Crónicas de Assim Dizer
Pedro e o Lobo, um outro lado da história
Esta história tem passado de uma geração para outra, transportando uma moral com a qual até ontem eu concordei e que hoje me parece falsa!
Pedro era um jovem solitário que passava os dias a guardar o rebanho. Os seus dias eram todos iguais: de manhã ia para o monte com as ovelhas e à noite regressava. Era magro, mal nutrido, as suas refeições eram de pão e fatias de chouriço.
Não tinha com que se entreter. Naquela altura não havia portáteis, iphones, ipads, … nada! Mesmo que houvesse, Pedro nunca poderia tê-los. Livros, também não podia levar consigo para ler, porque o Pedro não tinha ido à escola. O pai, lavrador, precisava dele para guardar o rebanho durante o dia, enquanto trabalhava na agricultura para poder tirar alguma coisa da terra com que pudesse alimentar a família.
O Pedro já não suportava a rotina, a solidão, a vida vazia que tinha e um dia, para chamar a atenção sobre si, gritou, como se grita sempre, muito alto: “acudam, vem o lobo”, de forma a que na aldeia o pudessem ouvir e alguns deles viessem para lhe fazer companhia, para lhe quebrar a rotina, para que ele não se sentisse tão sozinho.
Na altura não havia psicólogos nem pedopsiquiatras e então chamaram-lhe “mentiroso”!
Ninguém percebeu o objectivo com que ele gritou com toda a força que podia: “acudam, vem o lobo”, e o Pedro continuou a guardar o rebanho e repetia a façanha até que alguém percebesse a solidão em que se encontrava.
Foi a forma de pedir ajuda que encontrou. Ninguém percebeu. E, após várias vezes repetir a proeza, a sua pobre imaginação ou o desespero não lhe permitiam inventar outra forma, as pessoas deixaram de acreditar nele. Pura injustiça!
Um dia veio mesmo o lobo, coisa que o Pedro não previra, e quando gritou: ”acudam, vem o lobo”, ninguém o socorreu. As ovelhas foram comidas e a culpa que durante décadas lhe atribuíram não foi dele. Não foi dele porque nunca foi sua intenção enganar as pessoas; não foi do lobo porque era um animal irracional e faminto, que precisava de se alimentar para sobreviver; não foi das ovelhas que foram, neste processo, meras vítimas. A culpa foi da aldeia inteira que não veio socorrer o Pedro quando ele pediu ajuda!
Não podemos deixar de acreditar nas pessoas sem antes percebermos porque é que elas fazem o que fazem e dizem o que dizem.
Ninguém conseguiu entender o Pedro e julgaram-no injustamente. Ele, coitado, como podia defender-se perante tantas acusações?! Calou-se e, em silêncio, assumiu a culpa que não era dele.
Esta história tem sido sempre mal contada, porque a moral que ela encerra não é que “é feio mentir”; o que é feio é não ajudar os outros quando eles precisam de nós. Mas, e sobretudo isto, pode haver outra razão que motivou o Pedro neste comportamento e que eu nem sequer equaciono ou prevejo, porque simplesmente não estou na sua pele!
Cristina Pizarro