Crónicas de assim dizer
Querido Pai Natal
Estamos naquela época do ano, festiva ao que parece, em que as crianças te escrevem uma carta, como antigamente se fazia na altura em que não havia esta tecnologia actual, em que para se comunicar se dispensa tudo, até uma ida aos correios. Mas a evolução e o progresso não andam obrigatoriamente a par, já se percebeu, e a lógica e o bom senso também não e por isso estou tranquilamente aqui para fazer aquilo a que se chama: escrever uma carta ao Pai Natal.
Para te dizer a verdade acho que nunca fiz uma coisa destas, nem mesmo em criança! Nunca me ensinaram a fazer isso, nem na escola nem em casa. Na escola porque naquela altura não se usava e em casa, acredito hoje, por se notar que nunca tive competência para acreditar em patranhas, embora seja ingénua como tudo e acredite piamente em coisas inverosímeis e seja capaz de dar a vida por verdades em que ninguém acredita ou por ser estúpida que nem uma porta ou por ter uma íntima e feroz convicção. Sou mais deste último tipo, mas tenho das outras à mistura. Outra coisa completamente diferente era o menino Jesus, mas não é disso que vamos falar agora.
Não sei se percebeste, mas isto era uma introdução.
Penso, já li algumas, que nessas cartas que as crianças te escrevem, te pedem coisas que estão completamente fora das tuas possibilidades e das tuas competências, fazer. Embora sejas um ser sobrenatural, foste inventado por seres humanos, cheios de angústias, ansiedades, limitações, frustrações e por isso és, feitas bem as contas, um de nós. Assim que não te vou pedir nada de que tu não sejas capaz e se, de alguma forma achares que é um bocadinho complicado satisfazeres este meu desejo, podes sempre apelar para um dos teus inúmeros conectes a quem, imagino eu, que não deves favor nenhum, mas que o contrário já não é verdadeiro.
Não sei se percebeste, mas isto continua a ser uma introdução.
Não é que eu esteja a ganhar tempo, nunca fui de fazer isso, nem sequer a preparar-te ou a amolecer-te para tu me dizeres que sim. Meu caro amigo ou tu és Pai Natal ou não e se fores, a mim que nunca te pediu rigorosamente nada, vais ter que dizer que sim, até porque o meu pedido é muito modesto para um ser tão poderoso, capaz de vencer o tempo pois que numa só noite viaja pelo mundo inteiro.
E então é muito simples: quero que me tragas a minha mãe de volta, pelo tempo que entenderes. Pode ser um ano, um mês, uma semana, um dia, uma hora… menos do que isso podes ficar quieto, porque isto não é nenhuma brincadeira e sabes perfeitamente que o que ficou por dizer e por fazer também, por mais rápida e sucinta que eu seja e tu sabes perfeitamente que não sou, não era nesse tempo que o conseguiria fazer.
Acredita que tenho perfeita consciência do que te estou a pedir e só o faço porque acredito piamente que em toda a lista que tens de desejos, este é daqueles que para mo satisfazeres, basta tu quereres, não precisas absolutamente de mais nada.
Ainda tinha mais algumas coisas para te pedir, poucas, mas podem ficar para o ano. Não é nada de muito urgente, nada que não possa esperar, e um ano, nesta idade, passa depressa. Também quero manter em aberto a hipótese de para o ano te pedir a mesma coisa e só te digo isto agora para estares preparado e, caso seja preciso, tomares desde já algumas medidas que te possam ser úteis e facilitar o teu trabalho no próximo ano.
Dito isto, não precisas de fazer absolutamente mais nada, não te tomo mais tempo, não te ponho condições, não te peço que me informes da hora prevista de chegada nem que me avises se te atrasares. Estarei toda a noite à tua espera, e se, entretanto, me deitar, enfim por cansaço, deixarei a porta aberta, aquela história da chaminé parece-me de tão mau gosto! Não te preocupes, quando chegares acordarei ao primeiro passo teu no corredor e, se quiseres ver o rosto da felicidade, podes entrar no quarto que eu não me importo.
Cristina Pizarro