Travancas - Chaves - Portugal
Seguindo a metodologia desta nova abordagem pelas aldeias de Chaves, a ordem alfabética, a seguir à Torre de Moreiras segue-se Travancas, é para lá que vamos hoje.
Mais uma vez para terras altas de montanha, mas sem grandes vertentes inclinadas, pois na realidade estamos num planalto, o mais alto do concelho de Chaves, sendo Travancas e Fornelos as duas aldeias mais altas do concelho, acompanhadas de perto pela aldeia do Carregal e da Dorna, todas localizadas acima dos 900m de altitude.
São apenas pormenores que têm a devida importância, pois são terras de invernos rigorosos onde o gelo e a neve são visitas habituais, mas também são terras de sol, principalmente quando ao nevoeiro lhe dá para recolher todo, apertadinho, ao vale de Chaves.
Mas o orgulho de Travancas é mesmo ser terra da batata, aliás dizem e anunciam-no a entrada da aldeia ser a Capital da Batata, e verdade se diga, é batata de qualidade que não me importava de ter à mesa em todas as refeições.
Batata que vai alternado com o centeio,as duas principais culturas do planalto, mas também havendo lugar a outras culturas, principalmente hortícolas, estas mais juntas à aldeia e habitações, como convém, sem esquecer que também é terra de castanha, embora em menor escala que a sul do concelho. Por aqui, tal como já dissemos, é mais a batata que lhe dá fama.
Travancas que foi sede de freguesia à qual pertenciam as aldeias de Argemil e São Cornélio e que com a reorganização administrativa do território das freguesias de 2013, anexou também a freguesia de Roriz, sendo hoje União das Freguesias de Travancas e Roriz.
Travancas é também aldeia da raia, com a galiza ali ao lado, a apenas 1,5km de distância, sendo a aldeia galega mais próxima, a aldeia de Arzádegos, a 3,5 km.
Ser aldeia da raia significa também que até à abolição das fronteiras foi também terra de guarda-fiscal e contrabandistas mas também de passagem de peles(1). Contrabandistas que embora não fizessem do contrabando a sua principal profissão, acabava por ser um complemento económico para as famílias que a ele se dedicavam, que tinham como único rendimento aquilo que a terra dava, sendo também uma forma de escoar aquilo que produziam nas próprias terras.
Esta das peles é mencionada por Miguel Torga no seu Diário:
Chaves, 18 de Setembro de 1964
Onde pode chegar o aviltamento humano!
— Entregas-me as peles em Mairos.
— A que horas?
— Às onze.
As peles eram emigrantes clandestinos.
Miguel Torga, in Diário X
Digamos que a abolição das fronteiras foi uma má notícia para as aldeias da raia, pois ficaram sem mais uma fonte de rendimento sem em troca a abertura das fronteiras lhes trazer qualquer benesse, nem a de atravessar a fronteira livremente, pois era coisa que já o faziam antes da fronteira ser abolida, pois este circular da população entre aldeias vizinhas, de um e outro lado da raia, no caso entre Travancas e Arzádegos, era conhecido e consentido pelas autoridades, mesmo algum contrabando menor para uso próprio da habitação ou agricultura, isto desde que fosse entre a população local, aliás os de fora, duvido que se atrevessem a tanto.
Já com grandes quantidades de contrabando, aí a estória já era diferente, contrabando que em geral se fazia nos dois sentidos, levando fardos de material conforme as necessidades e os preços de ambos os lados da fronteira, que podiam ir desde os produtos agrícolas, a gado, ao café, bacalhau,azeite, bananas, tabaco, tecidos, etc,
Estórias de andar na vida do trelo(2) para contar nestas terras da raia, também não faltam, começa a faltar é quem as conte, de ambos os lados, quer da fronteira quer dos intervenientes /Guarda-fiscal/contrabandistas), pois por parte da guarda-fiscal os postos de fronteira fecharam, rumando os guardas para outras paragens, acabando mesmo por esta força militarizada ser extinta, mas também, porque com a passagem do tempo e o abandono e o despovoamento das aldeias, só os mais idosos as poderão contar, até um dia…
E o que dizer sobre Travancas. Ora para nós, quando vamos para aquelas bandas, é quase ponto obrigatório de paragem no café do Sr. Gustavo, talvez o travanquense que, para além de alguns colegas de Liceu, conheço há mais tempo naquela aldeia, tudo porque o Sr. Gustavo além do café, era taxista e Presidente da Junta e, em finais dos anos setenta, inícios de oitenta, aquando eu era monitor de futebol infantil da DGD(3) e organizava torneios de futebol de 7 para o concelho, o Sr. Gustavo nunca faltava com o sua equipa de Futebol de Travancas. Bons tempos do fomento do desporto infantil em que o Estado apostava na prática do desporto em todo o país e em todas as modalidades, financiando estes torneios e deslocações dos equipas participantes, saindo deles alguns atletas para a alta competição, tal como aconteceu em Chaves, pelo menos no atletismo.
Pois parar no café do Sr. Gustavo, nos últimos anos já com o filho à frente do negócio, tornou-se um hábito sempre que vou para aquelas bandas e além delas, como é o caso de terras de S.Vicente da Raia.
Também a viagem até Travancas é diferente, principalmente na primavera e verão, ali quando se entra no planalto, logo a seguir à Pedra da Bolideira, é um regalo olhar para os campos cultivados, cujo cultivo só termina (quase) onde os asfalto da estrada começa e sempre com a particularidade de haver por ali uma águia pousada nos fios elétricos junto à estrada. Pena que não se deixem fotografar.
Mas também de inverno quando a neve ou as geadas cobrem de branco todo todo o horizonte, o planalto ganha outro encanto, bem mais bonito de ser visto que vivido, a não ser desde dentro do calor das casas.
Embora já fosse deixando ficar umas dicas quanto à localização de Travancas, para quem não conhecer e quiser visitar a aldeia, não há nada que enganar. Para lá é só tomar a EN103 em direção a Vinhais/Bragança, passa-se Faiões, as 3 Assureiras, passa-se ao lado de Águas Frias e quando chegar ao alto da Bolideira deixa a EN103 e vira à esquerda. Logo a seguir pode fazer uma paragem e ir abanar a Pedra da Bolideira. Uma só pessoa chega para por umas toneladas valentes de rocha a abanar.
Depois é retomar a estrada municipal, sempre em frente e logo a seguir entra no grande planalto para pouco depois a estrada bifurcar, onde estão duas placas com indicação de 15 aldeias, 8 seguindo a estrada da esquerda e 7 seguindo a da direita. Deve tomar a estrada do lado esquerdo conforme indicação da placa. Mais à frente, cerca de 2km, aparece-lhe um desvio para Roriz, ignore o desvio e siga em frente. Desde esse ponto já deve começar a avistar Travancas, pois fica apenas a 1,5 km deste desvio para Roriz.
Quem me acompanha nestas andanças do blog ou mesmo no terreno, sabe que não gosto de regressar pelo mesmo caminho. Assim, no regresso a Chaves, devemos sair da aldeia por onde entramos, mas logo a seguir encontramos à direita um desvio para S.Cornélio. Nesta aldeia, há lá um local de onde se avista todo o vale de Chaves (ou quase), vale a pena parar, então se for por altura do pôr-so-sol, o espetáculo é garantido. Depois desce até Mairos, passando antes pela pequena albufeira. Após Mairos entra num outro planalto, intermédio entre o Vale de Chaves e o de Travancas. Depois de atravessar todo o planalto entra em Curral de Vacas, desce a Vila Verde da Raia e já toda a gente sabe onde está, mas no cruzamento, tome a estrada que tomar, vão todas dar a Chaves, uma via Stº Estêvão (a da esquerda), outra via Outeiro Seco (em frente) e outra pela auto estrada (à direita).
E para finalizar, tal como vem sendo hábito, fica um vídeo com todas as imagens publicadas aqui no blog até à presente data. Nele está também incluído um pequeno vídeo de uma procissão realizada em Travancas aí pelos finais dos anos 60 ou inícios dos anos 70, Uma relíquia que chegou até nós há uns anos por mãos de um travanquense. Vale a pena ver e recordar.
Para quem quiser partilhar ou ver o vídeo diretamente no youtube, basta seguir este link, caso contrário, para ver aqui no blog, o vídeo fica logo a seguir ao link:
(1) - Espécie de nome de código dado nos anos 60/70 do século passado, à passagem clandestina da fronteira por emigrantes com destino a países da Europa, principalmente França.
(2) - Andar no trelo, o mesmo que andar no contrabando.
(3) - DGD - Direção Geral de Desportos