que inicialmente pertenceu ao arcebispado de Braga, em 1836 foi integrado como freguesia no concelho de Boticas. Aquele território é constituído por sete povoações.
Tourém, sede do concelho do castelo da Piconha extinto em 1836, passou a freguesia do concelho de Montalegre.
Em 1864 com a assinatura do Tratado dos Limites entre Portugal e Espanha, os três lugares Rubiás, Santiago, e Meaos, que formavam o Couto Misto, passaram a constituir território espanhol.
Algumas povoações da Terra de Barroso extinguiram-se, nomeadamente: S. Vicente do Gerês, Soutelo, Madalenas, S. Frutuoso de Barrosinho, Carrili, Padroselos. Esta aldeia que outrora pertenceu ao Julgado de Barroso é hoje uma imagem nostálgica do concelho de Ribeira de Pena.
Até se verificar a estabilização dos concelhos houve um saltitar de freguesias. Para finalizar apresento mais o seguinte exemplo: O couto de Ervededo que estava fora da Terra de Barroso, em 1836 foi também sujeito à Reforma Administrativa de Silva Passos. Nesse ano aumentou o pequeno território. Do concelho de Montalegre transitaram: Meixedo, Vilar de Perdizes (Santo André), Vilar de Perdizes (S. Miguel) e Solveira, portanto pertencentes outrora à Terra de Barroso. Com a nova constituição teve vida efémera. Foi extinto em 1853. As aldeias referidas regressaram ao concelho de Montalegre. As restantes ao concelho de Chaves.
(...)
Resumindo: Conforme se constata, a antiga Terra de Barroso incluía diferentes unidades concelhias atrás referenciadas. A Reforma Administrativa de Silva Passos de 1836 provocou transformações significativas. Actualmente, o seu território encontra-se repartido por quatro concelhos localizados em dois distritos (Vila Real e Braga) e, uma pequena parcela foi deslocada para a Galiza. Do seguinte modo: em todo o concelho de Montalegre, na quase totalidade do concelho de Boticas, (excepto a freguesia de Ardãos, que pertencia ao concelho de Chaves), no concelho de Vieira do Minho, (freguesias de Ruivães e Campos), no concelho de Ribeira de Pena (toda a freguesia de Canedo e as aldeias Viela e Melhe da freguesia de Santa Marinha). Na Galiza permanecem as aldeias Rubiás, Santiago e Meaos localizadas a norte do concelho de Montalegre.
Depois de todas a história que aqui ficou sobre o Barroso, baseada nas palavras do investigador João Soares Tavares, fiquei um pouco confuso com as suas conclusões (resumo) a respeito do Barroso atual, seja como for, aquele que é mais ou menos oficial e aceite, é o do mapa 4 que atrás ficou, no entanto, eu tenho outras fronteiras para o Barroso, que no meu entender seria o mais lógico, isto deixando de parte as fronteiras administrativas e as perdas e ganhos de território e até mesmo o fator humano defendido pelo Padre Lourenço Fontes.
Claro que é, talvez, a minha visão romântica sobre o assunto, mas é baseada nas características geográficas com semelhanças e território bem definido e delimitado por agentes naturais como as montanhas e os rios. Sei que vale o que vale e não pretende absolutamente nada, nem sequer pretende ser polémico, pois aceito as fronteiras do atual Barroso. Apenas quero mostrar a minha visão sobre este assunto ou de como eu gostaria que fosse, não para me incluir nela, ser barrosão como flaviense, pois a minha costela barrosã já me chega para ser também barrosão, aliás, se fossemos por aí, eu até ficaria de fora, pois embora nascido em Chaves, nasci na margem esquerda do Rio Tâmega, que fica fora dos limites deste meu Barroso “romântico”, chamemos-lhe assim. Fica então o mapa do meu Barroso, a seguir virá a sua defesa.
Pois para defesa recorro às montanhas e rios e também clima, limites naturais de territórios. Assim, se considerarmos as montanhas, poderíamos ter dois Barrosos possíveis, um mais pequeno e que ficaria circunscrito ao território entre as serras do Gerês, serra do Larouco, serra do Leiranco, serra do Barroso e serra da Cabreira, ou seja, quase e só o concelho de Montalegre. Para o alargarmos à inclusão de Boticas, já temos que ir até um Barroso mais alargado em que um rio já entra como fronteira, o Rio Tâmega, aliás fronteira do Barroso “oficial” e “aceite” de hoje em dia, e é aí que começa a entrar o meu Barroso romântico, pois naturalmente o rio Tâmega seria uma fronteira bem definida e definitiva do território de Barroso, que por sua vez é secundado por uma outra fronteira de montanhas – a serra de Mairos e a serra do Brunheiro com remate da serra de Santa Bárbara.
Por outro lado, recorrendo à história do Barroso, grande parte desse território flaviense que eu defendo como pertencer ao Barroso, já lhe pertenceu, apenas depende como se veja o movimento das fronteiras administrativas, senão vejamos, a freguesia de Anelhe já foi pertença do Barroso e se considerarmos que o Couto de Ervededo, tal como o Couto de Dornelas, foram parte integrante do Barroso, então também teríamos pelo menos 7 freguesias de Chaves a pertencer ao Barroso, a saber: Anelhe, Seara Velha (com Soutelo). Calvão e Soutelinho, Ervededo, Vilela Seca, Bustelo e Vilarelho, ou seja, da margem direita do Rio Tâmega, apenas 5 freguesias é que nunca pertenceram ao Barroso, são elas a freguesia de Stª Maria Maior, Valdanta, Santa Cruz/Trindade e Sanjurge, Curalha e Redondelo.
E fico-me por aqui. Mas antes queria acrescentar que a feitura deste post coincidiu com um outro post que tinha pensado para esta rubrica de “ O Barroso aqui tão perto”, um post dedicado ao Padre Lourenço Fontes, por altura dos seus 80 anos, que fez ontem, e ficam os meus parabéns atrasados, quando ao post, ficará para outra altura, pois tal como me disse um amigo “Nesse dia não faltarão manifestações de aplauso ao António, hoje Padre Fontes ou Padre Lourenço Fontes.”
E com esta me bou!
[i]“Numeramento mandado fazer por D. João III (1527-1530) “, in Archivo Histórico Português, vol. VII, publicado em Lisboa, 1909; “Demarcaçam da Villa de Montalegre Concelho de Barroso Diocisis de Braga e asy dos Castellos de Portelo e Castello de Piconha e daldeas das honras anexas a elles por ser tudo termo de Barroso e Tourem”, 1538, Arquivo da Casa de Bragança, Vila Viçosa.
[ii] Foi fundado em 9 de Junho de 1273 pelo foral outorgado por D. Afonso III, Chancelaria de D. Afonso III, Livro I, f.110, I.A.N./T.T.
[iii] Vilar de Vacas teve carta de foro outorgada por D. Pedro l em 27 de Junho de 1363. (Chancelaria de D. Pedro I, livro de Doações, fls.85vº e 86, I.A.N./T.
No último domingo não deixei aqui nada sobre o Barroso e justifiquei essa falta com estas palavras: “(…) desculpas a quem ontem veio ao blog à procura de um post sobre o Barroso, que era minha intenção publicar, mas como o assunto a tratar é importante demais para ser tratado de forma leviana, acabei por gastar todo o meu tempo em pesquisas e a documentar-me (…)”. Pois hoje ia correndo o mesmo risco. Desvendando um bocadinho do mistério, se é que há mistério, acontece que para terminar a minha abordagem ao Barroso de Montalegre, apenas me falta trazer aqui as aldeias dos colonos, Vilar de Perdizes e a Vila de Montalegre, os restantes lugares e aldeias do concelho de Montalegre já foram abordadas. As aldeias dos colonos irão ter um post especial, em preparação. Quanto a Vilar de Perdizes, nunca cheguei a completar o levantamento fotográfico da aldeia e a Vila de Montalegre irá ter uma abordagem diferente daquilo que vem sendo habitual.
Assim, está na hora de avançar para o restante Barroso, o de Boticas. Inicialmente pensava que o Barroso se completava aí, com os concelhos de Montalegre e Boticas, mas com o tempo vim a saber, pela “Toponímia de Barroso”, que havia também algumas aldeias do Concelho de Vieira do Minho e de Ribeira de Pena que pertenciam ao Barroso. Como sempre gostei de saber o porquê das coisas, fui à procura dos limites históricos do Barroso, e aí, tudo começou tcomplicar-se, aliás a única coisa que até agora dou como garantida sobre a origem de Barroso, são as palavras de João Soares Tavares que debruçando-se sobre o mesmo tema, diz logo no início da sua abordagem: “Sobre a origem da Terra de Barroso não se conhece um documento fidedigno. Teorias existem. É por certo uma região muito antiga.” E o resto são cantigas… a única coisa que se vai apontando como fidedigno é a vila de Montalegre ser apresentada sempre como cabeça do território de Barroso. Quanto ao Barroso da “Toponímia de Barroso”, não é mais que o antigo território do concelho de Montalegre, existente até 1836, e que na sua divisão dá origem ao concelho de Boticas, perdendo uma freguesia para Vieira do Minho, e “perdendo-se” também o Couto Misto. Posteriormente a freguesia de Canedo é também desanexada do concelho de Boticas. Portanto o território de Barroso, para a “Toponímia de Barroso” é o território do concelho de Montalegre tal como ele era até 1836, no entanto, aprofundando mais a investigação sobre o assunto, as coisas não são bem assim, e é por essa razão que o tal post sobre o “Barroso” demora tanto a ser parido. Mas no entretanto, deparei-me com as características do BARROSÃO, ou seja, do povo que povoa o Barroso, e esse sim, dou como validado aquilo que o Padre Lourenço Fontes nos deixa na Etnografia Transmontana I – Crenças e Tradições de Barroso.
Desenho do Território de Barroso constante na capa (interior) da Etnografia Transmontana I do Padre Lourenço Fontes
Tal como disse no parágrafo anterior, ficam as características do povo Barrosão, a transcrição do que consta na Etnografia Transmontana I do Padre Lourenço Fontes, mas acrescento desde já uma nota, o que aqui vai ficar foi escrito (publicado) em 1974, já lá vão quase 50 anos, e nestes 50 anos muita coisa mudou, saímos de uma ditadura, entrámos numa democracia, a globalização ganhou terreno e a educação obrigatória começou a ser uma realidade, mas, pelo menos, essa caracterização do Barrosão que nos é dada pelo Padre Loureço Fonte dá para ficar a conhecer o que era o Barroso e o Barrosão até essa altura.
Ao longo desta transcrição vão ficando algumas fotografias nossas sobre o Barroso.
Padre lourenço Fontes no alto da Serra do Larouco
O BARROSÃO E O SEU FEITIO
Acolhido nos refegos da serra, ganha robustez, e é de espírito fatalista, a pactuar com o meio em que vive. Sofre grande influência da mulher. «A mulher é terra, o homem o hóspede dela». O Barrosão é de uma passividade procriadora, enorme. Inconformado com a sedentariedade, luta pela sobrevivência.
Nota-se a imposição do mais forte, embora todo o Barrosão tenha grande potencial energético e forte capacidade de vencer, pela força. É agressivo, mas acalmado pela mulher ou amigos. É dotado de muito orgulho, e forte amor à terra e aos antepassados. O torrão Natal, a sua casinha, o seu campo santo, onde repousam os seus, trazem a morrinha e saudade, quando longe da pátria, procura o pão para os filhos.
Deixou o Barrosão de fugir, de caçar, de guerrear, e refugiou-se nas montanhas dedicando-se à pastorícia, sua riqueza de sempre. Por isso o Barrosão é mais pastor, que agricultor.
Houve sempre nesta terra a diferença de classes dos grandes senhores feudais, religiosos, políticos e administradores. Desconfia deles, dos poderes públicos, dos estranhos, fruto deste condicionalismo telúrico. Por ter sido explorado há muito, pelos grandes da terra, o barrosão apresenta o cenho carregado, semblante triste, ar de desconfiado, por recalcamento de desejos de vingança. Aceitou a servidão, como base da sobrevivência. Excepto alguns descendentes de grandes casais, todos iniciaram a sua vida económica servindo um, ou muitos patrões. Veste sobriamente. Pouco muda o trajo. No Inverno, mais roupa, menos no Verão. Come pouco. Deficiente alimentação está a justificar muitas doenças. A mortalidade infantil é das mais altas nesta região, não só por falta de assistência médica, mas por falta de higiene, má alimentação e pouco cuidado com os primeiros meses de vida da criança. Há muito filhos zorros, filhos da curiosidade, sem pai, dizem. No entanto as mães e filhos aceites na sociedade comum, sem diferença.
Falta-lhe maturidade, senso crítico, que cria por vezes injustiças sociais, que traz ídolos e vítimas. Sente-se por vezes ludibriado; é repentista, espontâneo, violento, raramente de acções premeditadas. Sofre pressões de vário género. Encara o crime a cada passo, como uma evasão a que já está habituado, à prisão. Numas aldeias mais que noutras, é vulgaríssimo o crime, em que o Barrosão está sempre pronto a assinar a sua própria destruição. Vive numa sociedade fechada, em pequenos grupos, sem influência doutras terras. Há monotonia na vida, no comer, no amor, no trabalho, em tudo até no espírito politeísta que os domina. Tem preferências afectivas. É frequente ver louvado o erro, o crime, o mal. Os casamentos com consanguíneos e o alcoolismo provocam taras frequentes. A mulher envelhece no espírito e até no corpo, muito precocemente e trabalha no duro campo com os homens.
O Barrosão solidariza-se com os da terra ou família ou clan, em face de qualquer necessidade ou conveniência. Numa festa, num barulho, num incêndio, na tropa, na guerra, na emigração, o Barrosão une-se aos Barrosões. Não se deixa dominar pela força.
São características as feições do Barrosão. Sua fácies típica nota-se e distingue-se. São diferentes do minhoto, do homem da ribeira.
Cada terra tem até um tipo de pessoa diferente de todas. Dizemos: parece de Pitões, é de Parada, é de Ponteira, é de Salto, é de Solveira, é de Gralhas, etc. Até o dialecto é diferente. Vila da Ponte, Viade, Fervidelas, Reigoso, têm uma maneira de falar, diferente do resto do concelho de Montalegre e Boticas. Omitem vogais. Dizem alquere, era, fera, em vez de alqueire, eira, feira. Dizem médo, por medo, etc.. Vilar, Meixide, Soutelinho falam doutra forma.
O nosso homem é bom pagador. Não vai para a cadeia por roubar. Antes por matar, que por ladrão. É honrado, afável no trato, tem espírito de sacrifício, muito grato ao mais leve favor, inteligente e capaz de ir longe se for promovido. Não se alheia da terra-mãe, adapta-se a qualquer arte ou ofício.
Não podemos esquecer a maior das nossas virtudes: a hospitalidade. A comprovar podemos ver o paço de Vilar de Perdizes, hospital de peregrinos de Santiago de Compostela. As nossas portas estão sempre abertas, nem têm chaves, nem de dia, nem de noite. Se alguém bate à porta ouve logo: entre quem é. E franqueia-se tudo: a casa, a caneca do vinho, o presunto delicioso, o melhor que tenhamos é para quem nos visita. Tem razão o poeta Alexandre de Matos ao dizer:
As terras de Trá-los-Montes
Inda que a vida vá torta,
Todos encontram poisada!
Passante que bate à porta
E brade rijo: — ó da casa! —
Ouve de dentro: — lá vai…
Sente gente por-se a pé,
Saltar do catre num ai,
Ir acender a candeia,
Ao fogo vivo da brasa…
Alçar a barra da tranca,
Abrir a porta com fé,
E convidar, em voz cheia,
Estremunhada, mas franca:
Faz favor… entre quem é…
O homem transforma o ambiente, mas deixa-se impressionar por ele. Por isso há factores que determinam a maneira de ser do homem. Cada cultura dá o seu cunho próprio a cada ser humano. Um desses factores mais vincantes é a situação geográfica, cujos efeitos se estendem desde o carácter e temperamento frio ou quente, à maneira de viver. Estamos no cabo do mundo, entre montanhas, ásperas, íngremes, frias, altaneiras, verdejantes, ora fustigadas por maus ventos, ora cobertas do manto branco da noiva transmontana, a neve. Não é terra de trânsito. Quem aqui vem parar, deixa sinais de costumes e cultura. Estamos isolados, sem influências contrárias ao nosso modo de viver. Vivemos, séculos sós, esquecidos do mundo, sem luz, estradas, telefone. O analfabetismo aqui atingiu o maior grau, não há leitura. Não há avanço na técnica. O arado é o mesmo dos primeiros séculos.
A influência geopsíquica é de ter em conta. O nosso Inverno, longo, enevoado, chuvoso, provoca em nós a morrinha, a saudade. As curvas dos nossos montes, ora altos, ora baixos, amoleceram o nosso temperamento, a nossa falta de decisão e melancolia. Dizemos quando alguém daqui vai para terras de fora: deu-lhe o estranho, a saudade, a melancolia, da ausência do nosso meio.
Vemos assim uma estreita intimidade do homem, com a terra em que vive.
O factor étnico, ou seja da origem das raças de que descendemos é também dos maiores.
Não podemos esquecer as raças que nos formaram: semítica, céltica, romana, germânica, mourisca e judaica. Não há povos mistos. Os caracteres físicos e psíquicos misturam-se nos indivíduos, segundo os cruzamentos.
As nossas manifestações psíquicas são de temperamento ciclotérmico, a impressão funda, reacção lenta, afectação forte, naturalmente reservados. Nisto parecemo-nos aos celtas. A nossa reserva é de carácter introvertido, desconfiado, pela sua hipercrítica. Tende à concentração no interior, no seu lar, na sua aldeia, no seu país. O nosso emigrante barrosão, não se desliga da sua terra, das suas crenças, do seu feitio. Prende-o o culto dos seus entes queridos e oragos, e dum modo peculiar o sentimento da sua propriedade. É uma saudade, que faz gemer a feição dos poetas, é lírica.
Vejamos a estrutura económica-social multicentenária, inalterável, em que se trabalha para viver, prós gastos e prá mortalha. Nada se vende; é tudo para a família e gado. A unidade e comunitarismo da paróquia, em que todos fazemos falta, em que todos somos parentes, da família de sangue e religião, torna-nos mais presos, uns aos outros.
O influxo histórico. O povo dos antepassados, é portador inconsciente dum passado não cristão.
Os mouros que povoaram a Península são causadores de tudo o resto de lendas e histórias que todos os povos nos legaram. Para o povo só há a história dos mouros e mouras.
A cultura e estrutura eclesiástica, mais que milenária, com seu tipo medieval, monacal, gravou profundos sulcos na formação da nossa cultura popular. Por certo que lutou contra o paganismo das religiões anteriores, mas deixou entre nós o modo de viver e ser que hoje sentimos com feições cristãs. A igreja e o lar eram e foram, muitos séculos, as nossas escolas donde emanaram todos os conhecimentos adquiridos. O sermão da missa fazia competência, com supremacia, sobre o jornal, a escola, ou outra fonte. A igreja, como não podia deixar de ser, foi portadora para nós, de uma cultura centro-europeia.
O Renascimento veio divorciar a cultura popular, dos não estudados, da gente da aldeia, da cultura erudita. Acrescentemos a tudo isto a influência do séc. XIX, contrário a todos as tradições.
(…)
E por hoje ficamos por aqui e a ver vamos se o tal post sobre o Barroso fica pronto para o próximo domingo, onde além de todos os Barrosos que descobri, há também o meu Barroso, nem que seja apenas uma versão romântica.
Aos Flavienses, aos Normando-Tameganos, a todas as GENTES da NOSSA TERRA peço para me deixarem partilhar convosco a consolação que recebi ao tomar conhecimento de um PROFESSOR a Ensinar em CHAVES ter sido premiado pela sua competência, dedicação e criativade pedagógicas.
E acrescentar que sinto dever associar ao sucesso do premiado a capacidade intelectual, o empenho e o entusiasmo de aprendizagem dos seus Alunos transmontanos, normando-tameganos, flavienses.
Bem, também tenho de vos confidenciar ser eu um apaixonado pela Física, entre outras das minhas maluqueiras nas quais procuro encontrar o sentido e o significado da vida e da minha relação com Outro.
Para além da pequenina satisfação (ainda muito desconfiada) de saber que a actual vereação camarária anda a disfarçar pobremente os crimes, as patifarias, as cretinices dos seus antecessores dos últimos decénios; do “Desportivo” estar a botar boa figura no Campeonato de Futebol (merecendo, pois, mais e melhor apoio e reconhecimento de toda a NORMANDIATAMEGANA e «países» circum-vizinhos); da vaidadezinha flaviense à pala do sucesso de, injustamente «discretados», outros atletas, bailarinas e artistas; hoje ando de peito-feito por ver e ouvir o nome de CHAVES escrito e falado nos “media» (média, sim e não a merda anglicanada, falsa e errada, de «mídia»!), por um motivo muito positivo, agradável, e até, glorioso!
Há, outrossim, muitas e diversificadas notáveis e dignificantes razões para se falar, para se ouvir falar e se ver escrito o nome de CHAVES, de todo e qualquer LUGAR (Vila ou ALDEIA) da NORMANDIA TAMEGANA.
No 10 de JUNHO, espero que o Presidente Marcelo tenha a lembrança, ditada por imperativo de justiça, (ainda não lhe chamei «burro com’uma porta!) de agraciar o Padre FONTES!
PARABÉNS ao PROFESSOR JORGE TEIXEIRA e aos seus ALUNOS!
Hoje no “Barroso aqui tão perto” não tivemos tempo de preparar mais uma aldeia barrosã para mostrar aqui no blog, no entanto, esta rubrica não é feita só com as aldeias e lugares do Barroso, pois tudo que tem como tema essa região tem também aqui lugar, como vai ser o caso de hoje.
A Intervenção – Associação para a Promoção e Divulgação Cultural, com sede em Chaves, desde há 10 anos que tem dedicado a sua intervenção na realização de congressos internacionais de Animação Sociocultural e na publicação de livros, contando no momento com 16 congressos realizados e mais de 20 livros publicados.
Neste fim-de-semana ( de 28 a 30 de Abril), em Ponte da Barca, a Intervenção levou a efeito mais um Congresso Internacional, este subordinado ao tema “Animação Sociocultural: Turismo Rural e Desenvolvimento Comunitário”, no qual participaram mais de 40 especialistas/conferencistas nacionais e estrangeiros, dois dos quais barrosões que também eles Animadores, têm marcado presença nestes congressos. Refiro-me ao Padre Lourenço Fontes e ao Professor Doutor Carlos Fragateiro que proporcionaram ao congresso uma conversa com a seguinte abordagem: a organização de eventos, congressos de medicina popular, as sextas-feiras 13, a animação sociocultural, o teatro religioso, a intervenção comunitária e o empresário turístico no espaço rural com o projeto Hotel Rural de Mourilhe. Em suma, dois barrosões em conversa que se tornaram naturalmente em embaixadores do Barroso, onde o Turismo Rural e o Desenvolvimento Comunitário estavam a ser debatidos. Ouro sobre azul.
Uma vez que também nós estamos envolvidos nestes congressos, não resistimos ao registo em imagem dessa conversa entre dois barrosões e a partilhá-las aqui neste espaço dedicado ao Barroso, mas também a imagem de um encontro entre o Barroso com o Padre Lourenço Fontes e o Nordeste Transmontano com um careto/diabo.
Cá estamos de novo no Barroso de Montalegre. No último fim de semana não passámos de Meixide que, para quem vai de Chaves, é a primeira aldeia do Concelho de Montalegre, logo a seguir a Soutelinho da Raia. Aliás Soutelinho é a aldeia mais próxima de Meixide e esta, a mais próxima de Soutelinho da Raia. Apenas uma curiosidade.
Vamos então deixar para trás Meixide com a promessa de lá voltarmos, tudo porque apenas tenho imagens desta aldeia com neve, junto à estrada, pois como o nosso destino geralmente é sempre mais além e os nossos regressos são sempre tardios, a aldeia tem-se esquivado à nossa objetiva, mas num destes dias não escapa, a paragem está prometida.
Logo a seguir a Meixide temos de tomar a nossa primeira grande decisão, pois a estrada divide-se em duas opções para chegar a Montalegre, quer via Pedrário, quer via Vilar de Perdizes, vamos lá dar. Há muito que a minha opção é via Vilar de Perdizes para fazer o regresso via Pedrário. Assim, hoje, também é por Vilar de Perdizes que vamos e por lá ficaremos, aliás muitas das vezes é mesmo o nosso destino.
Se o Barroso fosse um colar de pérolas, Vilar de Perdizes seria uma pérola desse colar. Razões, muitas, desde as ligadas à história, à arqueologia, à raia, às lendas, mas sobretudo e para mim com mais valia, a comunidade em si composta pela aldeia (casario) e as pessoas que a habitam, em suma, o povo/povoação.
Padre Lourenço Fontes no alto da Serra do Larouco acompanhando Professores da UTAD e Animadores Socioculturais
Voltando outra vez ao Barroso colar de pérolas e a Vilar de Perdizes ser uma das suas pérolas, todos os colares têm uma pérola principal, a maior, mais vistosa, a que ocupa o centro do colar e, também para mim, essa pérola principal está, ou vive, em Vilar de Perdizes e dá pelo nome de Padre Lourenço Fontes. Tanto assim é que me atrevo a dizer, sem qualquer pudor, que o Barroso tem duas épocas, a APF e a DPF em que a primeira é Antes do Padre Fontes e a segunda, Depois do Padre Fontes. Padre, Etnólogo, antropólogo, historiador, guia turístico, é de tudo um pouco, mas sobretudo é um grande Animador Sociocultural que abanou o Barroso e o despertou para constar no mapa de Portugal com letras grandes. No fundo e na realidade, despindo-o de todos esses rótulos, o seu segredo está em ser um Homem simples, do povo, que o ama e tem orgulho nele, que ama o berço e o enaltece partilhando com todos, a sua história, os usos e costumes, saberes e sabores de um povo, mas também as crenças e mezinhas que curavam todos os males de uma terra que sempre foi agreste e difícil de viver, terra fria onde o frio além de congelar, doía.
Padre Lourenço Fontes no miradouro da Corujeira em Montalegre acompanhando Fotógrafos da Associação Lumbudus
Curiosamente vamos associando o Padre Lourenço Fontes como um Barrosão de Vilar de Perdizes quando na realidade ele é natural de Cambezes do Rio. Melhor, penso eu, será dizer que ele é filho e natural do Barroso. Para a história, além de uma basta obra publicada ficará o Padre que afrontou a Igreja com os “Congressos de Medicina Popular” e o Padre das “Noites das Bruxas” que desde 2002 acontecem em Montalegre em todas as sextas-feiras 13 e o Ecomuseu de Barroso que o Município de Montalegre atribuiu o nome de Espaço Padre Fontes, como um espaço de memória do Barroso. Para quem o conhece, é um Homem simples, divertido, amigo e sempre pronto para enaltecer e dar a conhecer o Barroso.
Como sempre aos fins-de-semana trago por aqui o nosso mundo rural, geralmente o flaviense. Desde há muito, também, que para mim Chaves não se limita aos seus limites geográficos de concelho. Entendo antes uma pequena região à qual me sinto pertencer e sinto ser a “minha terra”, composta pelos concelhos vizinhos, incluindo os galegos, e só depois é que vem o restante reino maravilhoso de Trás-os-Montes. Digamos que este meu pequeno território é uma pérola no meio do tal Reino Maravilhoso. Tudo isto para dizer que o meu mundo rural que hoje trago aqui é o do Barroso, mas não só, pois também o Padre Lourenço Fontes tem, hoje, aqui assento.
Padre António Lourenço Fontes
Pois tudo começa num Congresso de Animação Sociocultural em Murça, no qual o Padre Fontes, também ele um Animador Sociocultural, participou e onde a organização do congresso programou fazer-lhe uma pequena homenagem passando um dia com Ele no seu Barroso. Esse dia foi marcado para 25 de setembro (ontem) e alargado a todos os que quisessem participar. Claro que nem que fosse só por ter o Padre Lourenço Fontes com cicerone e homenageado, uma enciclopédia viva sobre o Barroso, não poderia faltar a este encontro/homenagem, mas também porque sabia de antemão que iria ser um dia bem passado, em boa companhia e na qual iria aprender e conhecer mais um bocadinho do Barroso, como sempre acontece quando temos por companhia o seu embaixador Padre Fontes.
Padre Loureço Fontes explicando os frescos da capela de N.Srª das Neves em Vilar de Perdizes
O programa era simples e feito à medida de um dia. Claro que tinha de começar por Vilar de Perdizes, terra onde o Padre Loureço Fontes inicia a sua grande divulgação do Barroso: com os autos religiosos, os congressos de Medicina Popular, os jogos populares, etc. Esta foi a terra onde durante meio século o Padre Fontes foi pároco, animador sociocultural, psicólogo, médico, conselheiro…) muito antes ainda de dar luz às sextas-feiras 13 da Vila de Montalegre.
Rocha em pleno Larouco - A cabeça do cão perdigueiro português
Após a visita a Vilar de Perdizes havia que subir ao Larouco, mas antes havia que visitar o autódromo de Montalegre (já na serra do Larouco) onde à tarde iria decorrer o uma prova do Campeonato Nacional de Ralicross/Kartcross e só depois a subida, sempre comentada que nos ajuda a descobrir a cabeça do cão perdigueiro a caminho do ponto mais alto da serra atingidos aos 1535 metros de altura, de onde tudo se vê e se está mais próximo do céu. Topo também dedicado ao desporto com duas pistas de parapente e nos dois últimos anos final de etapas da Volta a Portugal em Bicicleta.
Grupo que subiu ao topo ponto mais alto do Larouco - A vaidosa já lá estava
Após o desfrute das alturas do Larouro a inevitável descida para visitar Montalegre e o seu EcoMuseu, o castelo e as ruas do centro histórico de Montalegre.
Torres do Castelo de Montalegre
O suficiente para se poder chegar à Aldeia de Mourilhe / Hotel Restaurante Rural (Hotel Assobrado) para um almoço dos diabos. E o assombro deu-se com aperitivos: ferradura afumada, presunto dependurada na lareira do inferno, caldo de urtigas malditas, pão que o diabo amassou, vinho excomungado da terra santa, seguido de vitela embruxada acompanhada com batata com murro da bruxa branca. Para sobremesa: Rabanada com mel de bruxa voadora, café negro como o diabo e quente como o inferno. Doce com mel. Licor e chá levanta o pau do diabo. E o programa poderia terminar aqui que já terminava mais que bem.
Entrada no Hotel Restaurante Rural de Mourilhe para um almoço dos diabos...
Mas embaixador que é embaixador tem de cumprir os seus nobres desígnios de representar e oferecer a sua terra, para além de o corpo pedir mesmo algum exercido para amaciar um almoço embruxado. Uma visita ao convento de Pitões das Júnias caia na perfeição numa pequena viagem comentada pelo cicerone Padre Fontes.
Alguns participantes assistindo a uma aula do Padre Fontes - Pitões das Júnias
Convento de Pitões, há muito abandonado e maioritariamente em ruínas mas que mesmo assim é digno de ser apreciado, principalmente pela sua envolvência e por poder ser apreciado quer envolto nas suas ruinas quer do cimo do anfiteatro natural de onde se pode apreciar todo o conjunto. Já lá fui umas dezenas de vezes e volto lá sempre com a curiosidade e ansiedade das vezes primeiras. Há magia naquele local.
Vista geral do Mosteiro de Pitões das Júnias
Para rematar, ou quase, faltava mesmo qualquer coisinha para melhor digerir o almoço dos diabos. Nada melhor que uma queimada de aguardente devidamente “rezada”, de novo em Mourilhe / Hotel Restaurante Rural (Hotel Assobrado).
Padre fontes a elaborar a queimada de aguardente
E foi assim, um resumo bem resumido de tudo que se passa na companhia do Padre Lourenço Fontes, um embaixador do Barroso. Em conversa com um dos docentes da UTAD que se juntaram a esta homenagem, concordámos em que o Barroso ficará para sempre marcado por duas épocas, a do antes Padre Fontes e a do depois Padre Fontes.
Os que por aqui vêm com regularidade sabem que aos fins de semana as aldeias têm de marcar presença neste blog, contudo não é de todo muito fácil cumprir essa promessa, pois para as trazer aqui tenho que, com alguma antecedência, passar e estar nessas mesmas aldeias. É certo que não há aldeia do nosso concelho onde eu ainda não tenha estado e lamento, mas lamento mesmo, mas mesmo muito, que das primeiras vezes em que fui às nossas aldeias não tivesse então uma câmara fotográfica para fazer alguns registos, os de então, e não vai lá muito tempo, pois as minhas primeiras incursões pelo mundo rural flaviense aconteceram nos anos 70 do século passado.
Para a História 30 ou 40 anos nada significam, principalmente quando a nossa História é milenar e tão rica em acontecimentos importantes, mas a par dessa História milenar e rica de grandes acontecimentos há toda a História de um povo que ninguém conta nem cabe nos livros História. Há dias, aquando do encontro de fotógrafos Lumbudus em terras do Barroso tive oportunidade de, no Ecomuseu do Barroso, comprar uma suposta segunda edição do livro Negrões – Memória Branca, com fotografias de Gérard Fourel e textos de Gilles Cervera. As imagens são impressionantes, mexem connosco e fazem toda a tal História que não cabe nos livros de História. Trago aqui o exemplo deste livro porque o mesmo é feito com imagens de há trinta e tal anos atrás, do tempo em que eu não tinha câmara fotográfica, mas que ainda retenho na memória imagens idênticas.
Claro que em trinta e tal anos as nossas aldeias não se modificaram assim tanto e ainda é possível entrar por elas adentro e encontrar muitas das casas, ruas e lugares de então, pois é, mas a grande diferença é que então, há trinta e tal anos, era quase impossível tomar uma imagem numa aldeia onde não aparecessem pessoas, crianças ou velhos, ou galinhas, ou cães, ou vacas, ou burros ou até mesmo tudo isto numa só imagem (as imagens de Gérard Fourel são um testemunho disso), hoje, na maioria das nossas aldeias, entra-se, está-se e sai-se sem encontrar alma viva. E regresso ao livro de Gérard Fourel, ao prefácio da primeira edição, onde o Padre Fontes a alturas tantas dizia: “ (…) São assim mansas, ainda que negras, enlameadas, solitárias e submergidas as aldeias transmontanas. Esta quietude bíblica, pastoril, onde o tempo caminha a passo de caracol, onde nem crianças nem velhos sabem quanto anos têm, e todos sorriem à chuva, à neve, à nudez, criando para si este mundo de granito, a desafiar os séculos. E esta terra e esta gente que deslumbra a alma do poeta, do artista, do guloso fotógrafo que tenta guardar na retina da película o prato suculento, estendido na toalha branca da natureza nevada, ou negra pela lama e chuva. Hoje seremos únicos no mundo, mas foi assim (…)” Pois é, mas foi assim, era assim, mas já não é, já não há história para contar a jeito de gente de crianças e velhos sem saberem a idade. Já agora um aparte, aparte da história de hoje – A segunda edição do livro Negrões – Memória Branca, embora aumentada, está muito mais pobre sem as sábias palavras do prefácio do Padre Lourenço Fontes, que, vá-se lá saber porque, não constam nesta segunda edição.
Pois as imagens de hoje (tomadas ontem) vão de encontro àquilo que por aqui disse. Nem crianças nem velhos nas ruas, pitas e cães nem vê-los, uma estação abandonada que faz as memórias e um comboio que há 30 anos ainda lá parava, pinturas de vende-se por tudo que é sítio e, curiosamente, umas vistosas e novas placas toponímicas colocadas nas ruas e portas de casas abandonadas, não vá alguém perder-se nas poucas ruas desertas. Valha-nos a natureza que contra tudo e contra todos insiste em nascer e renascer para nos dizer que a beleza, embora selvagem, ainda existe.
As imagens de hoje são de Moure, aqui a meia dúzia de quilómetros de Chaves, uma aldeia que por sinal é bem simpática com olhares lançados para poente e para o Rio Tâmega cujo sussurro o silêncio da aldeia deixa ouvir, que ainda tem alguma vida (eu sei) mas que de todas as vezes que por lá fui nos últimos anos insiste em não sair à rua.