Um olhar, um pormenor, algumas memórias
O 206 da rua Direita
Ultimamente, há meses, talvez já mais de um ano, passo pela rua Direita a caminho do almoço. Vou sempre com olhos de ver, mas em geral o olhar vê aquilo que quer, penso mesmo que tem vida própria, seletivo e atento a pormenores. Ontem, vá-se lá saber porquê, parou em frente ao 206, espantado como se o visse pela primeira vez, como se não existisse nas passagens diárias anteriores. Fiz-lhe o favor de congelar o momento, também não sei porquê, mas fiz o registo, e agora ao vê-lo, vem-me à memória o tempo em que quando esta porta abria, aparentemente uma porta de garagem, mas depois de toda aberta, era um comércio que tinha sempre o dono à porta. Agora, pensando bem, já lá vão uns anos em que a porta não abre nem o dono atende à porta, penso que nunca lhe soube o nome, embora o conhecesse bem só de passar por lá, o que vendia, também nunca reparei, mas lembro-me, ou penso, que era roupa e não devia ser do meu interesse de vestir, senão teria reparado e teria memória disso, mas o olhar também é enganador, atraiçoa-nos muitas vezes, e com o tempo, já dei conta que em termos de memória, os registos dos olhares não são tão fiéis como os registos dos cheiros e dos sons.