4 - Chaves, era uma vez um comboio…
O Texas do Corgo
Este texto deveria ser um poema, pois é na poesia que costumo chorar a dor, o amor, as paixões, as perdas, as saudades… mas sob revolta, nunca os consegui escrever.
CP0012 – Locomotiva: CP E205, Data: Não datado, Local: Chaves, Portugal, Slide 35mm
Desde sempre pensei que a Linha do Corgo se deveria chamar Linha do Tâmega, coisas minhas mas também da lógica das linhas ferroviárias estarem associadas à proximidade dos rios e de “correrem” ao longo da sua corrente, e daí, se o Rio Tâmega que nasce nas proximidades de Chaves desagua no Rio Douro, também a nossa linha que nascia junto ao Rio Tâmega, deveria assumir o seu nome ao desaguar na linha do Douro. Mas, repito, isso eram coisas minhas mas nunca lhe dei grande importância, pois a linha adotou o nome de outro rio ao qual também estou sentimentalmente ligado, quase desde que nasci - o Corgo - mais propriamente a Parada do Corgo, ali mesmo juntinho à nascente do rio, terra dos meus avós paternos e do meu pai e, é graças a essa aldeia que,
CP0138 – Locomotiva: Não identificada, Data: 1977, Local: Veiga de Vila Pouca de Aguiar, Portugal, Slide 35mm
também desde que nasci, comecei a ser um passageiro frequente do nosso comboio, o “Texas”, como carinhosamente o alcunhávamos. No entanto a minha primeira recordação do comboio remontará aí para os meus cinco anos de idade, precisamente quando no apeadeiro de Parada do Corgo comecei a ver ao fundo da reta de Zimão uma barulhenta bola de fumo negro e que, ainda por cima, apitava, e quanto mais se aproximava, o fumo aumentava, os barulhos tornavam-se mais intensos, os apitos mais fortes e estridentes até que uma montanha andante de ferro, com um nariz vermelho, estava ali, mesmo em cima de nós. Escusado será dizer, que lá no fundo nos meus cinco anitos, fiquei borradinho de medo, agarrado à saia da minha mãe.
Apeadeiro de Parada do Corgo (ou Aguiar)
Com o tempo fui-me habituando àquele monstro amigo que me levava a visitar os meus avós e me trazia de regresso à casa de Chaves. Depois também foi através dele que vi pela primeira vez o mar e fui pela primeira vez à nossa praia (Póvoa de Varzim), tudo de comboio, depois paras as piscinas de Vidago e das Pedras Salgadas. Fui e vim da tropa de comboio, e já nos anos oitenta, quase até ao dia da sua morte, fazia viagens frequentes a Lisboa e se para lá ia de autocarro direto, o regresso fazia-o quase sempre na comodidade do comboio, e quer fosse de verão ou inverno, a Linha do Corgo, da Régua a Chaves, depois da regueifa e dos rebuçados de açúcar torrado, era feita na varanda do comboio, mas há uma viagem, a última, que nunca mais esquecerei, não por saber que era a última, pois não sabia então que passado pouco tempo, traiçoeira e irrefletidamente a linha iria ser encerrada, mas porque nessa viagem tive uma companhia inesperada à varanda, uma companhia que a família (mulher e filhos) tinha deixado na estação da Régua para apanhar o comboio para Chaves, uma companhia que eu há anos já admirava e da qual tinha saudades, sobretudo da sua sabedoria, do seu amor à poesia e do seu conversar. Era o meu antigo professor de português do Liceu, o Dr. José Henriques, que ainda antes do 25 de abril de 74, através da poesia e dentro das quatro paredes da sala de aulas nos falava da liberdade. Foi a minha última viagem na Linha do Corgo e a última conversa com o meu antigo professor, espaçada de silêncios, explicados pelo êxtase da apreciação da paisagem ou pela apanha e descarga de passageiros nas estações e apeadeiros.
CP0012 – Locomotiva: CP E209, Data: Não datado, Local: Não identificado, Portugal, Slide 35mm
Tenho saudades da Linha do Corgo, do comboio, de viajar à varanda e, só lamento, revoltado, que os de Lisboa nos o tivessem roubado, ou pior ainda, assassinado, sem o mínimo respeito pela sua história e pelas populações que servia.
Fernando DC Ribeiro
In “Memórias de uma Linha – Linha do Corgo – Chaves”, Agosto de 2014
Edição Lumbudus – Associação de Fotografia e Gravura
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Gentilmente cedidas para publicação neste post.