UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM - DIA DE PRIMAVERA
De mansinho, como só ele sabe, o dia acorda a Primavera no azul da manhã. Mira-se ao espelho, no cristal das gotas do orvalho que a madrugada lhe deixou, e estende os olhos pelos campos sem fim. Verdes, tão verdes, assim, reflectidos no seu olhar de luz!
O Sol, seu companheiro de sempre, faz-lhe companhia. Na Primavera levanta-se mais cedo, liberto da preguiça de ficar escondido entre os lençóis do sono.
— Quero ver como vão as coisas lá em baixo, na Terra. Quero zelar por elas. Ajudar a terra a florir e a frutificar. Essa é a tarefa que me cabe cumprir – murmura ele. Portanto, deita mãos ao trabalho. Ou seja, afadiga-se a lançar sobre a terra a quentura dos seus raios para que a semente desponte, a flor tenha perfume e o fruto a doçura que o fará cobiçado.
— O Sol é um mágico! – segreda o canavial à brisa que passa.
— O Sol é um trabalhador cheio de coragem! – afirma o rio, na sua viagem sobre as pedras.
— O Sol é o irmão da Natureza! – acrescenta a macela a oscilar nos ramos.
— O Sol é um amigo de todos nós! – congratula-se o homem, que cultiva a terra, a imaginar a seara que há-de ceifar nos meados do Verão.
Mas como o dia tem de aproveitar o tempo, ei-lo a bater à porta das casas da aldeia, atento aos passos e às vozes; a saltar os muros de pedras sobrepostas, onde espreitam os tufos de conchelos e erva-moleirinha; a subir ao topo das serras, entre veredas de murta, verbenas e boninas.
As borboletas, as libélulas, as joaninhas, os besouros e as abelhas andam também numa roda-viva a saborear a liberdade que a Natureza lhes oferece.
— Bom dia! Bom dia! É Primavera! – repetem sem parar, deslumbrados com a beleza que os rodeia e curiosos de tanta novidade.
Aqui e além ouvem-se os grilos, as cigarras e os ralos, a desenferrujarem a sua música dos muitos dias de silêncio e merecido descanso. Nas hastes e nos tronos das plantas e das árvores rebentam os renovos, orgulhosos do vigor que fará a seiva correr com força redobrada nas suas raízes, adormecidas durante os meses frios do Inverno. É a vida que volta. Que começa ou recomeça. É o letargo interrompido. O sono que termina. O pousio que cessa. Daqui em diante, são os dias a encherem-se de sons, de aromas, de colorido. E também a certeza de que a Primavera não deixa nunca de nos maravilhar num repetido e sempre renovado canto!
Mas engalanados ficam também os moitões de tojo, a esconderem a aridez dos picos debaixo de um manto de florinhas de oiro. Numa mistura de cores, de formas e perfumes, fazem-lhe companhia os almeirões, juntinhos, a formarem tufos de flores lilases; os resmonos azuis, a confundirem-se com a flor do rosmaninho; a flor das estevas, olhar castanho-escuro a espreitar nas cinco pétalas translúcidas; o lilás das minúsculas flores da malva, pincelado em cada pétala com três filetes roxos, e o branco e o amarelo dos pampilhos a salpicarem o vermelho das papoilas. Tanta beleza, tanta, por esses campos a perder de vista! E um perfume sem par a respirar na aragem! Mas as casas… Ah!, as casas são as flores mais bonitas da paisagem!
Soledade Martinho Costa
Do livro «Histórias que a Primavera me contou»
Ed. Publicações Europa-América
Foto: Fernando DC Ribeiro (Aldeia de Morgade, Barroso)
Publicado em: https://www.facebook.com/soledade.martinhocosta/posts/5030100077077851