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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

02
Abr14

Chá de Urze com Flores de Torga - 30


 

Na continuação dos três últimos artigos do “Chá de urze com flor de Torga” sobre os Poemas Ibéricos, adicionamos mais o artigo de hoje, anteriormente publicado num blog amigo - “Voilá, é Zassu!”, e com a devida autorização do seu autor que é também colaborador do blog Chaves. Poemas Ibéricos versus a Mensagem de Fernando Pessoa – este artigo abre também aqui nesta rubrica do “Chá de urze com flor de Torga” o inevitável “confronto” e abordagem entre os três grandes da literatura portuguesa: Camões – Pessoa – Torga. Mas isso ficará para posts futuros, embora hoje já se aborde Fernando Pessoa, ainda vem no contexto dos “Poemas Ibéricos” de Torga.

 

Fica então aqui reproduzido na íntegra o post de Zassu, cujo original poderá ser visto aqui: http://zassu.blogs.sapo.pt/2521.html

ENTRE OS «POEMAS IBÉRICOS (DE TORGA) E A MENSAGEM (DE PESSOA)

AO ENCONTRO DE UM PORTUGAL COM OS PÉS BEM ASSENTES NA TERRA

 

 

Com certeza que estão recordados do meu último texto postado neste blogue e da conversa tida com o meu tio Nona.

 

Esqueceu-me de referir que, antes de sairmos da Livraria Almedina, do Centro Comercial Arrábida, Gaia, tio Nona recomendou-me vivamente a leitura de um livro, que acabou por mo oferecer, dizendo:

 

- Procura ler atentamente esse conjunto de textos. E, estou certo, se os leres com atenção, levar-te-ão a conhecer, mais em profundidade, a obra de um dos «nossos», um dos nossos maiores, e, a partir dele, conheceres melhor o nosso Portugal.

 

 

A obra em questão – “Dar mundo ao coração – Estudos sobre Miguel Torga”, organizada por Carlos Mendes de Sousa, com prefácio de Eduardo Lourenço, foi editada pela Fundação Calouste Gulbenkian e Texto Editores, em 2009, e contém as intervenções, contributos de uma série de especialistas da obra torguiana constantes de um colóquio internacional organizado pelo Centro Cultural Calouste Gulbenkian, de Paris, por ocasião do centenário do nascimento de Miguel Torga.

 

Dos textos que li atentamente houve um que me despertou particular curiosidade e me chamou mais a atenção.

Trata-se do texto de Teresa Rita Lopes, da Universidade Nova de Lisboa, com o seguinte título: “A Ibéria, de Torga e «Nós, Portugal e poder ser», de Pessoa” (Mensagem).

 

Em síntese, esta autora, a partir destes dois textos – Poemas Ibéricos, de Torga e Mensagem, de Pessoa – procura-nos dar a visão que, cada um deles, tinha de Portugal.

 

E falando de Torga, afirma: a Ibéria é um corpo magro, pobre, «saibroso e franciscano», mas materno, a que esses filhos que mamaram nas suas tetas de pedra devem fidelidade eterna (…)

 

Tudo o que pareça remeter para uma qualquer transcendência, céu ou mar, em que os seres da Criação não consigam fincar pé ou raiz, é repudiado por Torga (…)

 

Face à permanente oposição corpo-alma, a que dá presença na sua obra, Torga é sempre pelo corpo (…)

Torga não exalta as Descobertas. Vejamos o que, a partir do poema Mar, ele pensa:

 

Mar!

Tinhas um nome que ninguém temia:

Era um campo macio de lavrar

Ou qualquer sugestão que apetecia…

 

[…]

 

Mar!

Fomos então a ti cheios de amor!

E o fingido lameiro, a soluçar,

Afogava o arado e o lavrador!

 

Mar!

Enganosa sereia rouca e triste!

Foste tu quem nos veio namorar

E foste tu depois que nos traíste!

 

Por outro lado, as referências às Índias são sempre negativas em Poemas Ibéricos.

 

Através da voz de Afonso de Albuquerque temos a impressão de ouvir os negros presságios de Sá de Miranda: «Por isso a Índia há-de acabar em fumo/nesses doirados Paços de Lisboa».

 

O último poema de Poemas Ibéricos termina assim:

 

Venha o Sancho da lança e do arado,

E a Dulcineia terá, vivo a seu lado,

O senhor D. Quixote verdadeiro!

 

Para Torga esta mensagem é clara: o verdadeiro herói é o Sancho, o humilde herói coletivo da luta quotidiana da vida contra a morte, não D. Quixote de la Mancha.

 

E como podemos ler a Mensagem de Pessoa?

 

Para Pessoa, pelo contrário, o país não é corpo: «um país é uma alma».

 

Torga exalta Nun’Álvares Pereira mas destrói, literalmente, D. Sebastião.

 

Pessoa, embora entregue a Nun’Álvares a espada do Rei Artur, l’Excalibur, e lhe chame o São Portugal, privilegia D. Sebastião: dedica-lhe na Mensagem sete poemas e numerosas referências, enquanto a Nun’Álvares Pereira só lhe inspira uma.

 

Torga consagra apenas um poema a D. Sebastião – dir-se-ia – para o castigar.

 

Enquanto Pessoa enaltece a sua loucura, o seu desejo de «grandeza» («Louco, sim, louco, porque quis grandeza/Qual a sorte a não dá?/(…) Sem a loucura que é o homem/Mais que a besta sadia/Cadáver adiado que procria?»

 

 

Por seu lado Torga, a D. Sebastião, inflige-lhe o ultraje, a suprema punição de ser apenas, no meio de um deserto, um cadáver que ninguém enterrou – que a terra, útero primordial, não recuperou no seu seio regenerador. E foi a sua loucura e a sua mania de grandezas que a isso o conduziu.

 

Para Torga, D. Sebastião e D. Quixote, ambos voltam as costas à realidade e partem loucamente em busca do que só existe na insensatez dos seus sonhos.

 

Para Pessoa as Descobertas representaram uma procura de identidade: «a busca de quem somos/Na distância de nós».

 

Mas, para Torga, partir é sempre perder-se de si próprio, optar pelo barco é ser infiel à raiz.

 

Pessoa é sempre pelo barco, contra a raiz. Num poema de Mensagem, «O Quinto Império», o que chama «a lição da raiz» é negativa:

 

“Triste de quem é feliz!

Vive porque a vida dura.

Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz –

Ter por vida a sepultura”.

 

Para Torga, somos humildes filhos de uma mãe rude e pobre, a Ibéria, mas dotada de uma grandeza de que nos devemos de orgulhar. É ao seu apelo que devemos acudir, não ao do mar, a tal sereia traiçoeira. Por isso é que ele exorta Sancho a que regresse ao seu arado.

 

Para Pessoa, nesse áureo período em que nos revelámos aos nossos próprios olhos, fomos «navegadores e criadores de impérios». A mensagem da Mensagem é o contrário da dos Poemas Ibéricos.

 

Com a sua mensagem na Mensagem – explicou depois em prosa – pretendia que os Portugueses se afirmassem no presente de uma forma que fosse equivalente das Descobertas do passado, mas apenas no domínio do ser, não do ter, como então. Por isso incita os seus concidadãos a reencontrarem-se «Nós, Portugal, o poder ser».

 

Apesar de tudo, torga insiste: «Olha esta Ibéria que te foi roubada e que só terá paz quando for tua». Porque é preciso que Sancho a recupere, de arado em punho, rejeitando traiçoeiros sonhos de grandeza e volte a cultivar os seus campos e a travar a tal quotidiana «batalha de ser fiel à vida». Para Torga Terra e Vida se equivalem.

 

***

 

Estas foram as palavras que citei de Torga e Pessoa e as que pedi emprestadas a Teresa Rita Lopes para, tal como ela, concluir que «o imaginário português balança sempre não apenas entre a terra e o mar (entre a raiz e o barco), mas também entre dois heróis: Nun’Álvares Pereira, o herói vencedor, solar, simbolizando a raça portuguesa ainda de boa saúde, antes do delírio das Descobertas e D. Sebastião, o herói vencido, crepuscular, representante da derrota dos sonhos e dos impérios».

 

Perdidos os impérios, e não aprendendo a lição da história, continuámos a pensar que a nossa integração na União Europeia acabaria por nos dar o ter que havíamos perdido nos longínquos mares…

 

Na miragem do cravo e da canela de outras índias e no oiro dos brasis, que os euros que a Europa nos «cedia» para nós representavam, fomo-nos esquecendo da lição dos dois grandes mestres da nossa portugalidade, de ser português: sonhar com os pés bem assentes na terra, no nosso terrunho, recuperando, «com o arado em punho» a terra que, pelo nosso descuido, incúria e negligência, «nos está sendo roubada» e desenvolvendo, todos, toda – do mar à planície, da planície ao planalto, do planalto à montanha, do norte a sul, do litoral para o interior – numa nova gesta que nos faça, de novo, dignos do nobre nome que, ao longo dos tempos, nossos antepassados tão bem souberem erguer e preservar – Portugal.

 

Zassu

 

 

 

26
Mar14

Chá de Urze com Flores de Torga - 29


 

 

Poemas Ibéricos – O Pesadelo – 4ª parte

 

Nesta quarta e última parte dos Poemas Ibéricos de Miguel Torga, deixamos apenas os poemas, sem qualquer comentário da nossa parte.

 

Pesadelo de D. Quixote

 

Sancho: ouço uma voz etérea

Que vos chama…

Ibéria, dizes tu?!... Disseste Ibéria?!

Acorda, Sancho, é ela a nossa dama!

 

Pois de quem hão-de ser estes gemidos?!

Pois de quem hão-de ser?!

Só dela, Sancho, que nos meus ouvidos

Anda o seu coração a padecer…

 

Ergue-te, Sancho! Quais moinhos?! Quais?!

Ai! Pobre Sancho, que não sabes ver

Em moinhos iguais

Qual deles é só moinho de moer!...

 

Não Passarão

 

Não desesperes, Mãe!

O último triunfo é interdito

Aos heróis que o não são.

Lembra-te do teu grito:

Não passarão!

 

Não passarão!

Só mesmo se parasse o coração

Que te bate no peito.

Só mesmo se pudesse haver sentido

Entre o sangue vertido

E o sonho desfeito.

 

Só mesmo se a raiz bebesse em lodo

De traição e de crime.

Só mesmo se não fosse o mundo todo

Que na tua tragédia se redime.

 

Não passarão!

Arde a seara, mas dum simples grão

Nasce o trigal de novo.

Morrem filhos e filhas da nação,

Não morre um povo!

 

Não passarão!

Seja qual for a fúria da agressão,

As forças que te querem jugular

Não poderão passar

Sobre a dor infinita desse não

Que a terra inteira ouviu

E repetiu:

Não passarão!

 

Exortação a Sancho

 

Senhor meu, Sancho Pança enlouquecido,

Servo vencido

Na terra sonhada,

Tem a coragem da verdade nua:

Olha esta Ibéria que te foi roubada,

E que só terá paz quando for tua.

 

Ergue a fronte dobrada

E começa a façanha prometida!

Cumpre o voto da nova arremetida,

Feito aos pés de quem foi

O destemido herói

Da batalha de ser fiel à vida!

 

Nega-te a ser passiva testemunha

Do amor cobiçoso

Que os falso namorados

Fazem crer impoluto e arrebatado

Àquela que reflecte o céu lavado

Nos olhos confiados.

 

Venha o teu grito de transfigurado:

Ai, no se muera!... E a donzela acorda

E renega o idílio traiçoeiro.

Venha o Sancho da lança e do arado,

E a Dulcineia terá, vivo a seu lado,

O senhor D. Quixote verdadeiro!

 

 

05
Mar14

Chá de Urze com Flores de Torga - 26


 

Hoje e nos próximos capítulos vamos abordar os Poemas Ibéricos de Miguel Torga. Será uma síntese, por nós abordada, e que ficará aquém de tudo que se possa dizer sobre os Poemas Ibéricos e Miguel Torga.

 

Vamos dividir estre trabalho em quatro partes, tantas quantas as partes em que os Poemas Ibéricos são divididos.

 

Os Poemas Ibéricos – 1ª parte

 

Os Poemas Ibéricos são divididos em quatro partes - História Trágico-Telúrica, História Trágico-Marítima, Os Heróis e O Pesadelo – Os poemas Ibéricos buscam revisitar a história dos povos da península.

 

Miguel Torga começa o seu livro com o poema “Ibéria” que, aliás, é independente de quaisquer outras partes do livro, ou seja, o poema em questão é a própria apresentação do livro pelo próprio autor, uma espécie de prefácio ou prólogo.

 

Este poema é, em suma, uma síntese do povo e da terra ibérica. O primeiro quinteto resume como é a península vista do mais alto cume. Pela certa uma alusão aos  Pireneus que fazem a fronteira natural entre a península e o resto da Europa, que nos separa da Europa e dá uma identidade própria aos povos ibéricos. Uma península com apenas terra (a grande meseta ibérica), sol e pinhais, características únicas da península, um ambiente hostil. Quem conhece a meseta, sabe ao que Torga se refere. O primeiro quarteto mostra-nos a ânsia de um povo em saber o que está para além do mar, e enfrentar os seus perigos na procura de novos mundos. Uma ansia que dói como um tumor enraizado, a península como uma antena da Europa, a ponta da Europa como recetor do chamamento constante do mar. O segundo quarteto é uma alusão ao desbravamento do mar, às descobertas, às suas dificuldades (bem patentes no poema “Regresso”) do povo ibérico desdobrado em portugueses e espanhóis. No último quarteto a loucura e sonho do povo ibérico de ser dono do mundo.

 

Na parte chamada de História Trágico-Telúrica, Miguel Torga descreve a Península com os seus poemas A Terra, A Raça, Fado, A Vida, O Pão, O Vinho e A Miragem. Ou seja, o poeta trasmontano mostra os elementos básicos da cultura ibérica. O poema Fado mostra o destino reservado a portugueses e espanhóis, um destino que calhou ao povo ibérico como uma condenação da qual não se pode fugir:

 

“FADO

 

Tem cada povo o seu fado

Já talhado

No livro da natureza.

Um destino reservado,

De riqueza

Ou de pobreza,

Consoante o chão lavrado.

 

E nada pode mudar

A fatal condenação,

No solo que lhe calhar,

Humana vegetação

Tem de viver, vegetar,

A cantar

Ou a chorar

Às grades dessa prisão.”

 

 

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