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“Maldição de S. CAETANO(?)”
É Verão.
Todos os frutos da Natureza sabem que nem um regalo!
E o cabrito, e o cordeiro e o frango assadinhos no forno, que bem apaladados se apresentam, depois do delicado trato dos nossos amigos cozinheiros e amicíssimas cozinheiras!
E não é que a «pinga» de qualquer Adega de um vizinho, ou Regional, da NOSSA TERRA «fica mesmo a matar» com aquele especial molho, onde as batatas assadas envernizam aquela cor coradinha que só os fornos e a lenha daquelas Terras sabem dar?!
Por ali, “come-se que nem um abade”, e “bebe-se que nem um camelo”!
É de admirar?!
Nem por isso!
O sorriso franco e os braços abertos com aquelas gentes nos recebem abrem-nos - e de que maneira! - o apetite.
E a franqueza é sempre tão grande que até nos fazem juntar a sobremesa com a ceia!
Os simples e os modestos, como nós, só têm uma maneira de mostrar o seu reconhecimento: levar o carro e o coração carregadinhos de amizade.
O pior é que nos acontece sempre «o pior» - o nosso regresso é feito com a alma cheiinha de mimos e a mala do carro ou a cabina e a caixa da carrinha atulhadas com saborosas lembranças!
Catancho!
“Incréu” como somos, até nos custa ter de acreditar que o S. CAETANO costuma fazer milagres!
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É Verão.
E o fresco de uma sombrinha “que bem que sabe”!
E o S. CAETANO com ela abençoa os seus devotos em visita.
E até os passeantes que por lá andam, e «fazem escárnio» das milagrices que lhe atribuem!
Há uma boa meia dúzia de decénios que lhe fomos apresentado pela nossa AVÓ, num Dia de Festa!
Porque não tivemos «o garrotilho»; porque fomos curado das «sezões»; porque ficámos bom do braço partido (tri-partido!) com aquela enorme turra do carneiro irritado com «A Corneta de S. Caetano»; lá fomos, pela mão d’AVÓ, agradecer-lhe estes milagres!
A ele, S. CAETANO, tão sábio, tão rico e tão poderoso, iam, e vão, os pobres e os pobrezinhos levar «a esmola»!
E, como se não bastasse a longa caminhada, desde o termo de Samaiões, ainda tivemos de «esturricar» ao sol, carregadinho com as roupas, a coroa e a estátua, a cruz ou o ramo que nos davam o ar e a figura de «ANJINHO», numa procissão mais lenta do que «passo de boi»!
É Verão.
E hoje lá fomos ao “S. CAETANO”, recordar as promessas (da AVÓ) por nós cumpridas, e cobrar o prazer de sombrinha, ora apetecida.
Próximo do banco onde, de olhos fechados nos parecia melhor apreciarmos a sombra e o sossego do lugar, e com mais harmonia e emoção desfilariam aquelas recordações distantes, dois casais de «velhotes», mais ou menos da nossa idade, conversavam filosoficamente.
Trocavam histórias de milagres de amor, de saúde e de sorte.
-….“Nunca mais deixa de ser burro”! - ouvimos. E ficámos com a atenção desperta.
-“’Ind’à semana passada fomos bisitar o Delfim, que está entrabado numa cadeira de rodas, Estábamos eu, ele, a mulher, a filha e o genro, cá fora de casa, ao fresco.
O rapaz…
-O rapaz! - exclamou, e interrompeu, uma voz feminina (que presumimos ser da Rapariga que o orador tomou por Mulher, provavelmente no altar do S. CAETANO).
-Ele debe ser da nossa idade, ou até mais «belho» um pouco! - acrescentou a «madama».
-Bem, «Rapaz» foi uma “forma de dezer”.
O Rapaz vinha despedir-se.
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Como lhe tinham prometido umas saladas, deixou a mala do carro «a direito» do portão, que já estava aberto.
Estava a filha do Delfim a dizer que esperasse um bocadinho, enquanto ia buscar as alfaces - que até eram de duas “calidades” - quando rompe por meio de nós, que estábamos sentados à roda do Delfim, o filho do Jeremias e da Teresa, genro e filha do Delfim e d’Augusta.
«Nem água “bem”, nem água “bai”».
“Quer-se dezer”: nem bom-dia, nem boa-tarde.
“Fez questã” de meter o carro dentro do pátio. E como tebe de fazer duas ou três manobras para entrar, ficou muito incomodado.
“Bai daí”, o cumprimento dele, birando-se para o que «nunca mais deixa de ser burro», foi resmungar que «aquela biatura estaba mal estacionada».
Ele queria meter o carro «cá dentro» e «quase que nem podia»!
Todos ficámos com cara de parbos!
O Jeremias, pai do garoto, ficou mais «marelo» do que a cera.
A Teresa “afucinhou” a cabeça no chão, e disse que ia buscar umas «curgétes».
A mulher do Delfim, a Ti’Augusta, ficou mais corada do que um pimento bermelho do Cambedo.
A mim, deu-se-me cá uma bolta no’stômago!
O que «nunca mais deixa de ser burro» ia para se alebantar para ir arrumar o “carroço”.
- “Agora já não é preciso. Já consegui entrar” – sentenciou, no mesmo tom zangado e refilão, o neto do Delfim e filho do Jeremias.
E sumiu-se dentro de casa.
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A avó desabafou:
-Não façam caso. As autoridades são sempre assim!
Afinal, somos todos bu---rros!
Qualquer labrego que «entre prá Guarda ou prá Polícia» fica logo com a mania de que “tem o rei na barriga”.
E até acha que a consideração que as pessoas têm pela sua família não é mais do que a sua obrigação - porque ele «é gê-éne-érre», «impõe respeito» e «têm que lhe mostrar medo»!
- Tamém! Não precisas de exagerar! - atalhou a mulher.
- Pois não!
Mas se fosse cá eu, com os conhecimentos, amizades e família que ele, o que «nunca mais deixa de ser burro», tem lá em Lisboa, ‘inda por cima na Guarda, ai não, que não punha este fedelho a «piar fino»!
Quantos da NOSSA TERRA, que estão por esse mundo fora, bisitam tanta gente cá na Aldeia; telefonam para tantos, no Natal e na Páscoa; se alembram dos anos deste e daquele; e, lá onde estão, recebem, e dão apoio, aos amigos e bizinhos como esse «burro»?! - sentenciou o companheiro que se tinha mantido atento e caldo durante a conversa.
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Não quisemos ouvir mais.
Abandonámos a nossa sombra.
Virámo-nos para a Igreja do S. CAETANO e exclamámos cá para dentro:
- Como pode haver gente tão soberba, tão «ordinária», e a mostrar tanta falta de respeito, cá pelas bandas de S. CAETANO?!
Ou será que será gente das vizinhanças de S. DOMINGOS?!
Não é na Natureza, no sol ou na chuva, no frio ou no calor, nas subidas ou nas descidas, nas noites ou nos dias; com os lagartos e as cobras, com os ursos ou os leões, com a petinga ou as baleias que se nos azeda a vida.
Ela azeda-se-nos na relação com o “OUTRO” - o ser humano!
Sentimos a hora amaldiçoada. Regressámos a casa.
Afinal, a arrogância salazarenta ainda medra por aí!...
Romeiro de Alcácer