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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

31
Dez16

Ocasionais


ocasionais

 

UMA IDEIA «BRILHANTE» NUM «CHÃO» PEJADO DE INCONGRUÊNCIAS

 

Não pensem as leitoras e os leitores que estamos sempre no «contra» ou somos movidos por qualquer ideia persecutória seja para quem for ou de qualquer outra cor que seja. Muito pelo contrário. O que nos move é o desejarmos um concelho e uma cidade à altura dos pergaminhos da sua história. Porque é nossa. Porque a escolhemos para nela vivermos. Porque verdadeiramente a amamos.

 

Foi, por isso, com verdadeiro espanto, que vimos uma série de imagens da nossa cidade, engalanada de colorido, em época natalícia, nas redes sociais.

 

Sentimos que, quer nas imagens, quer nos escritos postados, havia renascido, finalmente, o verdadeiro orgulho de ser transmontano e flaviense. Afinal de contas - que diabo! -, não é só o futebol que levanta a nossa moral e o nosso «ego».

 

Foi, positivamente, uma ideia brilhante e inovadora, nesta quadra natalícia, decorar e iluminar os nossos monumentos e edifícios públicos.

 

Por isso, também como tantos flavienses, apesar do frio à noite, em dias de inverno soalheiro, saímos do conforto do nosso sofá e, máquina em punho, ao acaso, deambulámos pela cidade à cata do que nesta época em Chaves brilhava.

 

Começámos pela Torre de Menagem.

 

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E gostámos da sua iluminação simples e minimalista.

 

Torneámos as traseiras do Museu da Região Flaviense e, de caras para a «Casa do Povo», sede do poder de todos nós, o que vimos também nos encheu a vista.

 

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Aqui ficámos apenas com um uma pequenina areia no sapato e um pouco pensativos, olhando para a estátua fronteiriça ao edifício, sede do Poder Municipal. Parece-nos que o «nosso» conde aparentava certa tristeza. Porventura gostaria de partilhar tanto brilho, não ficando tanto na sombra...

 

Mais em baixo, o conjunto das duas igreja, quer a da Matriz,

 

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quer a da Santa Casa da Misericórdia, em ano de Comemoração dos 500 anos de existência da sua instituição, ajudam a criar um excelente conjunto, numa das praças mais emblemáticas da nossa cidade.

 

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Mas, caras leitoras e leitores, se da iluminação deste conjunto da Praça de Camões (vulgo, do Município) gostamos da novidade com que este ano nos presentearam, em boa verdade, não podemos calar o choque que sentimos com a total incongruência no tratamento final de todo este espaço.

 

Expliquemo-nos.

 

Uma iluminação natalícia é, por natureza, feita para encanto e contemplação dos espaços públicos, monumentos e edifícios de uma cidade. Contemplação e encanto que atraem, não só os seus residentes como quem nos visita e aqui vem fazer estadia ou fazer compras. Se, repete-se, por natureza assim é, como é que se explica aquela monstruosa estrutura «gelada» ali postada, ocupando praticamente toda a Praça? Que prazer e contemplação aqui se pode usufruir do conjunto com aquele mastodonte ali colocado? Não estaria melhor situado em cima da estrutura do Balneário Romano, no Largo do Arrabalde? Ao menos, ali, as crianças, e os seus paizinhos, podiam-se divertir também, usufruindo de animados banhos turcos, nesta época fria, com os vapores das águas termais, a custo zero...

 

Ao dobrar a Praça de Camões, lágrimas de tristeza, vindas da Torre de Menagem do antigo Castelo, caem sobre as antigas dependências do Paço dos Duques de Bragança - o atual Museu da Região Flaviense - chorando por ninguém se lembrar dele. É pena, pois bem o merecia!...

 

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Quanto ao resto, ficou tudo às escuras. A Capela da Santa Cabeça, parece, já deixou de ter cabeça para pensar que existe e o típico casario, que emoldura a Praça, a julgar pela «iniciativa», pensamos encontrar-se já despovoado, porquanto não entrou nesta «partilha», nesta «festa».

 

Entrámos na Praça da República. E vimos tudo quase às escuras, negro. Também não admira. Preside-a o Pelourinho que a «engalana» e, entre outras coisas, o mesmo simboliza a morte. E o Dia de Fiéis Defuntos já faz tempo que passou.

 

Descemos a rua da Trindade. De fronte aparece-nos, graciosamente iluminada, a Biblioteca Municipal.

 

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À sua frente, o espaço do histórico e emblemático Jardim das Freiras - um dos maiores centros de convívio dos flavienses -, por artes mágicas, nesta época do ano, desapareceu.

 

Não admira, pois, que o antigo Liceu Fernão de Magalhães, os edifícios dos Correios e a agência da Caixa Geral de Depósitos, bem como o comércio confinante, não quisesse partilhar nas «despesas» desta encenação inútil, sem sentido e sem o mínimo de encanto.

 

Descemos, tristes, sob a simples e intensa, mas equilibrada iluminação da rua de Santo António até ao Largo do Arrabalde.

 

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É aqui que reside também um verdadeiro coração de Chaves. Não podia, assim, faltar iluminação natalícia.

 

Antes, impunha-se, neste conjunto, o edifício do Palácio da Justiça - obra do Estado Novo, dirigido por mentalidades velhas, ditatoriais, governando-nos com punhos de ferro, pondo a vida de muitos portugueses a ferro e fogo. Mas lá se ia impondo... Hoje o representante da Justiça apresenta-se envergonhado, mal se mostra já, ofuscado pelo poder imperial da Praça de Camões que, a todo o custo, e a qualquer preço, nos querem impor o «poder romano». Não fora a iluminação natalícia, à noite, pouco se impõe o símbolo da Justiça em Chaves.

 

Mas, da estilização da Árvore de Natal, gostamos.

 

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Bem podia estar noutro sítio, que nós bem cá sabemos! Mas, não querendo sermos bota-abaixo, nem tão pouco má-língua, vá lá, ali até nem fica mal.

 

Do Presépio, aqui colocado, independentemente do gosto de cada um, uma coisa foi acertada: não consta a vaquinha e o burrinho, que todos nós sabemos que até são incómodos quanto a cheiros. E esteve bem avisado quem assim decidiu tirar estas imagens míticas deste Presépio. É que o Bom Menino Jesus aqui não precisa destes úteis animais, nem tão pouco das palhinhas, para nada: os simples vapores das águas das termas romanas, que Lhe estão por debaixo, são por si suficientes para O manterem sempre quentinho!...

 

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Não percebemos é por que não entraram nesta «festa», e neste conjunto, o célebre edifício das «Escadas do Largo dos Pasmados», antiga e outrora prestigiada instituição bancária da nossa praça e os edifícios que lhe estão confinantes, ou nas proximidades, como a antiga Casa de Saúde do Dr. Alcino, bem assim o Café Geraldes. Falta de lembrança ou de sensibilidade dos seus atuais proprietários? Talvez seja a crise. Que não toca a todos da mesma maneira!...

 

Entrámos na Ponte Romana, o nosso ex-libris ou, como alguns escrevinhadores do nosso sítio gostam de lhe chamar - «a nossa top model».

 

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Não apresenta uma iluminação de autêntica «passerelle». Mas a que tem fica-lhe bem. Pena que as suas zonas adjacentes não participem com brio para lhe dar mais brilho! Quanto a este assunto já repisámos o suficiente noutra ocasião e, em dias de festa, não devemos ser mais chatos. Festa é festa!

 

Atravessamos a Ponte e entrámos na Madalena.

 

A única rua da Madalena que entra verdadeira e dignamente nesta «festa» tem uma cor que me agrada. Para um antigo residente desta zona, a cor não lhe fica mal, pese embora saber que nem todos estão de acordo connosco. Compreendemos e aceitamos, pois é a vida...

 

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Sabemos que a Igreja Matriz da Madalena, embora uma excelente obra de arte, está muito confinada, com uma posição muito acanhada, que lhe tira toda a visão do seu esplendor. Torna-se difícil dar-lhe mais visibilidade e brilho. Paciência. Em boa hora se lembraram dela e muito bem.

 

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Cremos que a nossa conversa já vai longa.

 

Nosso desejo, para o ano que vem, é que haja mais novas e inovadoras ideias para abrilhantar esta tão linda e histórica cidade. Com novas mentalidades. Que saibam dar valor ao «chão» que pisamos. Sabendo bem planear e cuidar do espaço público, que é de todos nós. Com verdadeiro espírito democrático. E no uso de uma gestão verdadeiramente culta e participada.

 

São estes os nossos Votos, nesta Quadra, para todos os flavienses.

 

Feliz Ano 2017

 

António Tâmara Júnior

 

 

10
Fev12

Discursos Sobre a Cidade - Por António Tâmara Júnior


 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A AMIZADE


Desde algum tempo a esta parte, tenho-me dado conta do ar circunspecto e triste do Tio Nona. Não é apenas por aspectos relacionados com a sua saúde, não! É uma espécie de desencanto, desilusão da vida, das coisas que lhe aconteceram …


Aqui há dias fui fazer-lhe uma visita. Mergulhava nas suas leituras. Desta feita, relia algumas obras de Alberto Alberoni, um sociólogo italiano, que muito aprecia.


Passou-me para a mão três folhas de formato A4, dactilografadas.


Pediu-me que as levasse e que as lesse atentamente. Porque, disse, nestes tempos de crise e de grande desorientação e desvario, urge fazer-se uma pausa e reflectir.


O mundo moderno em que vivemos, - e mostrava-me o livro “A Cultura-Mundo”, de Gilles Lipovetski e Jean Serroy -, construído na base do hipercapitalismo, da hipertecnicização, do hiperindividualismo e do hiperconsumo, em que mercado, tecnociência e indivíduo estão entregues a si mesmos, como organizadores dominantes, e sem precedentes na história, gerando um novo “mal estar na civilização”, faz com que, no dizer de Tocqueville, o homem se sinta “perdido na multidão”, órfão de pontos de referência da sua identidade.


Durante muito tempo – continuou -, o objectivo da cultura foi identificado com a “profundidade da alma, com a vida em obediência à razão”. Ora, esta vocação superior, nos tempos hipermodernos que correm, ficou obsoleta, pois vivemos num mundo dominado pela superficialidade do imediato e do consumível.


Para além do objectivo do a “aprofundamento da alma em obediência à razão” – António -, outra missão à cultura lhe incumbe para o futuro: a de abrir a existência a dimensões diferenciadas, fornecer objectivos, distribuir cartas para que se possam encetar novos caminhos e estimular potenciais diversificados dos indivíduos que não se reduzam apenas à compreensão inteligente do mundo, regressando, desta feita, à função eterna, antropológica, da cultura: educar e socializar os seres humanos, fornecendo-lhes objectivos.


E deixei continuar com a sua prelação.


Hoje a cultura deve fornecer uma multiplicidade de projectos, de experiências e de horizontes de sentido, por forma a criar possibilidades de “mudança de vida”.


A cultura não é contra a paixão. Deve alimentar as paixões ricas e boas dos indivíduos.


Daí a importância de se recentrar o papel da cultura na sociedade e de fazer vir ao de cima determinados temas para análise, discussão e reflexão.


E a problemática da amizade é uma das questões a que recorrentemente temos de pensar e reflectir. Para separarmos o trigo do joio, face aos encontros que no dia a dia nos acontecem e aos projectos que individualmente queremos construir – concluiu.


Não resisto, assim, em deixar aqui, nesta rubrica, que mensalmente assino, aquilo que Tio Nona tinha vertido nas suas folhas sob a designação de “Algumas reflexões sobre a amizade”, mas a que eu, porque se trata de uma abordagem típica da problemática da amizade, mais lhe chamaria “Discurso sobre a amizade”.


Aqui fica, pois, o texto, como forma de partilha com os meus caros leitores.


Que vos aproveite…


(…)


“… Não é nossa intenção aproximarmo-nos… a nossa meta não é transformam-nos um no outro, mas conhecermo-nos um ao outro, e aprender a ver e a respeitar no outro aquilo que ele é: o nosso oposto e o nosso complemento” .


Herman Hess, Narciso e Boccadoro.

 

Na linguagem corrente a palavra amizade tem numerosos significados. Serve para indicar o sócio, o conhecido, a pessoa simpática, o vizinho, o colega, todo aquele que se encontra próximo.


Há, porém, hoje, como no passado mais remoto, um outro significado, o de amigo pessoal a quem queremos bem e que nos quer bem.


É um momento em que sentimos uma forte simpatia, um interesse, sentimos uma afinidade em relação a uma outra pessoa. Se já a conhecíamos há algum tempo, é como se a víssemos de uma maneira diferente, pela primeira vez. Chamaremos «encontro» a esta experiência.


A amizade constitui-se através de uma sucessão destes «encontros», cada um dos quais continua o precedente. A amizade é uma filigrana de encontros. E cada encontro é uma prova.  Cada encontro é diferente, abre uma nova estrada, abre-nos novas perspectivas.


Os amigos encontram-se e renovam a sua amizade através dos encontros.


Se uma amizade é verdadeira, isto repetir-se-á inúmeras vezes.


A verdadeira amizade é aventura, exploração, busca.


E o encontro é em si mesmo um momento de felicidade, de grande intensidade vital. É um momento em que compreendemos algo de nós próprios e do mundo.


No encontro sentimos que a outra pessoa nos ajuda a caminhar na direcção correcta. Podemos senti-lo, mesmo que entre nós não haja identidade de opiniões, mesmo que sejamos diferentes, quer em termos de formação cultural quer mental.


 Pelo contrário, o outro deve ser um pouco diferente. Pois, no encontro, essa diversidade é preciosa, até porque dá uma nova perspectiva. Sozinhos não teríamos seguido naquela direcção. Uma nova perspectiva constitui até uma confirmação da correcção daquilo que tínhamos pensado. Cada amigo, portanto, ajuda o outro a descobrir aquilo que é para si essencial e a aproximar-se-lhe um pouco mais.


O encontro não é reconhecer uma identidade ou semelhança. É apercebermo-nos de que o outro nos completa e que nós o completamos.


O encontro é fazer um pedaço da estrada em conjunto em direcção à própria identidade, em direcção à descoberta daquilo que, para cada um, é a coisa mais importante. O outro está connosco não por interesse ou por cálculo, mas porque é essa a sua natureza, porque deve percorrer aquela estrada.


Do ponto de vista da amizade, são estes momentos de imensa intensidade vital que têm importância. Aquilo que acontece nos intervalos não conta.


Porque na amizade é tão importante o encontro?


Porque é o momento de autenticidade, porque é o aparecimento de um sentido. Embora seja um instante, e dure apenas um instante, abarca (o encontro) a diversidade caótica da nossa vida e dá-lhe ordem, confere-lhe significado.


Cada um de nós é um turbilhão de desejos, como um núcleo ardente no seu centro. No encontro tocamos, de qualquer forma, esse núcleo central de nós próprios. Damos uma resposta aquilo que interessa, que é, pois, a eterna questão: de onde vimos; onde estamos; e para onde devemos ir.


O amigo é aquele que nos faz sempre entrever a meta, e faz connosco uma parte do caminho.


Do encontro com o amigo espero sempre, portanto, uma revelação. O amigo abre-me a porta que eu queria abrir.


A experiência do amigo é interessante exactamente por ser diferente.


É confrontando-nos com esta experiência que me conheço. Conhecer quer dizer confrontar, comparar, distinguir.

Quando falamos com um amigo não somos o public relations de nós próprios. Somos sinceros. Apresentamo-nos tal qual somos.


O amigo, por outro lado, não nos engana, fala-nos a verdade. E nós acompanhamo-lo com imparcialidade, compreensivos e lúcidos. Desta maneira, os fantasmas, o faz de conta, tão comum nas relações sociais, o teatro, desvanecem-se.


Cada encontro é um risco, porque tem que resultar.


A amizade é o resultado de encontros bem sucedidos.


A amizade quer, em primeiro lugar, a liberdade do outro e, se faz mesmo o mais pequeno esforço para a constranger, deixa de ser amizade verdadeira.


A amizade é um estado aceite e desejado. Não lhe queremos fugir. Nunca nos vem à mente, nem por um instante, tornar um amigo escravo.


Não escolhemos como amigos as pessoas pelas quais não temos estima.


A amizade não pode coexistir sem essa estima, não pode existir sem um comportamento moral recíproco. Mas a amizade não é apenas estima, não é apenas admiração. É também afecto. A amizade é a forma específica de afecto/amor que tem, como objecto, uma pessoa que consideramos e que age de forma eticamente correcta, pelo menos para connosco.


O amigo é, portanto, aquele que «te faz justiça». Justiça num sentido profundo, vital. O amigo que aprecia uma tua qualidade que ninguém tinha valorizado, que te estima por algo que os outros desprezam, faz-te justiça nesse sentido profundo. O amigo está do teu lado, combate contigo e, se necessário, vinga-te.


O amigo é generoso. Vê aquilo que somos e ajuda-nos a sermos nós próprios. Os outros ficam indiferentes.


Amigo é aquele que intui e evoca a parte melhor de nós, a parte mais bondosa, mais humana, espontânea, sincera e mais gentil.


O facto de a amizade ter uma tão forte componente ética torna verdadeira a afirmação «diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és». Os amigos são o retrato objectivo da ética da pessoa.


A amizade é, na sua essência, uma relação entre dois indivíduos isolados, donos de si próprios. É um encontro entre iguais.


A amizade é uma virtude democrática, republicana.


Todos nós esperamos do amigo reciprocidade, afecto, afeição. Se o amigo não no-la dá, mostra, sem qualquer dúvida, o seu desinteresse, evidenciando que não se está a comportar como amigo. Um comportamento deste tipo põe em crise a amizade, não porque sejamos ciumentos, mas porque ele se comporta de uma forma inadmissível.


O ciúme é incompatível com a amizade, porque a amizade não suporta nem padrões nem prisões.


Incompatível com a amizade é também a necessidade de exclusividade. A amizade é aberta, livre, serena. Quando na amizade fazem o seu aparecimento estes sentimentos opressores, quer dizer que qualquer coisa não funciona e que, mais tarde ou mais cedo, aparecerá uma crise.


A amizade é a relação que menos suporta o exagero e a superficialidade.


Compreende-se agora porque a amizade parece tão frágil e porque há tanta gente que se diz desiludida da amizade.


A crise na amizade nasce sempre de uma desilusão e tende a tornar-se combate mortal. Por isso, se não somos compreendidos por um amigo, quer dizer que não é amigo, que não nos queria bem.


A crise da amizade não depende da vontade. Quando a amizade se quebra, podemos procurar salvá-la, conservar uma atitude amigável, fingir que nada aconteceu, mas é inútil.


A crise apenas pode ser resolvida num «encontro». A este tipo de encontro entre amigos dá-se o nome de esclarecimento.


Superar uma crise significa melhorar-se a si próprio, fazer uma travessia difícil no próprio desenvolvimento pessoal.


A amizade tem uma substância moral. Uma vez perdida a confiança, perdeu-se para sempre. A crise da amizade, portanto, é um processo: o passado é reevocado para ser julgado; o futuro é invocado porque tem que ser determinado; e a decisão é sempre inapelável.


António Tâmara Júnior

 


17
Jun11

Discursos Sobre a Cidade - Por António Tâmara Júnior


 

DEPOIS DA RESSACA ELEITORAL

- Duas Reflexões –

 

 

Numa sociedade do conhecimento

só sobrevivem os sistemas que estão dispostos

a aprender e são capazes de aprender

 

Wiesenthal

 

I

Com a erosão do poder estatal, a desregulação e a globalização, os políticos deixaram de ser configuradores do acontecer.


Como não o querem reconhecer, institucionalizaram o teatro político em que se encenam como donos da sua casa.


Diz Daniel Innerarity que se encena a política para ocultar ou tornar mais suportável a sua perda de relevância.


A política também é governada pelas exigências da atracção. E a ideologia está ocupada pela encenação.


Faz parte das condições laborais do político a obrigação de ser também uma estrela da televisão.


A opção pela política amplia, geralmente, a disposição para aparecer na cena pública: não há que actuar nem que decidir, mas apenas que encenar uma atitude emocional, uma determinada parecença, segundo diz Cora Stepham.


E, ainda segundo Daniel Innerarity, vence quem melhor souber representar a credibilidade.


Na contenda eleitoral já não se enfrentam programas, mas rostos. Sem um rosto visível, nem sequer as melhores ideias políticas se podem fazer notar.


O decisivo em política é mais uma encenação em que os eleitores são espectadores e os votos são quotas de aparição.


As clássicas funções do parlamento, a sua mediação e a sua função de verificação e regulação, passaram para as formas extraparlamentares de encenação mediática.


Há uma dualidade insuperável entre o rito e o assunto, entre a cena e a decisão.


Os processos de decisão decorrem no mundo inacessível e inobservável das comunicações informais, dos contactos, das pressões e das transacções. Tudo o mais, a parte da política que se deixa ver e ouvir, é representação.


E a representação nada de novo produz. Põe em cena o que todos já sabem.


José Sócrates perdeu. E, acto contínuo, demitiu-se. Com um discurso brilhante. Igual a si mesmo. De uma forma exímia, só como ele sabe fazer perante as câmaras da televisão, que tão bem domina.


E fez bem.


No campo da encenação, Sócrates foi um político inexcedível.


II

Segundo relata a comunicação social, José Sócrates, retirado da cena política, vai para Paris estudar filosofia.


Provavelmente para ouvir atentamente as reflexões da coqueluche dos filósofos actuais, tal como o seu tão elogiado e querido professor de Zaragoza, colaborador na Sorbonne, Daniel Innerarity.


Que estude e reflicta profundamente que, quem são eleitos são os governos e nãos os povos.


E que não se lamente por ter tido à sua frente um destinatário tão pouco compreensivo em relação às dificuldades das suas tarefas.


E que deixe de pensar que cumpriu o seu dever, apesar da sociedade que tinha perante si: um estranho incómodo, alheio às responsabilidades que o governo suporta.


Sócrates e o seu governo caiu porque, face a uma sociedade do conhecimento, tão querida dele no campo da retórica, caracterizada por uma enorme complexidade, ateve-se a simples simplificações práticas, praticando aqui e ali uma política autoritária que acabou por claudicar em questões de governabilidade ou na autonomia dos diversos âmbitos da sociedade.


Sócrates manteve-se, incorrigível, aferroado a um doutrinarismo baseado na velha fé da competência universal da política, esquecendo-se, na esteira de Habermas, que a política deve modificar em função das profundas transformações da sociedade, a qual exige uma nova “inabarcabilidade”, em que se anuncia um “regime do risco” (Beck) ou se caracteriza por uma arquitectura  policêntrica (Polany) ou policontextual.


Em que a política deve passar da hierarquia para a heterarquia, da autonomia directa para a conexão comunicativa, da posição central para a composição policêntrica, da heteronomia para a autonomia, da regulação multilateral para a implicação policêntrica.


E terá de estar em condições de gerar o saber necessário – de ideias, instrumentos ou procedimentos – para moderar uma sociedade do conhecimento que opera de modo reticular e transnacional.


O que há a fazer é pensar sistemas de governar que sejam capazes de pôr em jogo qualquer coisa como um bem comum, tendo em conta que a sua definição não está unicamente em poder da política mas deve ser concertada entre sistemas sociais hierarquicamente organizados.


O Partido Socialista, depois de Sócrates, deve reflectir numa nova função da política, como mediação social (não confundir com concertação social), devendo esta mediação ter por conteúdo o confronto dos sistemas sociais (e funcionais) autónomos (a política, o direito, a economia, a arte, a religião, etc) com as suas condições de possibilidades e compossibilidades.


Contrapesar a dinâmica centrifuga dos sistemas diferenciados na sociedade constitui o verdadeiro problema da política numa sociedade do conhecimento, cada vez mais complexa.


Daqui advém novas tarefas para a actividade política, em que aos governos de deve exigir mais a aprendizagem da cooperação e ao estado que seja supervisor.


Tio Nano não resistiu em ler o rascunho deste meu discurso.


Sisudo, de olhar triste, sempre foi dizendo:


- “Estás a ver agora porque este velho militante socialista esteve sempre de pé atrás  em relação a Sócrates? O PS engalanou em arco, no canto da sereia do actor/comunicador Sócrates. Eu sempre lhe vi a sua impreparação para arquitectar uma visão em ordem à construção do futuro numa sociedade tão diversa e complexa, em que novas funções são exigidas. Demasiado simplista! Mas, meu caro António, não penses que vamos ficar melhor servidos. Estes rapazes!...”


António Tâmara Júnior

11
Fev11

Discursos Sobre a Cidade - Por António Tâmara Júnior


 

 

 

 

TAMEOBRIGUS

 


Apesar dos dias soalheiros, quase primaveris, que tem estado nestes últimos dias, Tio Nona anda macambúzio, irascível, deprimido.


E não sai de casa. Ele que tanto gosta de caminhar. Do contacto com a natureza. Da água. Das pedras. Da montanha.


Diz que não pode. Que a sua saúde não lhe permite. Mas eu acho que não é só isso.


Entrou nos sessenta e já se acha um velho. Dedica-se a ler. Coisas do passado. Recogitando nele. Porque, do presente, diz, que lhe dá náuseas. Ele, um velho socialista, anda às avessas com seus camaradas. Deixou a militância. Diz não reconhecer muitos dos seus “companheiros de caminho”. Que, de homens e mulheres de valores, se transformaram em pessoas de puro interesse. Que já não se luta por um projecto, por uma ideia. Simplesmente naquilo que apenas dê lucro. Os socialistas completamente convertidos à deusa mercadoria! Pois, dizem, é o que está a dar.


E, assim, se deixa cada vez mais isolar.


Saiu de casa para votar. Cumpriu o seu dever cívico. Mas vociferava contra os camaradas desavindos e a hipocrisia reinante. E fica estupefacto como o povo vota num homem que da vida só conhece o cálculo e cuja ética é só para outros levarem a sério!


Como apreciador da boa mesa ainda o tentei tirar de casa. Acenava-lhe com a Feira Gastronómica, de Boticas; a Feira do Fumeiro, de Montalegre; a Feira da Caça, de Macedo de Cavaleiros; com a Mirandela Cinegética; a Mostra de Sabores e Saberes, de Chaves ou a Feira do Fumeiro, de Vinhais.


Convite que lhe fizesse!


De pronto me respondeu por onde anda o nosso rico dinheirinho. Para sustentar o ego de uma data de caciques. Pois se o dinheiro fosse deles. Ganho com trabalho e suor. Esta malta não promove desenvolvimento, envaidece-se com o dinheiro dos outros. Entretêm-se aos eventos. E pouco sabem do que seja o verdadeiro desenvolvimento e de uma verdadeira estratégia de promoção. Não quer dizer que as entidades públicas não devam ajudar no arranque das boas iniciativas. Mas, após o arranque das mesmas, elas devem ser promovidas e realizadas pelas entidades que estão na sua base – os produtores. Que se devem organizar e promover por eles próprios e não estarem com o bico aberto à procura da «papa» que lhes vem do céu. Estas iniciativas não se fazem essencialmente a contar com eles. Apenas para eles. Ora, isso não é desenvolver, é promover e manter a subsidiodependência levada a cabo por uns tantos caciques mesquinhos, ávidos de notoriedade. Pois quem lucra são sempre os mesmos.


E não me deu mais bola.

 

 


 


Debruço-me sobre a página do livro que Tio Nona está ler e, a páginas tantas, dou comigo a recitar:


“É um rio algo bucólico, açudesco, patrício, cantarolante, de divindade filosófica e epicurista, apreciadora dos bons prazeres, Tameobrigus – o rio Tâmega – após fazer entrega das suas águas ao Douro, no lugar do Torrão, delicia-se com os laranjais da Terra do Bem Viver e, possivelmente, vai sentar-se a saborear uma lampreia ou a lamber os beiços de um prato de leite creme. Receitas antigas, que ali, na Terra do Bem Viver, são verdadeiros manjares de deuses, de deuses como ele.


E nós, à semelhança de Polito, filho de Cumélio, vamos cumprindo de boa mente os votos que nossos pais e avós fizeram e continuam a fazer a este deus fluvial de tão sábia e filosófica existência – Tameobrigus”.


Será que continuamos? Que continuamos intrépidos tal como os nossos valentes antepassados perante a legião do Décimo Juno Bruto na defesa deste nosso torrão dos tempos modernos?


Onde pára aquele nosso sangue celta?

 

 

António Tâmara Júnior

 

 

 

31
Dez10

Discursos Sobre a Cidade - Por António Tâmara Júnior


 

Foto de Tâmara Júnior

 

 

 

NONA

 

 

Com catorze anos veio de uma recôndita aldeia do sul do distrito para as terras mais frias e, ditas ricas, do norte. Acompanhava sua mãe, sua irmã mais nova e seu irmão, deslocado em múnus pastoral.


Traziam a esperança de uma vida melhor e mais próspera.


E horizontes mais largos que as fragas do Marão não lhes davam, apesar da beleza agreste das suas vistas e dos enormes e policromados vinhedos que, à sua volta, todos os anos se lhes ofereciam em horto de canseiras.


Fizeram, nas faldas das fartas terras da Veiga, o seu lar, construindo sua casa.


Neste terrunho decidiram levar para a frente suas vidas.


As terras da Veiga tinham fama.


Fama que lhe vinha da história. Da situação geográfica privilegiada. Das suas gentes.


Terra de fronteira, o comércio e relacionamento entre povos era a sua especialidade.


Pelas histórias que se contavam e contam, assim era, ou parecia ser.


Nos anos 60 e 70, as terras da Veiga tinham aura, encanto e encantamentos. E comércio próspero. E fronteira cheia de “peliqueiros” endinheirados pela imigração clandestina. E pelo contrabando. E agricultura, suporte da maioria das actividades das gentes do mundo rural, ainda pujante. E bancos gordos das remessas das divisas das suas gentes, pobres de terras, à procura também de melhor vida. E meio urbano fervilhando de estudantes e militares (Caçadores 10 e Liceu), propiciando uma “movida” de fazer inveja a muitas cidades com pergaminhos, gabarito e fama na área da diversão e da animação.


Enfim, via-se que a terra tinha futuro. Que era uma esperança. E que havia que apostar.


Daí, em alguns espíritos, um certo ar de superioridade, de indiferença, quiçá até de desprezo, para com as gentes do sul. Clima este, mais patente e visível, nas instituições da Vila, capital do distrito.


Toda esta envolvente, era meio para cativar, seduzir. O amor próprio andava alto.


Com toda esta vivência, de auto-estima positiva, Nona, que, de tempos a tempos, vinha a norte passar férias com os seus parentes, foi seduzido. Também conquistado. Apesar de, no fundo, andar desconfiado. Pois sentia que tanta “fartura” não podia durar sempre. Porque não sentia ali o dedo do engenho, da arte, do esforço, do trabalho, da criatividade. Somente o usufruto fácil de situações facilitadoras. Portanto, fáceis.


Mas acabou por ficar também. O coração falou mais alto que a razão. E fez também neste cantinho o seu lar.


E, durante mais de trinta anos, deu o melhor que soube e tinha da sua juventude à terra onde repousam os restos dos seus entes mais queridos.


Hoje, Nona, já tio, entrando naquela idade que apelidamos de velhice, olhando de frente para o passado, resmunga consigo próprio e com os seus conterrâneos que não souberam, a tempo, usar da tradição e da história, da situação geográfica privilegiada, dos seus recursos agro-florestais e do subsolo e, fundamentalmente, das suas gentes, para se desenvolverem.


Porque ninguém desenvolve ninguém a não ser nós próprios.


Porque vivemos quase sempre na miragem de uma imagem fossilizada do que éramos, enquanto outros prosperavam. E passámos a vida a culpabilizar os outros e a pedir ajuda a terceiros.


Esquecemo-nos de olhar para o fundo de nós próprios e tentarmos descobrir que, numa quadra em que tanto se fala de nascimento e novo, urge sabermos investir num renascer e um novo homem flaviense. Que seja capaz de sair da mentalidade miserabilista, da apatia e do acanhamento. E que saiba estar mais à frente, para além da fronteira, investindo mais em si próprio e potencializando, pela inovação e criatividade, todos os seus recursos.


Eis, em suma, o resumo da conversa ontem mantida com o Tio Nona quando ontem me dirigi a sua casa para lhe desejar um Bom Ano 2011.


Bom Ano 2011 a todos!

 

 

António Tâmara Júnior

 

 

 

 

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