Crónicas de assim dizer
Bichos como anjos
Tinha as asas tingidas de negro
Mas parecia um anjo
A fala sem voz humana
Emitia apenas sons
Gritos e grunhidos
Nada nele dava indícios de anjo
A não ser o querer dela a acreditar que fosse
Com o poder que temos de nos iludir
A mover montanhas
Com a força da alavanca de Arquimedes
Dos seus lábios escorria sangue
Achou que fosse tinta
Que era um artista plástico
A pintar com a boca
Nos pés umas sandálias
A imitar Cristo
Mas com picos por baixo
Como correntes de neve
Apropriadas para escalar corpos
De verão e de inverno
A pele grossa e áspera
Treinada e calejada
Parecia de um elefante
Não reagia ao toque
Não tinha sensação térmica
Nem emoções
Defendia-se sem ser atacado
Agredia para não ser agredido
Ao surpreende-lo de noite a deslocar-se
Como uma barata tonta
Assustada e violentada
Escrava e domesticada
Com feridas que não cicatrizam
Soltou um grito da alma sem freio
E conquistou a liberdade
Nascendo naquele momento
Num parto sem dor
De alegria vibrante
Cristina Pizarro
Nota do blog Chaves
Cristina Pizarro soma mais um prémio de poesia, precisamente com o poema que hoje fica aqui publicado, desta vez com o Premio Internazionale di Arte Letteraria "Il Canto di Dafne", Montecatini Terme, Italia.
Sezione E: Per dire NO alla violenza sulle donne in memoria di "Anna Maria Marino".
Premio di Merito Voci dal Mondo Autori Stranieri: 2º Premio, Cristina Pizarro.
Marina Pratici (Presidente del Premio), Jacqueline Monica Magi (Presidente della Giuria) e Rita Innocenti (Direzione Artistica).