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Os Dois Pintores de Chaves
Uma das coisas que não aprecio é a maneira como os emigrantes são recebidos quando regressam de férias à terra. Os locais tem por hábito menosprezar-los. Talvez não o fizessem se pensassem das dificuldades que muitos emigrantes passaram para sair do país, nas longas jornadas clandestinas (muitas vezes a pé), no atravessar de rios a nado (em que alguns morreram), e nas dificuldades tidas na chegada a um país desconhecido, como sejam o isolamento social e as saudades que se passam. Nunca percebi este menosprezo pelos emigrantes que bem contribuem para o desenvolvimento das terras natais com a entrada de capital. Não sei se será o comportamento exuberante de alguns deles que provoca alergia aos locais, se a inveja provocada pelos bons carros ou o desgosto com o sucesso dos outros. Se o Zé do Chico (que andava por aí a pedinchar jeiras para comer um caldo), emigra e aparece, passados 2 anos, com um carro maior que o do regedor, de certeza que vai ter que se arranjar algum defeito ao Zé, se não for no cu é nas calças à francesa.
Mas não são só os emigrantes que são sujeitos a tratamento diferenciado. Se alguém migra para uma grande cidade, como Lisboa ou Porto, imediatamente se desconfia que o migrante se acha mais fino que eles (Olha, até já fala à Lisvoa e diz vurro!), já não liga nada à terra, etc. Há até quem ache os migrantes uns traidores que abandonam a terra! O que é uma grande estupidez, porque quem tenha a ambição de exercer algumas profissões, como apresentador de televisão, cientista, ou maquinista de comboios, não o pode fazer em Chaves e por isso tem que sair. Isto não implica que quem sai perca o amor à terra e que não regresse para matar saudades, comer bom presunto, por exemplo, e, também, ser recebido como um finezas, ou simplesmente ignorado.
É o ignorar e menosprezar quem sai da terra que me leva ao assunto de hoje, que é o de Chaves ter dois grandes pintores internacionais mas apenas um deles ser conhecido (na terra, fora dela são os dois bem conhecidos). Um deste pintores é o Nadir Afonso, toda a gente o sabe, e que é uma pessoa simpática e com um grande sentido de humor. O outro, ninguém o conhece nem ninguém fala dele. Infelizmente faleceu em 2009. Mas nem esse acontecimento foi notícia nos jornalecos regionais. Nem sequer no Semanário Transmontano, que é um jornaleco com a mania que é o melhor, mas a mim me parece apenas o menos pior. Também essa má notícia não foi motivo de post aqui no blogue de Chaves.
Já agora, ó Fernando, tu não és obrigado a postar nada, mas há que estar atento, não podes falhar, é que com esta coisa do 1 milhão de visitas, estás com as costas carregadinhas de responsabilidade, o teu blogue tem mais visitas do que os jornais regionais, todos juntos, têm em 50 anos. Porta-te bem, abre a pestana.
Bem, se nenhum dos jornalecos regionais deu a notícia da morte deste grande pintor de Chaves, nem o Semanariozeco Transmontaneco, todos os outros grandes jornais, mais televisões e rádios, a deram.
Esse pintor chamava-se João Vieira e era natural de Anelhe, onde vinha de visita quando lhe apetecia. Podem-se encontrar as notícias sobre o seu falecimento no jornal Público, na TSF, etc.
Para quem não o conhecia, aqui vai um bocadinho da notícia do Público, do dia 5 de Setembro de 2009:
Nascido em Vidago, em 1934, João Vieira ingressou em 1951 na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde frequentou os dois primeiros anos do curso de pintura.
Começou a expor em 1956, ano em que se ligou ao grupo do café Gelo, em Lisboa, quando partilhava um atelier por cima deste café com José Escada, René Bertholo e Gonçalo Duarte.
Os quatro, juntamente com Lourdes Castro, Christo e Jan Voss, fundam mais tarde o grupo KWY, em Paris, que fica também conhecido pela revista com o mesmo nome.
Mas antes, em 1957, João Vieira parte para Paris onde é aluno de Henri Goetz na Académie de la Grande Chaumière. Na capital francesa, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, trabalha com o pintor Arpad Szenes, marido da pintora Maria Helena Vieira da Silva.
Depois de outras passagens por Paris e ainda por Londres, onde em finais de 1964 lecciona no Maidstone College of Art, regressa a Lisboa em princípios de 1967 e começa a trabalhar quase exclusivamente como cenógrafo teatral.
A ligação ao teatro terá expressão nas artes plásticas, como é manifesto na sua primeira performance em simultâneo com a sua exposição O Espírito da Letra, realizadas na Galeria Judite Dacruz em 1970.
A RTP2 vai passar hoje às 22h30 o documentário “Pinto Quadros Por Letras” sobre o pintor.
O João Vieira foi das grandes figuras da arte portuguesa do século XX, como se lê no Expresso.Teve exposições nas melhores galerias, como o CCB ou Serralves, e ainda produziu painéis de azulejos para estações do metro de Lisboa e Budapeste, ou capas para discos, como do Vitorino.
Agora, pergunto eu: e em Chaves, houve algum dia exposição do Vieira? Não me lembro, penso que não. Porque será? Será porque ele era de Anelhe, da aldeia, ou porque os 15 km de Anelhe a Chaves são distância intransponível? Ou será que foi o ele ter ido viver para Lisboa?
Não sei explicar. O que acho é completamente ridículo que certos pintores de Chaves, que são fracotes (são quase todos, há um ou outro mediano e há o Nadir, claro, e haveria o Vieira não fosse a ignorância), apesar de bons rapazes, sejam convidados, apaparicados, e apoiados para expor aqui e acolá, e um pintor deste calibre tenha sido estoicamente ignorado. É ridículo e obtuso porque Chaves só teria a ganhar com isso, como é evidente, assim como tem a ganhar em receber bem quem bem nos representa fora da cidade.
Mas ainda se vai a tempo. Nada impede que ainda se faça uma exposição com a obra. Talvez seja complicado porque ela deve andar ocupada em mostra-se em Serralves, ou noutras grandes galerias, mas se se consegue o Nadir também se conseguiria o Vieira.
É caso para perguntar ao senhor vereador da cultura "Ó pá, andas a dormir? Olha que a pintura não é só Nadir!". E quem diz perguntar ao actual vereador, diz também a todos os seus antecessores, que pelos vistos de cultos não têm nada, ou muito pouco.
A mim é que não me podem acusar de não defender tudo que é bom da terra, sou dos flavienses mais flavienses que há, até tenho Chaves no nome!
Até à próxima Segunda.
António Chaves