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Agora que estão na moda as rotas de tudo e mais alguma coisa, acho que por aqui no blog, os fins-de-semana, também os vou baptizar como “ Na Rota do Despovoamento”, pois de aldeia em aldeia que vou percorrendo, o filme é o mesmo, a fotografia vai variando um pouco mas também se serve do mesmo argumento.
Hoje vamos até mais uma aldeia de montanha, que por sinal no concelho de Chaves, à excepção de meia dúzia de aldeias agarradas à veiga e à cidade, todas elas são de montanha. Pondo de parte uma ou outra particularidade, no essencial todas são iguais e, entenda-se como essencial, a sua vida e a vida de aldeia, que em todas está seriamente molestada por essa doença do despovoamento.
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Já sei que me estou a tornar repetitivo cada vez que abordo uma aldeia e que as minhas palavras caem em saco roto, e aliás, mesmo que não caíssem, já são tardias, pois para a maioria das aldeias já não há volta atrás e o seu fim está mesmo ditado. É apenas uma questão de anos.
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De visita a Vilar de Izeu, a nossa aldeia de hoje, calhei em conversa com uma senhora que para lá andava a cortar umas silvas numa poula que já tinha estado arranjadinha e que como horta dava de tudo para a casa. A senhora, embora seja uma resistente, estava apenas de passagem, de “férias”, a cortar silvas porque lhe metia impressão ver o estado em que aquilo estava. Apenas isso, pois mal vire costas, as silvas vão continuar a crescer. Em conversa soube que agora já não reside na aldeia, estava sozinha e lá arranjou maneira de entrar para o lar de Travancas. Filhos tem seis, todos fora. Uns na França, outros na Suíça e dois estão cá, mas no Porto e Mirandela. “Estão todos bem e vêm cá quase todos os anos à festa, depois partem, claro, têm lá as suas vidas” dizia-me ela. Então e quem é a santa e quando é a festa?, ia eu alimentado a conversa. “ São Tomé. Não sabe quando é!?, pois já diz um “ditajo belho” – “No São Tomé mata-se o porco pelo pé”, é em Dezembro, mas agora fazem uma festa em Agosto para os emigrantes que em Dezembro não está cá ninguém… só rezam a missa”.
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Claro que tinha ali conversa para toda a tarde, e muito a aprender, pois os resistentes têm muitas estórias da vida para contar e, é mais ou menos esta a história de todos eles, com muitos filhos mas que foram obrigados a partir em busca de melhor vida e “hoje estão bem, graças a Deus”, dizem as mães, contentes ou pelo menos – conformadas.
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Vilar de Izeu segundo o Censos de 2001 tinha 62 habitantes residentes, mas mesmo assim ainda não é das piores aldeias, pelo menos a julgar pelos números, pois em 2001, dos 62 habitantes, 15 tinham menos de 20 anos e 6 menos de 10. Não tenho dados comparativos de outros censos, mas sei que no último ano lectivo ainda havia 4 crianças em idade escolar que eram transportados diariamente para a escola de Águas Frias.
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Vilar de Izeu pertence à freguesia de Oucidres e fica a 17 quilómetros de Chaves, ali mesmo à beirinha do concelho de Valpaços, aliás as encostas das montanhas por aqueles lados já descem todas para o concelho vizinho, tal como as vistas que se perdem no amontoado de montanhas já da terra quente. Talvez por isso mesmo as suas terras sejam ricas, só lhes falta mesmo é braços para a trabalhar, mas as que são trabalhadas dão boa batata, centeio, castanha e pastos. Batata vi e registei que ainda há por lá, em qualidade e quantidade (onde a cultivam), pastos também, inclusive vi um rebanho de duas ovelhas, sem pastor, mas cada uma com um cão pastor ao lado e os castanheiros quase se pode dizer que são eternos, pelo menos, a grande maioria dos soutos que conheço no concelho, têm castanheiros com largas dezenas de anos de idade e alguns (sem qualquer exagero) são centenários.
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Quanto a escritos poucas ou nenhuma referência encontrei sobre esta pequena aldeia, no entanto penso não ser uma aldeia muito antiga mas mesmo assim com origens anteriores à época medieval, pois na baixa idade média seria uma das aldeias que integrava o extinto concelho de Monforte de Rio Livre, que se desenvolvia em redor do Castelo de Monforte. A dedução é minha, pois como disse não encontrei qualquer referência escrita à aldeia para além de uma lenda, mas pelo menos sabe-se que na freguesia não há vestígios de estações arqueológicas que os liguem a povoamentos muito antigos. A referência mais antiga que vi na aldeia está inscrita na padieira de uma porta com o ano de 1794.
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A tal lenda a que me referi atrás está ligada ao padroeiro da aldeia e à sua capela de devoção, o São Tomé. Pois então conta a lenda que este Santo e Santo André (padroeiro de Oucidres) eram irmãos, e que um dia, este último, muito aborrecido com a preguiça dos habitantes da sua freguesia, resolveu abandonar o altar para ir procurar outra freguesia melhor. Quando chegou ao sítio das Almas, no caminho para Vilar de Izeu, encontrou Santo André, que tinha procedido de igual forma e pelos mesmos motivos. Conversaram um com o outro e concluíram que o melhor era mesmo continuar nos seus templos, a missionar e lutar contra a preguiça, porque afinal os paroquianos sofriam todos do mesmo mal. Decidiram conserva-se nos seus postos onde permanecem até aos dias de hoje.
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Pois é, lenda é lenda e os Santos ficaram. Que não esteve pelos ajustes foi mesmo grande parte dos seus paroquianos, que esses sim, partiram.
Também eu estou de partida, por hoje, para voltar já amanhã com o rescaldo deste fim-de-semana tão rico em acontecimentos em Chaves. Só para ficarem com um cheirinho, no desfile medieval de ontem até uma limosine desfilou, tal foi o rigor histórico!
Para hoje, temos a “tradicional” festa da Nossa Senhora das Graças, recuperada da memória e que afinal não é da Conceição como disse há dias atrás. Tal é a tradição que até me engano no nome das Santas…
Acho que é o melhor é ficar-me por aqui, e agora sim, “bou-me” mesmo embora!
Até amanhã.