Pedra de Toque - A minha Prima Vera
A minha Prima Vera
Chega sempre em Março.
Num comboio de amêndoas ou num automóvel alado.
O dia 21 é o que ela elege para a visita.
Por hábito, vem bonita, radiosa, florida.
Ás vezes, aparece-me um pouco fria, cinzenta.
Fico feliz quando ela chega.
É uma mulher linda, que todos os anos, nesta altura, me surpreende.
Não pensem que gosto dela só por ser minha PRIMA.
Todos temos primas de que não gostamos.
Mas esta é VERA, no sentido latino do termo – verdadeira, fiel, segura.
Dedico-lhe amizade, porque ela tem sol nos olhos e nos gestos, porque ela exala o perfume intenso dos campos.
Estar com ela é sentir-lhe na voz o melódico chilrear dos pássaros de arribação.
Quando a passeio, as flores abertas sorriem e as folhas nas árvores rebentam de verdes.
A minha PRIMA VERA, quando vem, dá-me um calor meigo, aclara as minhas dúvidas, pacifica as minhas angústias.
Se surge brusca, sem se fazer anunciar, deprime-me.
Mas logo, lânguida, fala-me, destrói-me as nostalgias e com a sua luminosidade, serena-me.
Com ela apetece-me sempre a poesia, que leio alto, homenageando-a.
Quando parte, a 22 de Junho, começo a suar de saudade.
Refresco-me então, nas águas azuis de todos os mares transparentes, nas sombras de todas as árvores de espanto, que nascem sempre nas aldeias, vilas e cidades que construímos nos nossos sonhos.
Os dias, tórridos, nebulosos e gélidos, sucedem-se, inevitavelmente.
Com ansiedade percorro-os, certo na convicção de que a 21 de Março, na Rua da Felicidade ou na Esquina dos Sentimentos, voltarei a encontrar a minha querida PRIMA VERA.
António Roque