Pedra de Toque - Voluntariado
Voluntariado
Ao meu amigo Nuno
Uma jornalista conhecida e com muitos méritos, que eu leio em crónicas que publica na imprensa, numa das últimas semanas escreveu um texto que me provocou reflexão, acabando até por me comover.
Escrevia ela sobre pessoas que nas grandes cidades, os poucos momentos livres que o trabalho lhes proporciona, dedicam-nos, através de associações mais ou menos anónimas, a prestarem ajuda a quem se confronta com o grande sofrimento.
Depois de uma actividade intensa e fatigante, ainda tem o fôlego bastante para darem uma hora no hospital oncológico, no albergue de desamparados, na rua dos sem abrigo, na creche de órfãos, minorando a dor aos que padecem, abnegadamente, sem qualquer outro tipo de compensação para além da satisfação moral e do orgulho de darem despercebidamente, desinteressadamente.
Desta dimensão, conheci religiosos e religiosas nas matas africanas, educando crianças, tratando doentes, enfermos com doenças terríveis contagiosas, expondo-se a perigos, nomeadamente de guerra, sempre e tão só com a missão de serem úteis, de servirem, de provocarem alívio.
Os homens e mulheres a que a jornalista se rende e os outros que em África semeavam ternura e amor entre os carenciados, actuam e actuavam com abnegação, solidários, sem limite, incógnitos, longe dos flashes dos fotógrafos, das bandeiras de cerimónias, tão ao gosto dos profissionais da caridadezinha.
Estes últimos, vestem-se de presunção sempre ridícula, enfarpelam-se de vaidade hipócrita, para esmolarem em público, com vista à promoção social, à foto com relevo no periódico da região.
Porque, por norma são gente bem, o poder apaparica-os e daí as normais benesses para ambos.
Até anunciam com espavento em congressos, os actos piedosos que praticam, sempre sem perigo de contágio, claro, e sempre à vista de todos.
Estas pessoas nauseiam-me, provocam-me urticária na alma.
Os outros, os tais que merecem crónica à grande jornalista, e tantos que eu vi em plena mata africana, cuidando com um sorriso os que iniciam a vida e os que rondam a morte, unicamente envoltos no silencio de bem-fazer,
perante estes, sim, curvo-me e peço aos deuses deste mundo e do outro, que me dêem coragem e força para um dia poder ser como eles.
António Roque