Discursos sobre a cidade - Por António de Souza e Silva
O FERIADO MUNICIPAL DE CHAVES E OS 40 ANOS DO PODER LOCAL
I
Hoje é o Dia do Município de Chaves.
Muitos municípios escolheram o seu feriado municipal comemorando um santo; outros, por ocasião da criação do seu município ou eleição ou indigitação da sua sede a cidade; outros ainda, em razão de um acontecimento local relevante.
Chaves escolheu este dia pela sua relevância no contexto nacional da altura.
Com efeito, a partir de 8 de junho de 1912, definitivamente, os monárquicos ou legitimistas deixaram de ter qualquer apoio ou veleidade quanto ao regime que em Portugal iria vigorar – a República, saída de 5 de outubro de 1910.
É certo que se viveram na altura tempos excessivamente complicados, difíceis e perturbantes nos poucos anos em que a I República vingou, fruto não só de um complicado e dramático contexto internacional, mas também das excessivas dificuldades que Portugal, a sua economia e sua sociedade, tinham para se adaptarem ao ritmo da modernidade.
Mas o que está em causa não é o que veio a seguir à implantação da I República. Do que se deve falar é do ideário que a I República trazia para o Portugal daqueles tempos.
Não estamos de acordo com aqueles que contestam esta data como feriado municipal, dizendo que ela não é significativa, chegando ao ponto de afirmarem que este dia é «vergonhoso», porquanto, nas escaramuças entre republicanos e monárquicos, até havia flavienses nas duas frentes.
Salvo o devido respeito, estamos em total e completo desacordo com este entendimento. Nada de relevante na história se faz sem luta, sacrifício e até com o custo da própria vida. E não é por isso que não se devem comemorar certos acontecimentos, incorporando-os na nossa vida coletiva como elementos identitários da mesma.
Os Defensores de Chaves, em 8 de julho de 1912, ao darem uma machadada definitiva na «ressurreição» legitimista ou monárquica, mostraram a todo o país que tinham um ideário e por ele, afincadamente, lutavam – a República.
Por isso, o 8 de julho é para os flavienses uma data na qual eles mostram ao país inteiro, na senda daquilo que foi sempre a sua história, vivendo em terras de fronteira, lutando pela independência do nosso rincão, de que lado da história eles estiveram e estão – na assunção dos seus ideais progressistas, democráticos, de justiça social e de desenvolvimento da sua pátria e do seu município.
O 8 de julho, ao contrário do que alguns afirmam, não ofende ninguém, muito pelo contrário, enobrece a causa pela qual um punhado de valentes homens flavienses lutaram, numa lógica republicana e progressista.
O 8 de julho não se trata de um acontecimento de qualquer “politiquice caseira de castas flavienses”, outrossim, repete-se, da defesa de um ideário que, após 50 anos da noite salazarenta, nós todos, portuguesas e portugueses, prosseguimos com o 25 de Abril de 1974. Nem sempre com sucesso e no melhor dos caminhos, mas sempre persistindo no encontrar o melhor dos mundos para todos nós.
O 8 de julho, sendo historicamente um acontecimento travado em solo flaviense, evoca um ideário pelo qual muitas portuguesas e portugueses se bateram. Razão suficiente para continuar a ser o nosso Dia do Município. E a orgulharmo-nos pelo nosso contributo à causa das ideias de Progresso, de Desenvolvimento, de Igualdade e de Justiça Social.
II
Comemora-se este ano 40 anos do Poder Local.
A restituição das Liberdades e o Poder Local foram duas conquistas plenamente conseguidas pelo 25 de Abril de 1974.
Mas é bem verdade que falta ainda cumprir Abril e Portugal quanto a Desenvolvimento, Igualdade e Justiça Social.
Durante 40 anos, o Poder Local foi um elemento fundamental no dar voz às populações locais e ao desenvolvimento das nossas terras, particularmente as do interior.
Passados 40 anos, há que refletir sobre o Poder Local que hoje temos e, eventualmente, encontrar novas formas organizativas e outras legitimidades mais consentâneas e adaptadas à realidade de um mundo cada vez mais complexo e totalmente globalizado. Se esta reflexão não for feita, e não encontrarmos outras fórmulas e legitimidades de governação, o atual Poder Local em vez de ser uma fonte de desenvolvimento para as nossas terras e populações locais, transformar-se-á numa das forças de bloqueio da sociedade portuguesa.
III
Para comemorar os 40 anos do Poder Local, a autarquia flaviense achou por bem agraciar os autarcas que desempenharam funções de vereador na Câmara Municipal de Chaves durante este período.
Consultando as atas da Câmara Municipal não se percebe muito bem da fundamentação da proposta, se de verdadeira proposta se trata a intervenção do Presidente de Câmara na reunião ordinária de 29 de abril de 2016. Apenas damos conta do estabelecimento de um critério para a atribuição das diferentes medalhas municipais, por ocasião do Dia do Município, e tendo em conta a comemoração dos 40 anos do Poder Local: de ouro, se foi vereador a tempo inteiro, com pelouro(s); de prata, se foi vereador a meio tempo, com pelouro(s) e de bronze, se foi simplesmente vereador, quer tenha ou não assumido qualquer pelouro.
Fomos vereador a tempo inteiro na autarquia flaviense durante dois mandatos. Por tal facto, somos, pois, um dos comtemplados.
Aceitando, democraticamente, as legítimas deliberações do atual executivo municipal, não podemos, todavia, estar de acordo com semelhante «proposta» ou critério de atribuição. Não é o estatuto de vereador a tempo inteiro, meio tempo, com ou sem pelouro(s), e o ser simplesmente vereador, com ou sem pelouro(s), que lhe dá legitimidade para ser agraciado. Trata-se aqui de um critério fácil de atribuição que não releva do real valor do trabalho que o ex-autarca, independentemente do seu estatuto, desempenhou em prol do desenvolvimento do seu concelho. Nem tão pouco tem em conta o real sacrifício pessoal, profissional e familiar que o mesmo teve no desempenho das suas funções, quando muito bem sabemos que um vereador a tempo inteiro, ou mesmo a meio tempo, tem a vida muito mais facilitada para o desempenho de funções autárquicas do que um simples vereador que, para além da sua atividade profissional, participa e desenvolve trabalho (voluntariamente) nos órgãos da autarquia.
Por estas razões a nossa consciência apontava-nos que não deveríamos receber tal agraciamento, porquanto, como cidadão e flaviense de coração – há mais de cinquenta anos vivendo nesta terra – outra coisa não fizemos, quando integrámos os elencos camarários, em dois mandatos, em função de um imperativo ético, que cumprir um dever de cidadão. E, olhando para a lista de agraciados, tendo em conta o critério adotado, damo-nos conta que a lista está incompleta...
Sabemos que a memória humana é curta, passível de falhas. Mas a história, com as suas fontes, aí está para nos relembrar. Temos pena que uns tenham sido lembrados e outros esquecidos!
Melhor ponderando sobre este assunto, tomámos a decisão de comparecer à cerimónia de hoje e receber a aludida medalha.
Houve dois argumentos que barraram as objeções da nossa consciência. O primeiro assenta no pressuposto de que quem vai receber a medalha não é simplesmente o cidadão e flaviense, António de Souza e Silva, mas o ex-autarca, militante socialista, que integrou as listas do Partido Socialista nas duas eleições em que o PS de Chaves saiu vencedor. Quem vai ser agraciado é o ex-autarca socialista que integrou uma equipa e lutou por um projeto de progresso para Chaves, tendo tudo feito, com o seu melhor saber e competência, pese embora as suas enormes falhas, para que aquele projeto em que acreditava fosse em frente.
Neste entendimento, é uma enorme honra ir receber a medalha de ouro do Município de Chaves. Não para a levarmos para casa – que tal não merecemos – mas para a entregarmos nas mãos do atual Presidente da Comissão Política do PS de Chaves para ficar no domicílio a que, por direito, pertence – a sede da Secção do PS de Chaves. Porque foi de lá, como militante socialista, que saímos para a autarquia flaviense e nos fizemos autarca. Os méritos que se pretendem agraciar não são nossos, são do coletivo do qual saímos. Sozinhos não seríamos ninguém!
A argumentação supra seria só por si necessária para apaziguar a nossa consciência e justificar a nossa presença hoje, às 12 horas, no Auditório Municipal de Chaves.
Contudo, outra razão mais funda ditou e justificou este nosso gesto: aquilo que como autarca fomos bebemo-lo no exemplo, no sacrifício, abnegação, persistência e solidariedade de dois grandes amigos, saudosos camaradas e ex-autarcas que, em momentos bem difíceis da consolidação do Poder Local em Chaves, tão bem nos demonstraram o que seja um verdadeiro camarada, um bom socialista – José Augusto Fillol Guimarães e Domingos Benjamim Carneiro Ferreira. Não foram ou vão ser agraciados. Nem mesmo a título póstumo. Pois a medalha que hoje vamos receber, que, como acima dissemos, ficará como espólio na sede do Partido Socialista de Chaves, é a eles inteiramente dedicada para que os novos militantes e próximos autarcas socialistas se lembrem destes dois ilustres e abnegados socialistas flavienses que tanto deram das suas vidas pela a causa do socialismo democrático e do Poder Local em Chaves.
António de Souza e Silva
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